Uma noite mágica na livraria Lello (e a aposta em todo um verão épico)
Acho que este verão bateu em mim o facto de este ser o meu último período de férias grandes. Em Setembro começo a trabalhar e inicio oficialmente o meu período de vida adulta, com dias de férias contados e todo o drama que é trabalhar. Ao meu lado só vejo pessoas ainda a acabar a licenciatura, a seguir para mestrado, a tirar um gap year ou a ir fazer voluntariado no estrangeiro e eu aqui, prestes a perder a liberdade que tive até agora mas que até aqui não tinha dado grande importância.
Por isso fiz um compromisso comigo própria em aproveitar este verão da melhor forma que conseguir, apostando todas as fichas nestes meses de calor e respondendo "sim" a coisas a que normalmente diria não ou arranjaria uma desculpa para me esquivar. É para ir a um concerto antes de seguir para Estocolmo e dormir só uma hora? Bora. É para entrar num castelo com encenações assustadoras a meio da noite mesmo sendo medricas para xuxu? Bora. É para ir para a Régua? Bora.
E foi neste espírito de "bora, não há nada a perder e este é o teu último verão a sério" que também enviei email para a Lello, candidatando-me para ser voluntária no evento do lançamento do novo livro do Harry Potter. Estava na Rússia, a pagar net a preço de ouro, e passei por um post no facebook que dizia que eles estavam a aceitar candidaturas para voluntários nesse dia. Escrevi uma coisa muito rápida e simples e, para minha surpresa, poucos dias depois recebi um email a dizer que fui selecionada.
Não me vou debruçar aqui sobre o trabalho de "voluntariado" que fizemos nem discutir essa questão tão sensível (fica para breve). Eu estou numa de me meter em coisas que me ocupem tempo, que me tirem de casa e me façam conhecer pessoas novas - e foi isso que fiz, independentemente do que ia (ou não) receber, do trabalho que ia ter e ia fazer. O que me importava era ir, fazer parte. E assim foi.
Durante dois dias esfalfei-me. Carimbei, ensaquei e alarmei centenas de livros (sim, aquela preciosidade passou-me pelas mãos dois dias antes do lançamento oficial - e confesso, dei uma olhadela antes do tempo). Carreguei com eles escadas a cima, uma vez e outra. Levei com centenas deles em cima, que caíram em cima de mim estilo dominó quando retiramos uma caixa que não devia ter saído do sítio. Fiz de porteira durante horas a fio, andei pelas filas a dizer a mesma coisa cerca de quarenta e duas mil vezes e dei por mim a ter uma fila de pessoas só para falar comigo para me fazerem perguntas a que já tinha respondido cerca de cinquenta e oito mil vezes essa noite. Nunca falei com tanta gente na vida. Sei que para a grande maioria das pessoas o evento foi um flop (basta ver as publicações e comentários na página do evento no facebook) e isso também foi perceptível para nós, que tentamos proporcionar a melhor experiência possível mas não conseguimos fazer milagres. Ainda assim, penso que enquanto voluntários foi uma experiência brutal.
Já depois da meia noite, enquanto carimbava talões e entregava o tão esperado livro, via na cara das pessoas a emoção total. As músicas da banda sonora do Harry Potter estavam a passar na loja e, honestamente, houve um momento em que me arrepiei - quando entregávamos o livro, parecia que estávamos a passar a tocha olímpica ou algo de uma importância incrível, tal a comoção das pessoas que estavam à nossa frente. Foi incrível e valeu todas as horas de trabalho duro que todos nós, voluntários, passamos ali. Penso que é algo que nunca esquecerei.
Outra coisa incrível foi a interação com as pessoas - não só as centenas com quem falei na porta ou nas filas, enquanto distribuía comida, inquéritos ou simplesmente respondendo a questões - mas também com os outros voluntários. Senti a mesma coisa no barco: estamos num sítio onde ninguém nos conhece e podemos fazer reset em nós próprios, sem ter de gerir as expectativas dos outros ou de quem já espera e pensa certas coisas de nós. No fundo, perante pessoas e todo um mundo novo, podemos ser quem quisermos, reinventarmo-nos e "escolhermos" que pessoa somos e quem queremos ser, sem nada que nos prenda a tudo o resto. E essa sensação é espetacular. Posso ser a Carolina incrivelmente simpática que acho que normalmente não sou; posso ser a Carolina que está sempre a sorrir que não sou de certeza no dia-a-dia; posso ser uma versão light de mim, porque sei que aqueles tempos vão ser ligeiros e felizes e que os problemas só vêm depois, e aí já posso ser quem sou habitualmente.
Apesar da confusão e dos milhares de pessoas, do trabalho quase abusivo e de alguma ingratidão que possamos ter sentido, acho que é uma noite que nunca esquecerei e que sei que não poderia ter vivido de outra forma (porque não iria lá apenas como "espectadora" normal). Foi mágico, tal e qual como o (nosso) Harry Potter.