Tapioca, ou um desgosto profundo
Em 2006 fui ao Brasil, mais propriamente a São Salvador da Bahia. Tenho poucas memórias dessas férias, não foi algo que me tenha marcado e todo aquele mito que envolve o Brasil morreu para mim desde essa altura - neste momento, só tenho curiosidade em ir ao Rio, porque de resto passo bem sem lá pôr os pés de novo. A praia não era nada de especial, detestei andar nas ruas, não apreciei o ambiente. (Enquanto escrevia este texto fui ver as fotos dessas férias e concluo que, de facto, não estava a gostar de nada - estou SEMPRE com cara de chateada). Diria que, das duas semanas que lá estive, trouxe três coisas de que me recordo com alguma saudade: os macaquinhos que andavam lá e roubavam comida a torto e a direito nos pequenos-almoços; as atividades que haviam, nomeadamente uma a que eu ia todos os dias, que consistia em aprender a fazer cestos e outros objetos através da folha de palmeira; e, claro, não menos importante... a comida.
Essa foi a coisa que mais me marcou. A comida era divinal e eu nunca vi um pequeno almoço tão grande como aquele em toda a minha vida. O pior é que era tudo delicioso! A fruta, o pão, as iguarias... fico com água na boca só de pensar. Já nessa altura comia como uma lontra e ali não havia muito mais para fazer para além de enfardar, por isso limitava-me a comer e a ser minimamente feliz. Aprendi a gostar de umas tantas coisas, mas uma que marcou em particular eram uns crepezinhos de uma farinha branca que eles punham para cima da frigideira e aquilo, como por magia, solidificava. Não era líquido, mas mesmo assim ficava homogéneo e as senhoras depois colocavam lá dentro uma banana frita e o que mais quiséssemos.
Vim com aquilo na memória e andei a falar disto durante anos - anos, sem exagero! Lembro-me que, quando cá cheguei, não sabia o que era mas falava daquilo a toda a gente como se fosse a última iguaria deste mundo. Até que, eventualmente, acabei por a esquecer. Até há um ano atrás, quando comecei a ver os tais crepes brancos a invadir o instagram de todas as pessoas fit e percebi que, dez anos depois, tinha reencontrado a pólvora. O drama foi encontrar a tapioca para os fazer, uma vez que tem de ser hidratada e não havia nada no mercado (e que se vendesse no Porto) com esse efeito. Vi vídeos no Youtube, perguntei a toda a gente que via fazer, vasculhei nas caixas de comentários alheias à procura de dicas.
Nisto passou-se um ano. Pelo meio ainda fiz uma tentativa infrutífera com polvilho doce, hidratando-o, mas aquilo ficou um porcaria e eu achei que tinha feito algo de errado. Hoje percebo que se calhar não fiz nada de mal, simplesmente a tapioca não era aquilo que eu imaginava. Há uns dias vi que há uma nova marca de tapioca hidratada no mercado, que se vende no Celeiro. Fui logo a correr comprar aquilo e, nessa mesma tarde, fiz a dita. Primeiro não aglomerou, ficou toda partida - mas com isto uma pessoa até vive. O pior é o sabor e a textura. Sabem quando um comprimido daqueles que sabem mal fica entalado na garganta e, quando o tenta "empurrar" com água, ele se desfaz e deixa um sabor terrível na boca e parece deixar bocadinhos farinhentos na vossa boca? Foi basicamente o que senti quando pus a tapioca na boca.
Para além de ter pago uma pequena fortuna por uma farinha que não vou usar e de aquilo ter sido das piores coisas que provei nos últimos tempos, o pior de tudo isto foi o desgosto. Não sei se fui eu que fiquei com uma ideia errada sobre aquilo que comi no Brasil, se era de facto algo diferente e eu estou a confundir ou se eles punham açúcar na farinha... mas a imagem que eu tinha era o oposto disto que hoje se come. Tenho consciência que estes "mitos" da nossa memória nunca mais se tornam a concretizar, que as comidas por muito boas que sejam nunca sabem à mesma coisa e perdem a magia, mas neste caso é passar de uma comida de sonho para algo absolutamente intragável. Admiro sinceramente quem consegue comer aquilo ao pequeno almoço e ainda sorrir enquanto dá uma trinca. Se calhar é o preço a pagar por ser fit. E, sendo assim, está visto que vou ser lontra a vida inteira.