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Entre Parêntesis

Tudo o que não digo em voz alta e mais umas tantas coisas.

06
Dez20

As filosofias de vida baratas não resolvem problemas

Ou um pensamento sobre a morte precoce de Sara Carreira e como mexe com todos nós

Quando tomamos conhecimento de uma tragédia como aconteceu à da família Carreira todos sentimos que levamos um chapadão da vida. Não falo da família nem de amigos próximos: esses terão que aguentar com um terramoto, com demasiadas réplicas, que será muito difícil de ultrapassar; muitos - anónimos, aqueles cujas histórias não são dissiminadas pelos jornais nem pelas redes sociais - não se reerguem após uma perda destas (e eu espero que, dentro dos possíveis, todos os que orbitavam à volta da Sara possam voltar às suas vidas, dentro do novo normal, o mais rapidamente possível).

Falo de nós, os que assistimos à distância. Gostando ou não dos Carreira, não há forma de não nos identificarmos e projetarmos em nós e nos que nos rodeiam aquilo que lhes está a acontecer a eles. Alguns, como eu, têm uma idade próxima da da Sara. Outros terão filhos, netos, amigos, irmãos a quem poderia acontecer exatamente a mesma coisa. E no momento em que nos apercebemos disso cai-nos a ficha. Também a nós nos dói, pois percebemos que poderíamos ser nós, dentro do carro; que poderíamos ser nós a receber a notícia. Aliás: podemos. Basta estarmos vivos.

Depois de acontecerem coisas destas, as redes sociais enchem-se - para além dos merecidos votos de pesar - de filosofias baratas sobre a vida, cuja aplicação só é possível numa existência utópica. "Aproveitar cada dia. Não nos chatearmos. Não fazermos planos. Viver o momento."

Eu falo por mim: vivo absorvida pelo futuro, às vezes demasiado dedicada ao trabalho, muitas vezes preocupada com a gestão da agenda e do tempo, algumas vezes chateada pelas pedras no caminho e eternamente stressada com uma vida que gosto e que escolhi, mas que não me dá margem para muitos erros.

Este ano já não é a primira vez que levo estas chapadas de realidade - na verdade, foram mais que chapadas. Enterrar um antigo colega da primária mexe connosco; e ver no leito de morte alguém que nos criou, e cuja vida e a distância nos separou muito embora o vínculo estivesse lá, também dói muito. E, também por isso, há algo que aprendi e que não falho: todos os dias relembro as pessoas que amo do quanto eu gosto delas. E também evito deitar-me chateada com alguém.

Embora não tenha no meu dia-a-dia a ideia constantemente presente de que a vida é um fósforo (acho que isso faria com que endoidecesse), implementei essas duas regras já tendo em vista de que não sei o que o futuro nos reserva e que quero que todos tenham presente aquilo que sinto por eles. Sei pouco sobre a morte - e dispenso saber mais -, mas tenho a certeza que não levamos qualquer tipo de bens connosco quando morremos; confio, no entanto, que uma consciência tranquila e um coração cheio ajudem ao processo, tanto dos que ficam como dos que vão.

Implementei estas duas regras de forma preventiva, para estar bem comigo mesma e garantir que os que me rodeiam também ficam de consciência tranquila caso aconteça algo. Fora este tipo de ações (e outras momêntaneas, que surgem na hora), opto por descartar as frases bonitas e filosofias que surgem no facebook por estes dias. É irrealista para mim não me preocupar com o dia de amanhã, devendo apenas viver o momento - fazer isso é dizer-me para ir contra a minha própria natureza; é pôr mais um peso em cima de mim, porque não consigo não me preocupar, mas porque sei que não devo (e este ciclo vicioso acaba eventualmente por ser maligno); é ser egoísta, tendo em conta que estou numa posição em que as minhas decisões e ações têm consequências sobre os outros e sobre a sua qualidade de vida. Não me podem pedir para não me preocupar quando sei que a tesouraria vai má e eu tenho salários para pagar no final do mês; não me podem pedir para não me preocupar quando há reclamações para resolver. Também por isso não vale a pena dizerem-me para aproveitar o dia quando há dias em que eu sei que o tempo vai estar negro e há problemas graves para enfrentar. De que serve colocar uma pressão extra sobre nós mesmos quando nós já vivemos num ambiente de stress constante? A ideia, para mim, é exatamente o oposta: descomplicar e não empilhar filosofias que não podemos implementar. Dar ouvidos a este tipo de coisas quando temos plena noção de que não as conseguimos cumprir seria o mesmo que ir à igreja todos os domingos e não ser crente: é inútil e desnecessário.

Hoje em dia, penso que muito por culpa das redes sociais, temos uma tendência e uma necessidade de mostrar ao outros que está tudo bem. Apagamos os dias maus do histórico e fingimos que não aconteceu. Há quase vergonha em demonstrar que, às vezes, não se está bem. Ser infeliz ou mal sucedido não é fixe. Não mostramos quando vamos a um tasco em vez de um restaurante fancy, quando a comida sai torrada e não com um belíssimo aspeto, quando temos olheiras e o cabelo por lavar em vez de uma mela maquilhagem e um sorriso pepso-dente.

E, assim, esquecemo-nos de uma parte essencial da vida. Sim, vai haver dias maus. Sim, vai haver preocupações. E sim: no meu caso, não há forma de eu não estar sempre de olho no futuro - porque é assim que eu sou e não vale a pena contrariar. É aceitar e dar a volta ao texto.

Relativizar é uma alternativa - hoje, por exemplo, é fácil percebermos que temos uma vida óptima quando comparamos o sofrimento que aquela família está a enfrentar. Mas esta técnica nem sempre funciona, porque muitas vezes não nos lembramos realmente do quão poderosas podem ser outras dores (nomeadamente a dos outros). No dia-a-dia, as nossas dores são sempre as piores.

E por isso o que eu faço, tal como na minha vida, é dividir o tempo em slots diferenciados, quase como numa agenda. Há uns dias - num daqueles mesmo pesados e complicados - o meu namorado chegou aqui a casa com um ramo de flores, dizendo-me que um dia mau não tem de acabar mal. E esse é o segredo. É aceitar o que foi mau mas, num slot de tempo diferente, tentar virar a moeda. Fazer por ver o outro lado. No meu caso, é saber que por muito mau que o dia seja, de noite poderei deitar-me no peito do Miguel e senti-lo a meu lado; é saber que tenho o abraço da minha mãe pela manhã; é comer um chocolate, embrulhar uma prenda de Natal, sentar-me no sofá e olhar para a minha árvore, brincar com os meus cães, ir à feira. É tornar preciosos os momentos de que gosto, que me fazem feliz, e apreciá-los um de cada vez - tendo consciência do priviégio que é estar a vivê-los. Esse é mais um dos exercícios que, a par de expressar o meu amor pelos outros, ponho em prática diariamente.

O resto? Para mim, são balelas. O resto vem, resolve-se, trata-se, dá-se a volta. E que bom é poder fazê-lo: é sinónimo de que estamos vivos e prontos para a luta. O problema é mesmo o dia em que não estivermos.

22
Nov20

Olá? Está alguém desse lado?

Um desabafo sobre rotinas e reajustes

Alguns anos depois da minha irmã ter saído de casa dos meus pais eu ocupei o quarto dela. Não por ser maior, mas por ter mais luz. Pedi-lhe autorização e fui de móveis e bagagens para o quarto na outra ala da casa - e foi lá que fiquei até sair. Na altura da mudança achei que me ia enganar dezenas de vezes no caminho para o quarto; que ia continuar a virar à esquerda no corredor quando agora tinha de virar à direita. E desde o dia em que para lá fui que nunca me enganei. Nem uma vez. A mudança na minha cabeça foi automática e a rotina pareceu nunca ter sido alterada.

Mas nem todas as mudanças são assim. Saí de casa dos meus pais (vou chamar-lhe assim para vos facilitar a vida, pois para todos os efeitos continuo a considera-la a ser a "minha casa") há sensivelmente um ano e a minha cabeça ainda não se ambientou. Não é que me engane e vá para casa dos meus pais quando quero ir para a minha, ou vice-versa; trata-se mesmo de, mentalmente, ainda não estar totalmente situada. Acontece-me muito acordar de noite desnorteada, pensando estar no meu antigo quarto. Não me faz sentido estar a ver luz num determinado sítio, nem ouvir barulhos da rua... e por momentos tenho de me re-localizar. "Ah, espera. Não estou no meu quarto. A porta é ali. Tenho alguém a dormir ao meu lado".

Acho que isto acontece porque a minha saída de casa foi dos maiores desafios da minha vida, um ajuste constante, uma dor terrível. Não lhe chamo decisão (porque não foi), mas sim um acontecimento natural - fui ficando e ficando... até que um dia fiquei de vez. E se por um lado isso tornou as coisas mais soft, por outro não houve o romper de toda uma rotina que até aí tinha vindo a construir.

O que fiz foi adequar a minha rotina - e a minha vida - às minhas duas casas; às pessoas mais importantes para mim - os meus pais (e irmãos) e o meu namorado. E essa rotina, hoje, não é igual há de um ano quando tudo se transformou. Muda constantemente, num incessante equilíbrio de uma balança com muito mais de dois pratos. Isto porque também eu tenho de entrar na equação - preciso de ter tempo para mim, para as minhas coisas, para estar mentalmente sã. Porque também tem de entrar o meu trabalho, a minha nova vida doméstica e a parca vida social que me resta. E eu vou constantemente mudando, adequando, tentando, ajustando. Até acertar.

Houve uma altura em que tirava as pré-manhãs (o tempo que estou em casa entre acordar e ir trabalhar) para fazer coisas que gostava: tocava 15 minutos de piano, às vezes começava um texto ou acabava de editar outro... Mas era um tempo tão limitado que passava-o constantemente a olhar para o relógio, a saber que tinha de sair dali a cinco minutos. Entretanto, através da Rita Ferro Alvim, descobri o método da "fly lady" (trabalhado pela Secret Slob), que pretende optimizar e organizar a limpeza de uma casa; diria que a base deste método é nunca deixar as coisas em modo-caos, de forma a que em pouco tempo consigamos ter tudo minimamente organizado sem perdermos uma vida a arrumar a casa. Não me quero esticar sobre este assunto (no instagram da Rita há um destaque só dedicado a isto), até porque estou longe de ser especialista e não implementei o método na íntegra, tendo aproveitado apenas algumas coisas que achei que poderiam fazer diferença no meu dia-a-dia.

Alguns exemplos: deixar o lava-loiças limpo à noite e no dia seguinte arrumar logo de manhã toda a loiça que esteve a secar ou na máquina de lavar; fazer a cama antes de sair de casa (não fazia porque preferia deixar a arejar, mas a verdade é que chegava à hora de deitar e só puxava os lençóis para cima e não entrava numa cama feita, tal como gosto); tirar dois minutos do dia para arrumar o(s) hotspot(s) - locais onde temos tendência para acumular tralha (no meu caso é o banco da entrada e a cadeira que acumula roupa no quarto). O objetivo é não deixar acumular tudo para o final do dia, em que já temos de fazer jantares, estender, apanhar e dobrar roupas, entre tantas outras tarefas que fazem parte do dia-a-dia da maioria das famílias. 

Assim, no que diz respeito ao equilíbrio em termos de tempo que dedico às pessoas que amo, diria que o dia é dedicado à família (tomo o pequeno-almoço com a minha mãe e irmã, almoço com os meus pais e por vezes irmãos) e o fim do dia ao meu namorado. A premissa é simples: passar tempo de qualidade com cada um deles. E isso implica uma gestão de tempo muito bem calculada.

No meio disto tudo nem sempre sobra tempo de qualidade para passar comigo mesma, para os meus passatempos. Tocar piano. Tirar fotografias, editá-las. Escrever.

Apesar de às vezes até me sobrar tempo nas alturas em que é suposto - quando o jantar acabou, a cozinha está arrumada, o banho tomado e o sofá e a manta à minha espera -, hoje em dia não consigo ter a disponibilidade mental que tinha há dois anos para conseguir fazer certas coisas. Chego às 21h mentalmente exausta - do trabalho, do planeamento rígido da minha vida, do stress constante em que já me estou a habituar a viver. E talvez por isso (ou por influência do meu namorado) tenha de dormir mais do que antigamente, para no dia seguinte ter forças para fazer tudo de novo. Escrever e até ler exigem um tempo, uma concentração e uma dedicação que, neste momento, não consigo dispensar a essas horas. Preferia mil vezes escrever do que ter visto uma ou duas séries da Netflix - mas as séries não me cansam e, entre isso e jogar Candy Crush, prefiro algo cultural. 

Quando comecei a escrever num blog, fazia-o por necessidade de libertar a alma. Tinha 14 anos - e tinha tempo. Hoje tenho 25 - e aquilo que perdi em tempo ganhei em responsabilidades. Já passei por muitas fases em relação à escrita: já precisei de escrever de como quem precisa de pão para a boca; já me apeteceu não escrever; já me obriguei a escrever; houve alturas em que, em dois dias, escrevia textos para a semana inteira. Passei por fases de desleixo e por fases de um rigor imenso, quase digno de colégio militar. Já estive totalmente desinspirada e, outras vezes, inspiradíssima. Já estive cheia de motivação e ideias - mas também já estive desmotivada ao ponto de achar que não valia a pena continuar com esta página aberta.

Mas este blog é como a vida: ele continua. E por muito que me custe não o atualizar durante duas semanas, obrigo-me a aceitar esta realidade. Se ainda hoje acordo a meio da noite a pensar que estou no meu antigo quarto, completamente desnorteada, é sinal de que ainda não atingi o equilíbrio certo na minha vida - e não posso exigir de mim aquilo que exigia antes, como escrever todos os dias. A minha vida ficou virada do avesso e é natural que eu demore a encontrar as novas costuras. E, desenganem-se: o avesso não é uma coisa má - mas é uma coisa nova. E eu ainda estou a aprender como gerir tudo isto.

Não sei se vocês ainda estão desse lado - mas eu ainda estou aqui. E planeio ficar. 

Continuo a acreditar no ditado inglês que diz que "practice makes perfect" (a prática leva à perfeição). Continuo a desejar escrever todos os dias, porque sei que quanto mais escrever, melhor o vou fazer. Continuo a acreditar em sonhos - e que um dia vou escrever livros. E contínuo a achar que esta é a plataforma certa para ir treinando e ir ganhando uma base de leitores que, construtivamente, me fazem crescer e ser melhor a todos os níveis.

Sei que agora não escrevo todos os dias - mas gostava de o fazer e sei que um dia hei-de voltar a conseguir. E vocês? Ficam por aí?

07
Jul19

O fim de um ciclo, o início de outro

Estou a uma semana de terminar a pós-graduação. 

Deixei de dar aulas de piano.

Tive uma cirurgia marcada devido a uma recidiva do quisto que me atormenta há anos e que acabou por ser desmarcada (mas da quall tenho um feeling de que não me safo num futuro próximo). 

Agora tenho um papagaio.

E um namorado incrível.

Na última semana entranhei-me mais nos meandros da empresa do que durante o resto do ano todo.

Tive uma ideia de negócio, mergulhei em contas no excel e em projetos descritivos no word e estou a procurar espaços para fazer dele uma realidade.

Escrevi muito - mas foi no papel. Todos os afazeres, todas as ideias, todas as incongruências, todos os riscos, todos os planos, todas as dúvidas, todas as tarefas, todos os textos que quero escrever aqui.

Tanto. Sinto que aconteceu tanto neste ano! Ditei que ele fosse um investimento em mim própria e acabou por me sair melhor que a encomenda. Quis ter a liberdade de experimentar, de errar, de aproveitar coisas que provavelmente só nesta fase na vida iria poder desfrutar; de poder respirar fundo antes de ter o peso das grandes responsabilidades sobre mim. Achei que ia ter tempo para viajar, para escrever, para pensar - mas acabei por ficar presa a todos os compromissos em que me fui metendo e que, para o bem e para o mal, culminaram nisto: um cansaço descomunal, mas a sensação de dever cumprido. 

Foi um ano atípico, repleto de inícios. O início de um curso - o início de várias cadeiras a cada mês que passava, de trabalhos e de exames. O início da arte de dar aulas a quem quer aprender. O início de um namoro. O início de um trabalho que sempre quis ter. Talvez mesmo o início daquilo que será a minha vida daqui para a frente.

O problema dos inícios é que é preciso esperar, saber tolerar. As flores não se colhem assim que se planta a semente - algo que vai contra a nossa máxima dos dias de hoje, em que é tudo para ontem, em que tudo se faz em velocidade de sprint. Desaprendemos a correr maratonas, a aguentar a um ritmo constante, sem desmotivar, para chegar ao final.

Este ano, que agora está a chegar ao fim com o início das minhas merecidas férias, foi mais uma maratona da minha vida. Ou talvez uma mixórdia delas. Em que soube jogar com a necessidade do prazer imediato, com a ansiedade, com o medo e com a mudança. Não foi tudo perfeito, não geri tudo conforme queria. Mas foi bom - tão bom - o suficiente para me dar por feliz. Talvez o mais feliz que estive até hoje, pronta para continuar a correr.

13
Nov18

Menos telemóvel, mais vida

Há uns estudos quaisquer que dizem que um hábito se perde em 21 dias - se quisermos e fizermos por isso, claro está. Mas a verdade é que me bastaram cinco dias para perder hábitos há muito enraizados - e sim, estou a falar do telemóvel (prometo que este é o último post desta "saga"). De tal modo que, neste momento (em que vos escrevo do meu novíssimo Xiaomi Pocofone, com o qual já lido há uns dias) ainda tenho o meu smartphone quase em modo de default - ainda não mudei backgrounds, ainda não instalei o Instagram ou o Feedly, ainda não abri o YouTube. Só tenho, para já, o mínimo necessário para comunicar com os outros e dar-lhes conta de que não morri - e mesmo nesse campo impus-me novas regras.

No que diz respeito às apps, tirei o som e os alertas para as notificações de conversas de grupo (algo que somos incapazes de controlar e que nos pode levar à loucura em dias menos bons), estou a todo o custo a tentar tirar o som do Messenger do Facebook (que me parece impossível, mas continuo à procura) e, quando instalar o Instagram, ainda vou pensar no que vou fazer. Deixei de levar o telemóvel para a casa de banho (não pela razão óbvia ou por estar traumatizada com o que aconteceu ao outro - deixei-o cair por tê-lo no bolso, algo que nunca faço, e que resultou de uma mudança de rotinas esporádica - mas sim pela quantidade de tempo que passava a ver porcarias) e, de uma forma geral, de o carregar de um lado para o outro - o facto do telemóvel ser grande, me cair facilmente dos bolsos e não ser tão "maneirinho" contribui muito para este facto.

Eu não estou a dizer que estas são mudanças definitivas - mas são as mudanças que me apetece fazer agora. Habituei-me a não ser incomodada. E habituei-me, acima de tudo, a não esperar que alguma coisa caia no telemóvel - e acho que é aqui que reside a grande questão. Porque a maioria das vezes que eu clicava no ecrã principal não era para "ver as horas" - era, sim, uma constante procura por novidades, por algum tipo de contacto. Para ver se era lembrada.

Criei este hábito - diria que à semelhança de 90% das pessoas - por várias razões: primeiro por culpa dos dois anos em que trabalhei no jornal. O meu e-mail era um rodopio constante, havia novidades (não necessariamente boas) a cada refresh que fazia e eu habituei-me a checkar consecutivamente o telemóvel à espera de problemas por resolver - e, durante muito tempo, não os ter foi complicado para mim. E segundo devido à questão da socialização, ainda que aparente, que as redes sociais e as apps de comunicação nos dão. Eu sou uma pessoa só e estas aplicações são uma óptima muleta para alguém cuja parte social não é muito forte; sem falarmos com ninguém parece que conhecemos as pessoas, sentimo-nos muitas vezes integrados. Tem também uma forte componente de aprovação - quando publico alguma coisa fico sempre na expectativa de quem vai gostar ou comentar; talvez porque me sinta insegura em alguns aspetos (nomeadamente físicos) e porque sou tão humana como os outros e também gosto de ter a aprovação de quem me rodeia. Mas até no blog esta constante expectativa se aplica; ainda que a questão da insegurança não seja tão pertinente porque acredito mesmo nas ideias que aqui partilho (e defendo-as com unhas e dentes, se assim for necessário), espero sempre ansiosamente por comentários e interações - no fundo, um feedback por parte de quem me lê, para confirmar também que alguém o faz. Passava a vida a abrir o site, ou a atualizar o e-mail para ver se caía qualquer coisa. E eu quero que isso acabe. Quero não precisar disso para me sentir bem. 

E por isto, todo este atraso em relação ao telemóvel é muito mais que um simples atraso. É uma tentativa de desconexação. Não completa - continuo a falar com as pessoas, a responder às mensagens, a passear no facebook enquanto estou na fila de espera de qualquer coisa. Mas para já, que ainda não atingi o equilíbrio e tenho medo de voltar aos velhos hábitos, estou a ir passo a passo. Que, é como quem diz, app a app. É o processo de perceber que não estar ao telemóvel a vasculhar a vida e as opiniões alheias é poder ler os livros que deixei de ler, é poder trabalhar as músicas de que desisti a meio no piano, é escrever mais, é dormir mais. Há, de facto, poucos "menos" nesta equação. Talvez menos dependente. E isso basta.

 

(Sobre o meu novo Xiaomi: para já estou hipersatisfeita, estou a gostar do toque e do software (não me custou nada a mudança de iOS para Android) e as perspetivas, de tudo aquilo que li, são as melhores, dadas as características técnicas. É maior do que eu queria - gosto e telemóveis pequenos -, mas hoje em dia é tudo feito à grande, por isso não havia grande escolha. Não é uma marca fancy como o iPhone, mas está ligado há dois dias e ainda tem praticamente metade da bateria - algo que o iPhone nem no início de vida poderia sonhar. E não me venham com argumentos ao estilo "ah, é chinês...". Não que não seja verdade - mas o quê que não é chinês nos dias de hoje?)

27
Ago18

Slow living

A única coisa que nos Açores me deixou preocupada foi o facto de eu gostar tanto daquela vida e daquela calmia. É um facto que só lá estive uma semana – longe de ser o suficiente para me fartar daquilo – mas já noutros momentos eu me tinha apercebido de que uma das coisas que me dá saúde mental é não ter de andar sempre a correr, é não sentir a necessidade de reclamar com o trânsito, é não ter barulhos de fundo. Não é a ausência de regras – essas, tenho-as sempre, em tudo o que faço – mas sim não ter o stress da sociedade toda em cima de mim.

E isso assusta-me, porque o plano que eu tenho para a minha vida não é esse. Lembro-me de ser mais nova e pensar que queria que a minha vida fosse um corropio, sempre com coisas para fazer, nunca parar, viajar, aviões, trabalho, reuniões, feiras. Enfim, muita confusão – um bocadinho à semelhança do que vi os meus pais fazerem. E eu sei que para se ter sucesso em qualquer área que seja é necessário trabalho – e, nos dias de hoje, sucesso e trabalho não ligam com sossego e calma. Acho que nunca ligaram, mas agora mais do que nunca, numa altura em que somos obcecados com a eficácia e a eficiência e os índices de produtividade e tudo e tudo e tudo. E eu, como futura empresária que me imagino, também serei (pelo menos em certa parte) motivada e obrigada a olhar para esses fatores e sei – por já ter visto – que nada me é entregado de mão beijada e eu vou ter de lutar muito e trabalhar muito para ter aquilo que quero e manter o meu nível de vida.

Ou seja: há aqui um conflito de interesses. Por um lado o facto de saber que sou mais feliz com uma vida pacata e calma; por outro, saber também que aquilo que quero não se compadece muito bem com esse estilo de vida. A não ser nas férias – que é precisamente o que estou a fazer agora, antes que chegue Setembro e que me arrebate de cansaço com as extremas mudanças que vai trazer para a minha vida.

Depois da dose de sossego que levei nos Açores e de um dia que passei no Gerês, estive a acampar com toda a minha família em Castelo Branco. Dentro do campismo, a paz não é muita – nunca é, quando se juntam quase 30 pessoas, com crianças pelo meio, que querem pôr os assuntos de um ano em dia. Mas a calma da vila onde estive aqueceu-me a alma. Ver o rapaz da caixa de supermercado a contar os cêntimos a uma senhora velhinha, para ela pagar a conta; vê-lo a apanhar calmamente uma aranha com a mão, que estava em cima do tapete das compras, e sair do seu posto de trabalho para a ir pôr lá fora; abrirem-nos a porta do mini-mercado quando já íamos fora de horas comprar bebidas para o jantar; ver os banquinhos de jardim todos alinhados, dia após dia, mesmo depois das jogatinas de cartas pela tarde fora.

São pessoas que não têm pressa – o que não significa não ter respeito pelo tempo dos outros. Se fosse no Porto, já estaria a reclamar porque a senhora já devia ter o dinheiro preparado e porque era muito mais prático o rapaz ter matado o bicho. Porque temos sempre sítios para onde ir, coisas para fazer, assuntos para tratar. Mas ali não. É como se a medida de tempo fosse diferente, como se o tempo não passasse tão rápido. É o chamado slow living. E é maravilhoso.

18
Ago18

Life is what happens to you while you're busy making other plans

Tenho uma plaquinha aqui no quarto, que comprei numa altura em que fiz algumas remodelações, que diz "life is what happens to you while you're busy making other plans". Comprei-a porque a achei gira, não por ter pensado a fundo naquilo que dizia - até porque dizer-me para não fazer planos é quase como me pedir para não mudar de roupa todos os dias. É impossível.

Mas é inegável que enquanto fazemos planos para a nossa vida inteira, a própria vida se vai encarregando de dar as suas própria voltas. E eu voltei a ser "vítima" de mais uma volta da vida.

Decidi sair do meu anterior trabalho para poder ter um ano mais sossegado, dedicado à minha pós-graduação e à minha introdução no negócio de família. Queria, pelo meio, não ter de pensar nos 22 dias úteis de férias e poder meter-me num avião sem grandes complicações e compromissos (quase) sempre que me apetecesse e viver sem grandes amarradas ou responsabilidades. Como não sei como será a pós-graduação, como tenho medo da minha re-adaptação ao mundo universitário e ao estudo (do qual tenho zero saudades!) e como não tinha necessidade de estar a trabalhar de dia e a estudar de noite (o que, apesar de ser exequível, é cansativo), na altura decidi que era melhor assim. Teria tempo para mim, para os meus pais, para viajar...

Até que me ofereceram trabalho, numa área completamente diferente, e eu disse que sim - embora tivesse pensado muito em dizer que não, em ficar agarrada ao meu plano e à ideia que tinha concebido de um ano de "liberdade". Acho que a minha geração sofre de um grave problema chamado “juventude eterna” - estamos presos a um certo estilo de vida e não o queremos largar, tendo ainda por cima a desculpa de que hoje em dia não é fácil arranjar trabalho e ter condições financeiras para a vida andar para a frente e seguir o seu curso normal (estudar, trabalhar, sair de casa, ter filhos, etc.). Vejo muita gente da minha idade que ainda não terminou o curso - ou está a acumula-lo com mestrados, pós-graduações e especializações, de forma a eternizar a sua passagem pela universidade - ou que simplesmente está estagnada num estilo de vida-loka, porque não sabe admitir o fim de um momento. Ou porque não querem dar o corpo ao manifesto. Ou porque não querem responsabilidades de maior.

E eu não quero ser assim - mas admito que quando pensei neste "ano de liberdade" me agarrei às poucas boas lembranças que tinha da faculdade, que se prendem com a questão da liberdade de horários, a liberdade de faltar sem ter grandes consequências. E pus tudo na balança. Vou deixar de viver uma experiência completamente diferente, que provavelmente nunca mais terei oportunidade de fazer, só por estar agarrada a essa ideia? Por querer ter mais tempo (mesmo sem saber se, de facto, o teria)? Ou vou sacrificar, digamos, um ano da minha vida, que será concerteza mais atarefado mas também diferente?

Escolhi a segunda hipótese. A tremer como varas verdes, cheia de medo, mas escolhi. Não tendo, em dia algum, a certeza de que tomei a decisão certa. Tendo receio de falhar, de não ser boa naquilo a que a partir de agora me propus. De me chatear ou de roubar-me a mim mesma uma das coisas que ultimamente mais gosto, porque a tornei em trabalho em vez de lazer. Medo de andar eternamente cansada, medo de estar a tentar agradar a todos e a mim mesma, medo de estar a tentar engolir uma fatia demasiado grande de mundo e não a conseguir digerir.

Não sou boa a deixar planos nas mãos dos outros, mesmo que por “outros” se entenda o destino. Mas tenho orgulho em conseguir aceita-los, mesmo ficando paranóica com tudo o que pode correr mal; em dizer que “sim”, mesmo que as pernas tremam. A verdade é que apesar destas fintas que a vida dá, eu acho-lhes graça; as chapadas de luva branca podem doer, mas não lhes podemos tirar o mérito e a ironia. Trabalhei dois anos num jornal, depois de ter rogado pragas a tudo e todos que tivessem que ver com jornalismo; agora vou ensinar crianças (e não só) a dar os primeiros passos no piano, depois de sempre ter dito que crianças-cruzes-credo-nem-pensar-só-longe-de-mim.

Não sei como é que tudo isto vai correr, não sei onde vou encaixar a minha vida – a escrita, o ginásio, a minha família – no meio de dois trabalhos e uma pós-graduação. Mas se não conseguir, ao menos posso dizer que tentei.

16
Mar18

A vida não espera por ti

Nunca percebi aquela coisa dos vilões das telenovelas fazerem "planos maléficos" contra os seus inimigos - não percebo como é que isso se faz, se há algum tipo de verdade nesse sentido da palavra. Mas também nunca percebi as pessoas que não têm planos. Planos de vida, planos para o futuro. Para amanhã, para hoje, para as férias, para o verão.

Eu tenho necessidade de ter planos para tudo. Não gosto de andar à deriva. Não gosto de me perder a menos que o meu plano seja mesmo perder-me. E eu uso agendas, uso blocos, uso este blog como testemunho de todos os planos que tenho. Os objetivos que traço. As datas que determino. As coisas que quero. E gosto de ter tempo para pensar em tudo, para não dar passos em falso.

Mas no meio disto tudo, desta papelada toda, de todas as datas e planos que tenho na minha cabeça, esqueço-me que o relógio continua a andar. E que não é só o meu que anda - o dos outros também. A vida passa. E a minha vida - quer eu queira quer não - cruza-se com a de quem me rodeia. E há momentos em que os ponteiros coincidem. E pumba. A vida não espera. Não espera que eu termine os meus planos. Não espera que eu esteja preparada. Não espera que eu tenha o meu discurso pronto. Não espera que eu tenha todos os argumentos, todas as armas.

 

Tenho há algum tempo a cabeça cheia de planos. É um conjunto infinito de remendos, cosidos a ideias de há muitos anos e colados a medos. Caraças, muitos medos. E, de um momento para o outro, sinto que, como numa rajada de vento, todos eles se espalharam por mim toda. Buuuuuf. Não os agrafei, nem tive tempo para pôr clips. Confiei que nesta altura não vinham tempestades, mas foi-se tudo pelo ar. Não eram castelos de papel - mas quase. Há remendos por todo o lado; o sopro da vida tapou-me os olhos, entupiu-me as vias respiratórias. Não vejo, não respiro. Não tinha ordenado os meus planos, esqueci-me de numerar as páginas, está tudo num caos.

É hora de apanhar as folhas, arranjar os vincos, ir buscar aquela página que ficou lá atrás. E olhar para o relógio, perceber que ele não pára, mas que felizmente é fim-de-semana, e temos tempo para reorganizar. Porque, de facto, a vida não "são dois dias", mas em dois dias dá muitas voltas.

A vida não espera. A única coisa que se pode esperar da vida é que ela continua. E o nosso remédio é continuarmos com ela.

 

29
Jan17

O luxo que é ter tempo

Eu acho que uma das maiores riquezas que há na vida é ter tempo. De que serve ter muito dinheiro se não há tempo para o despender? De que serve ter uma família grande se não temos tempo para ela? Eu acho que este equilíbrio é dos mais difíceis de conseguir e hoje em dia dou por mim sempre a correr, a sair de manhã para o trabalho e chegar já com a noite cerrada e perguntar-me: é isto a vida? É durante o tempo do pequeno-almoço e do jantar que se vive, sem fazer algo a que estamos obrigados por parte da sociedade? E isto para não falar de todas as outras obrigações que as pessoas normais e independentes têm: fazer a cama, arrumar a casa, preparar refeições. Que tempo sobra?

Ainda para mais eu tenho a mania dos planos, das listas, das tarefas. E adoro quando chego ao fim do dia com tudo preenchido e feito - aliás, só assim fico realizada e verdadeiramente sossegada. Mas a verdade é que me esqueço da liberdade e do sossego que é ter dias para não fazer nada. Sem planos, sem horas, sem bilhetes para isto e aquilo, sem jantares, sem ter de fazer uma sobremesa para levar não sei onde, sem viagens às 8 da manhã. E sem ter de escrever, de ler, de ver aquele filme, de estudar, de arrumar. Sem nada destinado - porque só deixando a minha agenda mental livre de tarefas é que consigo efetivamente desfrutar do tempo totalmente livre e não ficar a remoer em tudo o que devia ter feito e não fiz.

Sabendo que o mês que se aproxima vai ser caótico, que os fins-de-semana ricos em descanso não vão existir, que o trabalho vai estar a 200%, que nestas duas pernas vão estar muitos quilómetros e demasiadas horas em pé e que eu vou ter de beber muito café para aguentar a pedalada, decidi que este fim-de-semana ia ser para descansar. Sem planos, sem obrigações - só as refeições e a ida ao supermercado para ir buscar o pão. 

Já li, já vi séries, já vi um filme, já planeei a minha viagem, já escrevi. Sem check-lists, sem stresses, ao sabor do tempo que resta. Governada pelo sono ou falta dele, pela vontade de fazer coisas ou a falta dela. Que bem que soube e que pena estar a acabar. Sinto que vou passar de um passeio domingueiro para uma corrida de fórmula 1. E a única coisa que espero é chegar ao fim com os fusíveis todos. Até lá, vou só dormir mais um bocadinho para queimar os últimos cartuchos.

05
Jan17

Relativizar

Fez na terça-feira um ano que fui operada. Acho que, mal abri a pestana, foi a primeira coisa de que me lembrei. Não há dúvidas que o tempo cura tudo, mas as dores físicas vão-se muito mais rápido da nossa memória do que as dores da alma. Estas últimas custam mesmo a passar - e um ano está longe de ser o suficiente para curar tudo o que há para curar em relação a esses quinze dias da minha vida, que pareceram meses enquanto os vivia. Comparado com outras coisas é simplesmente irrelevante, mas para mim aquela terça-feira foi das mais críticas da minha vida - acho que ainda choro de cada vez que falo do facto de ter entrado num bloco operatório.

Na terça-feira, tal como os restantes dias desta semana - e talvez da anterior e a antes dessa - eu estava em baixo, num daqueles ciclos viciosos em que entro e de que depois é difícil sair. Começa com uma dorzinha de alma, que se espelha logo na minha cara - tem graça como as minhas olheiras advém muito mais do meu estado de espírito do que do meu cansaço (e sim, às vezes é imediato - se recebo uma notícia negativa, poucos minutos depois estou com um semblante muito mais escuro) - e depois vai avançando para outros problemas, menores ou maiores, recolhendo dores aqui e ali. Acabo estes dias com a minha auto-estima em níveis negativos: sinto-me feia e gorda e todas essas coisas terríveis que as mulheres pensam e de que eu não sou excepção. Pelo contrário, passo a minha vida emersa neste pensamentos auto-críticos e destrutivos de que nunca consegui fugir.

Quando acordei, já cabisbaixa, lembrei-me de que há um ano estava eu a ir para o hospital, supostamente de livre e espontânea vontade, num pânico total e completo; de como não falava, de como num movimento involuntário e completamente inesperado fui todo o caminho para o bloco com as mãos juntas em posição de reza, de como deram conta que eu estava toda às manchas devido a uma urticária nervosa e de como, horas mais tarde, acordei no recobro a chorar - num misto de medo, alívio, vergonha e de tudo um pouco. E ali estava eu, um ano depois, - ainda que supostamente feia e gorda - a andar perfeitamente, a conseguir-me sentar, sem qualquer problema de saúde; com os meus pais e a minha família bem, eu com trabalho e um dia calmo e previsivelmente feliz pela frente. E ainda assim triste, com uma dar de alma no peito e o estômago pequenino, de como quem tem um problema grave pela frente.

Acho que de nada serve quando nos pedem para relativizar e pensar em todos os problemas do mundo e compara-lo com os nossos. As nossas dores serão sempre as nossas dores. Ponto. E, quer queiram quer não, vão sempre doer mais do que as dos outros - lá está, porque são nossas. Ponto. Mas, se calhar, se compararmos as nossas próprias dores, numa estratégia racional, talvez tudo seja mais realista. É claro que a memória e o tempo nos pregam partidas, tornam as coisas mais leves do que realmente foram, mas ainda assim é na nossa ferida que tocamos - e essas doem sempre mais.

É assim que eu combato as minhas crises: racionalmente. Não funciona sempre: ainda estou triste, o nó na garganta está cá, as olheiras também. Mas neste momento, para além de um âmago dorido, eu sinto-me chateada por estar assim - primeiro porque sei que há dores muito piores, porque eu própria já as experienciei, segundo porque são dias que desperdiço a não ser feliz e terceiro porque estou farta de não viver a vida como eu a sei viver. As tristezas não se podem simplesmente atirar para o lixo, não se esquecem. Mas superam-se - e, no meu caso, relativizar ajuda. Se há um ano eu mal me mexia com dores, hoje estou mais que bem. E amanhã a única coisa que quero é estar um bocadinho ainda melhor que isso.

 

15
Dez16

Sobre deixar de estar encalhada numa fase da vida

Nos tempos da faculdade a minha segunda casa passou a ser a baixa do Porto e eu, apesar de adorar a minha cidade, tinha muitas saudades do sítio da minha antiga escola e onde sempre fiz a minha vidinha. Na altura sentia que tudo estava perto - o supermercado, o restaurante, os correios, a papelaria, a escola de condução, o metro... enfim, mesmo que não tivesse tudo isto, aquele foi o sítio que me viu crescer e a minha segunda casa durante anos a fio, que já são razões suficientes para ter um lugar de estimação no meu coração. 

Nos meus três anos de faculdade o ginásio que frequentava era por ali e eu, apesar de não fazer ali a minha vida, ainda por lá ia andando - e de cada vez que passava em frente da minha escola suspirava, com saudades daqueles tempos. Dos recreios, dos meus colegas, dos meus professores. Tive fases muito más naquele espaço, sofri e chorei muito em algumas daquelas salas, mas a nossa memória encarrega-se de desvanecer as coisas menos positivas. Ainda para mais todos esses dramas foram vividos nos primeiros tempos naquele liceu e as coisas foram ficando melhores com o passar dos anos, culminando num 12º espetacular - e por isso, sempre que lá passava, reinavam as saudades e a nostalgia dos tempos que considerava terem sido os melhores da minha vida.

Agora já saí do ginásio onde estava mas, de vez em quando, vou passando por lá para fazer uns recados. E há dias, enquanto via aquele edifício azul e os grupinhos de mochilas às costas, chiclete na boca e uns risinhos aparvalhados, apercebi-me que sim, que ainda tenho saudades, mas não tantas como tinha antes. Já não olho para ali da mesma forma que olhava nos tempos da faculdade - que toda a gente sabe que foi, para mim, tudo menos um mar de rosas.

Não é que tenha deixado de gostar daquele espaço, dos meus professores ou dos meus colegas, mas aconteceu-me algo que nunca me tinha acontecido na vida: a fase (drástica) para a qual mudei é melhor do que a que conhecia anteriormente. Hoje em dia, pura e simplesmente, conheço uma realidade melhor, porque sou ainda mais feliz do que era naquele último ano de secundário. E no momento em que me apercebi disto, em que andava nas correrias habituais do meu dia-a-dia, só pude sorrir. É tão bom quando não ficamos encalhados em certos momentos da nossa vida e nos permitimos andar para a frente. Às vezes custa mais do que aqueles típicos vinte segundos de coragem... mas vale a pena. 

 

 

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