Vinte e quatro anos
Simpatizo muito mais com números pares; não sei porquê, mas dão-me uma ideia mais reconfortante e redonda do que os números ímpares, que na minha cabeça estão repletos de arestas e picos e coisas não tão fofinhas. Por isso disse sempre que até gostava da ideia de me livrar dos 23 anos e passar para um número par.
Comecei a pensar sobre os meus 23 e reparei que houve, de facto, arestas. Lombas, chamar-lhe-ia. Ou uns buracos na estrada. Que, na verdade, fui eu que construi. Aos 23 saí do jornal, comecei a trabalhar com o meu pai, inscrevi-me numa pós-graduação, comecei a dar aulas de piano. E a sensação de estar perdida - algo que aconteceu muitas vezes, quase todos os dias deste meu ano 23 - foi compensada com o conforto de me sentir em controlo da minha vida e de finalmente estar a seguir o caminho que sonhei desde miúda.
Acho que foi o ano em que mais arrisquei e em que mais bati o pé - tanto aos outros como a mim mesma, aos meus preconceitos, medos e ideias demasiado enraizadas. Foi provavelmente o ano da minha vida com mais apostas de longo prazo, em que esqueci o prazer imediato, e em que pus todas as fichas na minha resiliência; sinto que colei os meus pés na terra e gritei "daqui não saio, daqui ninguém me tira", já a antever todos os ventos fortes e tempestades que se avizinhavam. Até ver, aguentei. Aguentei o peso emocional e a carga de trabalho que implicou voltar a estudar e aguentei os pequenos terramotos provocados pelo simples facto de viver com a mesma pessoa com quem trabalho e com quem passei a partilhar opiniões e decisões estratégicas de uma empresa.
Hoje entro nos 24 - número par, redondinho e bonito - e despeço-me dos 23 com um agradecimento profundo a todas as lombas que instalei no meu próprio caminho. Quase que fiz as pazes com os números ímpares, porque percebi que as arestas também podem ser uma coisa boa; se não fossem elas, se tudo fosse redondo e liso, não havia mudanças de direção. E quase tudo o que eu fiz nestes meus 23 foi definir ângulos de mudança, usar a régua e o esquadro e escrever a lápis o caminho por onde é suposto ir - nunca me esquecendo que posso apagar, mudar de ideias e voltar atrás... Mas que ao menos o risco já está traçado. Só falta mesmo percorre-lo.
Que os 24 continuem a ser uma bela viagem. Eu estou aqui, do lado da janela, à espera de ter boas vistas.