Um dia difícil, um mote de vida, uma experiência inesquecível e alimento para os peixes e para a alma
Tinham razão: vim para os Açores! Às seis da manhã de ontem estava a entrar para o avião que me traria a São Miguel enquanto fechava o livro que estou a ler no momento, "The Subtle Art of Not Giving a Fuck", de Mark Manson. Parei de ler numa altura em que ele falava da aceitação das experiências negativas, que nos traziam muito mais coisas melhores do que o desejo de coisas positivas. Não sabia que isso ia ser uma aprendizagem para aplicar no próprio dia.
Decidi há uns dias que ia nadar com golfinhos. Marquei, paguei, ouvi tudo com muita atenção e enfiei-me no barco com a convicção de que ia ter um dos momentos da minha vida. Achei que um dos melhores. Enganei-me só neste "pormenor". Mal o barco começou a andar eu soube que aquilo ia ser das coisas mais aventureiras que eu alguma vez tinha feito - e eu não sou aventureira nem gosto de aventuras. Não gosto de coisas em que não detenha o controlo da situação e eu soube que ali não ia poder controlar as coisas - mal sabia que nem o meu próprio corpo. A viagem até ao local onde estavam os golfinhos (talvez a vinte minutos) foi tenebrosa e dolorosa. Os salpicos e os tombos que tinham graça nos primeiros minutos, rapidamente se tornaram em algo horrível que eu só queria que acabasse. Eu já via golfinhos em todo o lado, só pedia a algo ou alguém que eles aparecem rapidamente para aquilo poder parar - até que eventualmente parou.
No início da viagem, o biólogo disse-nos, na brincadeira, "If you get seasick, don't feed the boat, feed the fishes". Todos nos rimos, eu também - eu, que me sentei no primeiro lugar do barquito, porque queria ter vista priviligiada para aquele momento inesquecível. "No topo do barco é mais bumpy", avisaram-me. Eu anuí. Já fiz dois cruzeiros, já andei em iates, em barcos de pesca, em barcarolas e barcos salva-vidas - não ia haver problema. Fi-lo de forma ingénua e quase inconsciente. É importante saber que eu adoro água, adoro mar e tenho medo de muito pouco neste âmbito e nunca pensei que aquilo fosse correr de outra forma que não maravilhosamente bem.
Mas o barco parou e eu passei a saber que aquilo não ia correr bem. Vomitei tantas vezes quantas a embarcação parou para nos deixar sair; vomitei o pouco que tinha no estômago e aquilo que não tinha. Talvez nunca na vida me tenha sentido tão indisposta. Saltei uma vez para a água, muito agitada, e não vi bicho algum. Saltei a segunda, já com menos conteúdo no estômago do que na vez anterior e lá os vi nadar por debaixo de mim e voltei ao barco, afirmando-me derrotada. Não conseguia saltar mais, tinha medo de desmaiar na água. Ia vendo os golfinhos passar, ia ouvindo os relatos de quem chegava ao barco, os "uau"'s, as vozes de quem tinha tido a experiência de uma vida. E eu a lutar ativamente para não cair para o lado. Só queria ir para terra.
Feliz e infelizmente, os meus colegas de atividade não se deixaram perturbar pelo que me estava a acontecer. Apesar de altamente desapoiada, o meu infortunio não os impediu de se divertirem - embora, calculo, nunca seja agradável ver alguém a vomitar de cinco em cinco minutos. Percebi rapidamente algumas das vantagens e desvantagens de viajar sozinho: por um lado, não preocupei ninguém; por outro, estava sozinha ali, a sentir-me nas posições mais vulneráveis da minha vida, e ninguém quis saber. Levei a GoPro mas não consegui tirar uma só foto. Cheguei a um ponto em que duvidei da minha capacidade de me levantar. Fiz a viagem de regresso toda de olhos fechados, sem energia para pestanejar, e com a minha cabeça com dois pensamentos em loop: a música do Boss AC "tu és mais forte e sei que no fim vais vencer" e a frase "TU NÃO PODES DESMAIAR". Só me ocorria aquilo que aconteceria se eu quinasse, que iria de certeza envolver ambulâncias, chamadas de urgência para os meus pais que ficariam em pânico e todo um caos que eu não queria provocar. Soube que desmaiar não era opção.
Não sei como, mas aguentei-me. Saí do barco com o meu próprio pé, a tremer como se estivesse dentro de mim um terramoto de magnitude 10 na Escala de Richter. Ativei o instinto racional, prático e de sobrevivência e sobrevivi.
Não sei o que provocou tudo isto. A velocidade do barco não ajudou, a maré agitada muito menos, assim como o lugar que escolhi na embarcação. Foi uma sucessão de coisas más. Não foi um mal estar médio, foi algo quase totalmente incapacitante. Eu não queria saber dos golfinhos para nada e, quando umas horas depois consegui recuperar, senti uma tristeza horrível: queria tanto aquilo e, no fim de contas, tudo o que desejava era ir embora. Não se trata só de ser um dos piores momentos de que tenho memória da minha vida, mas também da frustração de não ter tido dos melhores momentos da minha vida.
"The desire fore more positive experience is itself a negative experience. And, paradoxically, the acceptance of one's negative experience is itself a positive experience".
The Subtle Art of Not Giving a Fuck
Comecei nos Açores com o pé esquerdo. Tenho a prova nas costas, no rabo e nas pernas, onde tudo está pisado; no estômago, que ainda não normalizou; e na memória, que ainda treme só de pensar no que aconteceu. Mas que se "fuckem" os golfinhos, o barco e quem não me ligou nenhum. Caraças, o dia de hoje foi brilhante, esta ilha é incrível e eu estou feliz e bem de saúde. Não consigo não deixar de desejar experiências positivas, mas aprendi com a negativa. Já levo bagagem desta viagem, e não estou a falar da do porão. Ontem alimentei os peixes, hoje alimentei a alma e tudo valeu a pena.