A capa da Women's Health: inspiração ou frustração?
Nas últimas semanas meio mundo ficou de queixo caído com a transformação da "youtuber do momento". Helena Coelho passou de uma rapariga perfeitamente normal a uma mulher mega fit e capa de revista, com um tanquinho à maneira e um rabo de fazer inveja às inimigas.
Nunca fui sua seguidora mas, no meio de tanto burburinho, tive de ir espreitar a Women's Health. No meio da pesquisa vi alguns dos seus insta stories onde contava tudo sobre o seu processo de transformação, dizendo que foi duríssimo, que teve de se aguentar imenso para não comer o que os outros comiam e que não era nada fácil resistir a certas tentações. Mas que, naquele momento, se sentia a mulher mais feliz do mundo.
Devo, desde já, dizer o seguinte: o corpo "inicial" da Helena Coelho (ou, talvez, o correspondente à segunda foto que conseguem ver abaixo) era o corpo que eu desejaria para mim. Não acho as mulheres muito musculadas particularmente bonitas. Gosto, sim, de ver um corpo tonificado, sem nada a abanar. São gostos, não se discutem, mas é um disclaimer importante tendo em conta o que vou dizer aqui para a frente.
Faz-me impressão que numa altura em que tanto se fala na normalização e aceitação do corpo da mulher, aquela seja a imagem do corpo perfeito. Aliás, o pior para mim é que o antes (aquele que eu considero mais bonito, com formas) seja considerado "o mau". Como é que depois podem vir para as redes sociais dizer que todos os corpos são lindos, que "para ter um corpo de praia basta ter um corpo", quando depois se apresentam assim? É lógico que 98% das mulheres se sente frustrada, compreendendo imediatamente que não tem um corpo à altura.
Uma coisa eu não nego: a Helena é uma inspiração, um exemplo de força e de superação. Tinha um objetivo - com o qual eu posso ou não concordar, gostar ou não gostar - e conseguiu atingi-lo. É de louvar! Mas faz-me confusão que só se tenha em conta o resultado e não o percurso; acredito que ao olhar para aquela primeira página nas bancas de todo o país, o dia de lançamento tenha de facto sido um dos mais felizes de sempre. Mas penso que este tipo de comportamentos têm de ser vistos a longo prazo: aquele estilo de corpo só se mantêm com uma alimentação sempre regrada, com a prática de exercício diária e planeada. Senão, ao fim de um mês, desaparecer e não passa daquilo: um momento, uma fotografia bem tirada com as sombras nos sítios certos. Se ela fala no período de mudança como algo duro, em que não pôde comer aquilo que lhe apetecia e em que tinha de treinar em dias em que essa não era a sua vontade... o impacto que isso teve, nesses dias, não conta? Só conta o resultado final?
Do meu ponto de vista, as pessoas que conseguem manter este tipo de corpo durante longos períodos de tempo são aqueles que são realmente felizes a fazer desporto, que o fazem até por necessidade (dizem que o "corpo pede"), porque foram habituados assim desde cedo. De resto, para a maioria, este tipo de vida é um sacrifício. Se assim naõ fosse não havia tantas pessoas gordinhas; não havia tantas desistências nos ginásios. Fazer exercício depois de um dia de trabalho particularmente mau é difícil. Comer uma salada quando os outros estão a comer pizza é difícil. E é assim para, sei lá, 98% das pessoas! Os outros 2% são de facto tão poucos que eu, assim de repente, só me lembro da Carolina Patrocínio. De todos os outros - desde famosos a conhecidos meus, que já atingiram objetivos do género -, recordo-me sempre de os ouvir dizer (e mesmo de ver com os meus próprios olhos) que aqueles corpos não passam de momentos (sessões fotográficas, provas, etc.), resultantes de um esforço particularmente intenso e que não é normalmente prazeroso.
O que quero dizer é que uma capa daquelas faz a maioria das pessoas sonhar. Diz a Helena que o objetivo é fazer as pessoas acreditarem que conseguem. E é verdade que sim. Mas a que custo? Será que o custo-benefício vale a pena? Rotular aquilo como "o bom" e "o bonito" só vai fazer com que as pessoas que não conseguem lá chegar - e todos sabemos que são a esmagadora maioria - se vão sentir frustradas e, provavelmente, relacionar-se ainda pior com o próprio corpo. E é assim que uma capa que devia ser uma inspiração se transforma em mais uma forma de sentirmos que nos esfregam na cara aquilo que nós próprios não conseguimos.
(retirado do instagram da Helena Coelho)