Uma epidemia de incoerências e de falta de respostas
Nas primeiras semanas optei por desligar a televisão e ir-me mantendo atualizada mais em pleno de manhã, através da newsletter do Observador e, nas coisas de última hora, pelas redes sociais, em posts que saltavam à vista aqui e ali (maioritariamente dizendo que "ainda não há Corona vírus em Portugal).
O ciclo quebrou-se quando, wow!, apareceu um caso. Foi quase uma rave nas redações deste país, que estavam a ver que, para além da Eurovisão, iríamos ser também os últimos nesta pandemia de última moda. Mas depois apareceu outro e outro e outro infectados. Começaram as quarentenas. Começaram os apelos. As recomendações. O que continuou? A informação, que de tão exagerada, se tornou em desinformação. Que virou ativador de pânico.
Procurei sempre manter-me informada, ler coisas que vão para além das nossas palas pequeninas e dos "diretos exclusivos" das televisões portuguesas. Pesquisei sintomas, estatísticas e dados reais, de todo o mundo. Tive imediatamente medo pelos meus pais, mais velhos, e pelo meu irmão, doente crónico. Não temo pela minha saúde, que pelas estatísticas está pouco em risco, mas pela deles e a hipótese que tenho de as estragar caso fique infectada. Fui a primeira a cessar beijinhos e apertos de mão quando vi que o cerco estava a ficar estreito e os casos a aproximarem-se cada vez mais; pus a questão de deixar de visitar a casa dos meus pais por uns tempos. Lavo as mãos com ainda mais frequência. Tenho cuidados.
Mas começa a assolar-se sobre mim o medo de não saber o que vai acontecer, principalmente a nível de trabalho. Essa foi a minha primeira preocupação, ainda o vírus não tinha chegado à Europa. Importo matéria-prima da Ásia: e agora, se não chega? E se não há? A economia chinesa tomou tais proporções, açambarcando tudo e todos, que nem sequer consigo ir buscar o que preciso na Europa!
Hoje, a questão vai além da matéria-prima. O meu negócio é de indústria. Eu adorava, mas nem eu nem os meus trabalhadores podemos operar fora da fábrica. As máquinas não trabalham sozinhas. E o que vamos fazer? Fechar a fábrica e esperar? E como é que eu pago salários no final do mês se não produzo?
Estou numa fase de irritação porque só quero uma coisa: respostas. Sei os riscos, sei o que devo fazer, sei os sintomas. Mas quero respostas para as medidas que estão a ser tomadas. Os funcionários públicos vão receber à mesma se ficarem em casa - e os outros, que trabalham em empresas privadas? E eu, que estou à frente de uma empresa que se não trabalhar vai à falência, e que não pode laborar sem ser in loco?
Quero perceber como têm a lata de apelar à calma quando as televisões põem qualquer ser vivo em estado de alerta. Quando dizem que devemos estar em casa, mínimo contacto possível com os outros, e continuam com aulas (que são só aglomerados de 30 alunos dentro de uma sala e centenas deles cá fora) de miúdos, esses sim, que não tem noção das coisas e não tomam as devidas precauções. As mesmas pessoas que tomam medidas como fechar feiras ao ar livre (ponho a mão na cabeça a pensar naqueles feirantes...) mas que não pensam nos centros comerciais, locais de negócio totalmente fechados e onde o risco deve ser ainda maior.
A culpa do pânico e do açambarcar dos supermercados não é nossa: é de quem produz a informação e de quem a veicula. E pânico gera pânico: eu, que até posso nem ter medo do Corona, que sou consciente, hoje tenho medo de ir ao Lidl e não ter carne para o jantar. E o que vou fazer? Como os outros, açambarcar coisas que não precisaria mas que já percebi que não vou ter acesso fácil nos próximos tempos.
Eu só quero respostas - como cidadã, como filha, como empresária. Também quero medidas - mas, de preferência, com menos incoerências por parte de quem manda. Até lá, não tenho outra hipótese senão fazer a minha vida normal, com todos os cuidados extra que já fazem parte do dia a dia.