Trust issues
Trabalhar é bom por muitos motivos, mas um deles é sem dúvida ficarmo-nos a conhecer melhor e racionalizarmos algumas das atitudes que temos de forma completamente banal. Eu tenho aprendido imenso sobre mim própria porque todos os dias me exponho a situações que não são do meu quotidiano, que não me são confortáveis e que eu muitas vezes nem sequer gosto, mas me vejo obrigada a fazer.
Algo que notei é que eu espero sempre o pior das pessoas. Não é novidade para mim nem para ninguém de que eu tenho dificuldade em lidar com os outros, em falar com pessoas estranhas (e mesmo pessoas não estranhas). Mas nos últimos dias, em que ando a respirar fundo muitas vezes antes de pegar no telefone e ligar para um número desconhecido, apercebi-me que estou sempre à espera que me tratem mal do outro lado da linha - e, infelizmente, acho que isso diz muito sobre mim e sobre as minhas relações interpessoais ao longo da vida. Estou sempre à espera que me mandem pastar, que me berrem, que sejam antipáticos - e fico sinceramente surpreendida quando me calham pessoas simpáticas e agradáveis que, no fundo, só me tratam com o devido respeito.
Fiquei surpreendida e, confesso, um bocado magoada com esta constatação (aliás, este é dos assuntos que, embora tente falar e "suavizar", me pesam e doem mais). Mas penso que é o espelho de algo que foi constante em toda a minha vida: passo a minha vida a levar "patadas" dos outros. Acho que é uma espécie de "cruz" que trago comigo, porque desde pequena - mesmo muito pequenita, aí com uns 4 anos - que me lembro de chorar, de me sentir magoada e só por perder constantemente aqueles em quem confiava. Ainda hoje acontece - embora em menos quantidade, porque o círculo de pessoas que me podem causar mossa é cada vez menor. Mas é por isso que eu tenho os chamados "trust issues", que me toldam as relações pessoais por um medo constante e pela espera constante que me dêem com os pés.
A verdade é que eu, à partida, já não estou disponível para ser magoada e isso faz com que há muitos anos eu não fale com pessoas novas e me interesse por qualquer tipo de relação duradoura; interajo com os outros, mas com um nível de distanciamento grande e que garanta a minha segurança psicológica. E estes últimos dias, em que me vejo obrigada a saltar para a "arena" repleta de "touros" com os cornos ao descoberto, não sabendo se são mansos ou agressivos, têm sido difíceis. Cada vez que pego no telefone é um desafio e de cada vez que desligo é uma conquista.
Tenho a dizer que tenho tido sorte e que não me têm aparecido touros bravos pelo caminho - verdade seja dita que tudo o que eu quero saber (e escrever) são boas notícias e coisas positivas para os visados (não estou propriamente no Correio da Manhã), mas mesmo assim estou sempre à espera que chegue o dia. Porque a confiança é assim, como um papel amachucado: podemos estica-lo à vontade, mas ele nunca mais na vida fica direito. E eu tenho quase a certeza absoluta que, por muitos anos que viva, este medo (e esta dor) nunca vão desaparecer por completo. Não sou pessoa de pessoas. E por muito que me atire para arenas, nunca vou ser.