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Entre Parêntesis

Tudo o que não digo em voz alta e mais umas tantas coisas.

28
Mai24

Islândia, dia três - De Vik a Hofn

O terceiro dia na Islândia foi o primeiro (e talvez o único) em que tivemos de prescindir de boa parte do nosso roteiro por termos constrangimentos horários. Como tínhamos a marcação para a escalada ao glaciar logo a seguir ao almoço, e o ponto de encontro ainda ficava relativamente longe do nosso local de partida, fomos obrigados a muitas das paragens que tínhamos da parte da manhã. A verdade é que isto podia ter sido eventualmente evitado com um bocadinho mais de planeamento - mas a altura em que fiz o roteiro foi muito complicada e tudo o que eu tinha, eu dei àquele documento. Abri o computador em dias em que só queria dormir, obriguei-me a pensar na viagem em alturas em que achei que não ia poder meter-me num avião... já não me sobrava nem paciência nem tempo para mais -  e, por isso, contento-me e congratulo-me simplesmente com o que fiz em vez de olhar para o lado mau. 

Tinha muitas micro-paragens ou photo-stops neste dia, que risquei do roteiro (mais uma vez refiro que, se quiserem ter acesso ao documento, basta deixarem aqui o vosso email ou enviarem-me o pedido para nãoficaremcoisaspordizer@gmail.com - não o enviarei logo porque ainda tenho de fazer uma ou duas retificações de erros graves!). Cingimo-nos às paragens de maior envergadura ou fama. 

Começámos pelo Fjardararglufur, o primeiro desfiladeiro que visitámos. A visita ao essencial, até às plataformas de visualização, demora cerca de uma hora - mas pode ser bem mais prolongada se decidirem fazer os trails que lá têm disponíveis. É um local muito bonito e calmo, onde se respira um ar bem puro. Acredito que no verão esteja no seu auge de beleza, com o musgo verde a pintar as rochas gigantes e o sol a entrar pelo vale adentro. Os desfiladeiros, para além das cascatas, são das belezas naturais mais bonitas da Islândia e também merecem a nossa atenção. Para quem sofre de vertigens... talvez não seja o mais aconselhável.

 

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Fjardararglufur

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Fjardararglufur

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Fjardararglufur

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Fjardararglufur

 

Seguiu-se uma surpresa: Stjornarfoss, que tinha no meu roteiro como uma cascata cujo acesso era relativamente demorado, mas que afinal é visível à face da estrada, com um caminho plano e muito fácil de fazer! Não é uma cascata enorme mas não deixa, ainda assim, de ser bonita. E o facto de ser grátis e rápida de visitar justifica, sem dúvida, o pequeno desvio.

 

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Stjornarfoss

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Stjornarfoss

 

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Stjornarfoss

 

Depois seguiu-se uma das maiores empreitadas desta viagem: Svartifoss. Este dia foi muito cansativo, provavelmente o mais difícil de todos - cheguei ao fim com 19km nas pernas e com a sensação de ter as coxas completamente pisadas. A chegada até à cascata é bastante dura, principalmente pelas subidas íngremes que parecem não ter fim; uma porção do terreno também não ajuda, com muitas pedras e desníveis. 

Curiosamente vêem-se muitas pessoas de mais idade a fazer os trails, mas sei que não tinham as condicionantes de tempo que nós tínhamos - principalmente neste dia. Isto para dizer o quê? Diria que toda a gente é capaz de fazer uma viagem à Islândia e de visitar quase tudo, mas é preciso ter noção das nossas limitações e dos nossos tempos, ajustando a nossa realidade àquilo que temos planeado. Ainda assim, dizer que de uma forma geral ajuda muito se tivermos em boa forma física. Eu estou longe de estar no meu auge - desde Dezembro que tenho a minha vida desestruturada, com muito mais visitas ao hospital do que à minha bicicleta de cycling - e senti que o ar me faltava em muitas situações. Parei muitas, muitas vezes - e quando cheguei a esta cascata parecia um tomate escaldado, tal o esforço.

Mas a verdade é que aqui... a caminhada é justificada. Svartifoss é uma paragem obrigatória e muito, muito bonita. Falamos de uma cascata coma queda de água em fio, envolta num contexto de basalto, relativamente fechado, como se fosse a parede de uma redoma, e me fez lembrar um enorme órgão de uma igreja. É, de facto, muito bonita - e é uma autêntica pérola escondida no meio de montes e vales onde não parece existir muito mais do que terra.

Porque a Islândia é assim, cheia de segredos escondidos e recantos incríveis. Foi uma lição que retirei desde o primeiro dia: sempre que chegávamos aos locais para onde o GPS nos levava, achávamos que não estávamos no sítio certo. Isto porque normalmente não víamos nada no momento da chegada; não percebíamos onde podia estar uma cascata tão grande quando não a conseguíamos ver do sítio onde aparcávamos. Por vezes andávamos quilómetros até aparecer qualquer coisa - mas a verdade é que, ao virar de uma simples esquina... lá estão aquelas belezas. É algo recorrente e que, nesta altura do campeonato, já estávamos habituados: na Islândia é preciso lutar e suar para ver aquilo que realmente vale a pena. A terra não nos oferece, de mão beijada, a maioria das suas pérolas. Por isso não desanimem quando não virem logo à partida aquilo que procuram: mais tarde ou mais cedo... vai aparecer, logo depois daquele monte ou daquela subida tão dura. Av. P/Q: 5, Av. E/Q: 5.

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Svartifoss

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Svartifoss

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Svartifoss - foto tirada por um senhor que levava uma máquina XPTO e um mega tripé mas que, quando lhe pedimos para tirar esta fotografia... não foi sequer capaz de apanhar a cascata 

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Svartifoss

 

Apesar da correria, conseguimos chegar a tempo ao ponto de encontro da Troll Expeditions - a empresa com que decidimos fazer a expedição ao glaciar. Pouco antes de chegarmos o meu marido diz-me assim: "acho que chegou a altura de te dizer...". Eu, preocupada, respondi logo: "DIZER O QUÊ?!". E ele returque, calmamente: "aquilo não vai ser fácil...". Seguiram-se alguns impropérios da minha parte, que se resumem a: "e só agora é que me decides dizer isso?!". Ele acalmou-me, disse que eu ia conseguir, mas que ia ser duro, para eu me ir preparando psicologicamente. 

De referir  que eu não marquei esta expedição às cegas: fui ver o nível de dificuldade e ler comentários de pessoas que a haviam feito. Em nenhum sítio dizia que aquilo ia ser complicado. O nível de dificuldade, no site, era designado como "fácil" e em nenhum comentário referiam esforço sobre-humano. Mas também não sou totó: eu não tenho particular aptidão física para estas coisas e já ia com receio. Escusado será dizer que fiquei ainda pior. Mas fui - e ainda bem, porque é algo que provavelmente se faz uma vez na vida, mas que vale muito a pena.

A atividade demora três horas, mas na minha cabeça decorreu durante cinco. Não conseguia ver o relógio e não me aventurava a pegar no telemóvel - e, segundo as minhas contas, eu já estava a caminhar há três horas e a tentar segurar-me no gelo há pelo menos duas. Foi difícil! Mas a verdade é que valeu a pena. Tenho a certeza de que esta será mais uma memória que vou guardar para a vida.

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Antes de fazer a caminhada mas já devidamente equipada!

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No glaciar

Eu não tinha qualquer experiência com neve: vi alguns montinhos na Serra da Estrela, das poucas vezes que lá fui, e vi nevar quando estive na Suíça. Nunca tinha estado num sítio com neve a perder de vista nem andado sobre camadas com mais de dois dedos de espessura. Como tal isto foi mesmo uma aventura... Quando me deram aquele machado e os grampos para a mão eu nem sabia o que fazer. Mas rapidamente aprendi: os grampos são colocados a meio do caminho (há uma caminhada de cerca de meia hora na terra, até se começar a subir para o glaciar) e é-nos ensinado como os colocar; o machado utiliza-se por instinto. Quando vieram algumas rabanadas de vento - das mais fortes que senti na vida - atirei-o rapidamente ao gelo para me segurar. 

Nunca me habituei nem senti à vontade durante toda a experiência - estive sempre em tensão, com medo de cair ou de colocar o pé no sítio errado. É algo totalmente fora da minha zona de conforto e não conseguia evitar estar sempre em esforço e concentrada ao máximo para minimizar erros. Custou-me, em alguns momentos, acompanhar o grupo - e posso confessar que o Miguel me ajudou muito, carregando as minhas coisas ou dando-me empurrões para as pernas não me falharem nas subidas. Foi stressante, principalmente quando os caminhos eram estreitos, o ritmo imposto era mais alto do que aquele com que eu estava confortável e, acima de tudo, quando o vento soprava forte - todo o grupo (éramos cerca de doze) se baixava e punha os machados no gelo para minimizar o impacto - uma visão que até teria a sua graça se eu não tivesse medo de ser levada e rebolar pelo gelo abaixo. 

As vistas são estonteantes. Beber a água do glaciar é a oitava maravilha do mundo - gelada e tão, tão pura! E passar pelas caves e pelos vales formados pela água e pelo vento é lindo - são autênticas paredes brancas (e às vezes azuladas) que nos parecem tão sólidas que nem pensamos que são feitas de algo tão volátil como... água. Quando me perguntam se é assustador passar por aqueles rifts, a minha resposta é rápida: não, de todo. Parecem estruturas muito estáveis, embora tenhamos de estar cientes da sua potencial fragilidade. O meu medo era cair e magoar-me, por ter uma inaptidão natural para este tipo de coisas, mas de resto senti-me sempre segura (tirando os momentos em que o vento soprava mais do que eu acharia normal).

Posto isto, será que eu aconselho meterem-se numa aventura destas? Claro que sim, é uma experiência que provavelmente não se repetirá na vida. E que mais oportunidades terão para subir a um glaciar, apreciar a vista, pôr a mão e perceber a sua textura? Há coisas que metem medo, mas em que vale a pena contrariar o nosso instinto. Acreditem que nunca mais na vida voltam a olhar para um cume da mesma forma. Para além disso, pelo ritmo do degelo, daqui a relativamente poucos anos não sobrarão muitos glaciares para escalar... por isso é aproveitar enquanto é tempo. 

Nós fizemos o hiking com a Troll Expeditions (podem ver aqui) e gostamos muito da experiência e da forma que fomos tratados. Av. P/Q: 5, Av. E/Q: 5.

 
 

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No glaciar

 

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No glaciar

 

Já recompostos de uma das experiências das nossas vidas, voltamos ao carro para nos fazermos ao resto do caminho. De seguida, no roteiro, tínhamos a Hofskirkja - um photo-stop bem curtinho, de uma igreja embutida na natureza, tal como algumas das casitas que já tínhamos visto. É só mesmo para ver e seguir - e não se perde nada se passarmos à frente, pois há mais espécies destas pelo caminho e ainda mais bonitas.

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Hofskirkja

 

Por esta altura já estávamos a deixar o sul da ilha para trás e a entrar a passos largos na parte este, sendo que simultaneamente íamos subindo - e tal nota-se bem na paisagem. O (pouco) verde que víamos até então deixa de existir, sendo tomado pela "tinta" branca que pinta, principalmente, as montanhas. 

Para concluir o dia faltava-nos ver os dois glaciares: Fjallsarlon e Jökulsárlón. O primeiro é menos impactante que o segundo, na minha opinião - mas são ambos bonitos. Principalmente ao pôr do sol, como nós fomos! Teria ficado lá horas, a ver o sol esconder-se, não fosse o frio e o cansaço que estavam a tomar conta do meu corpo.

Em ambos existe a possibilidade de fazer passeios de barco e ver de perto os pedaços de gelo a flutuar, a virar e a "passear" pelas águas. Infelizmente, na altura em que fiz as marcações para as lagoas e restantes atividades (deve ter sido cerca de três semanas antes da nossa partida), já não havia vagas. Também não conseguiríamos ir, pois este dia já foi longo o suficiente e só pelas 18h é que chegámos a esta parte da ilha - e, nessa altura, já estavam todas as barraquinhas fechadas e os barcos todos encostados. O feedback que tenho é de que é uma atividade muito bonita, mas tem de ser marcada com bastante antecedência; apesar de haver, nos locais, spots de venda, tenho a percepção de que é algo que esgota rapidamente. Sei que se lá voltasse era das coisas que gostava de fazer: Jökulsárlón roubou totalmente o meu coração. Foi das minhas paisagens favoritas de toda a Islândia. E adivinhem o que também existe por lá...? Foquinhas! O meu coração não aguentava de tanta fofura e beleza ao mesmo tempo!

O parque em Fjallsarlon não é pago, mas o de Jökulsárlón é. No entanto, é uma paragem mais do que obrigatória. Av. P/Q: 5, Av. E/Q: 5, uma vez que o passeio à beira-mar não é minimamente cansativo.

 

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Fjallsarlon

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Fjallsarlon

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Jökulsárlón

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Jökulsárlón

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Jökulsárlón

 

A caminho do Jökulsárlón apercebemo-nos de que de um lado tínhamos o glaciar e, de outro, a famosa Diamond Beach. Ambos os parques são pagos e não faz sentido estacionar nos dois, pois há uma travessia por debaixo da ponte que liga os dois locais. É uma caminhada curta e que faz compensar, largamente, os euros que se iriam gastar; para além de que, com uma vista daquelas, custa muito pouco caminhar.

A Diamond Beach é também um dos pontos obrigatórios quando se visita a ilha, pois costuma estar recheada de pequenos (ou até grandes) pedaços de glaciar, que se espalham pelo areal, formando uma autêntica praia de diamantes. Digo que "costuma" porque, ao contrário de todas as imagens que vimos, a praia estava vazia. Era uma praia de areia preta, normal, igual a qualquer outra. Havia um (UM!) pedaço de gelo que corremos para apanhar - mas foi literalmente o único que vimos. Foi, para nós, uma enorme desilusão. Não sei se é um fenómeno comum nem a razão para tal ter acontecido, mas a verdade é que apanhamos um grande balde de água fria.

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Daqui seguimos para Hofn, onde pernoitamos no Árnanes Country Hotel: um hotel muito fofinho, constituído por cerca de uma dúzia de casinhas de madeira, pequeninas mas muito fofinhas e confortáveis. Tinha pequeno almoço-incluído que, não sendo nenhuma especialidade, tinha o essencial. A relação qualidade/preço é muito simpática!

Na Islândia janta-se relativamente cedo e, por esta altura, o relógio já batia perto das nove da noite. Fomos ao centro da cidade perceber onde poderíamos jantar e já ninguém estava a aceitar mesas. Demos por nós numa corrida não oficial contra um casal de italianos que estava exatamente com o mesmo problema que nós - fizemos rigorosamente o mesmo périplo de restaurantes até que chegamos ao pior de todos, uma espécie de diner americano (o Hafnarbudin). Havia uma mesa livre. Nós chegamos trinta segundos mais cedo que os nossos oponentes - tendo, por isso, ganho a corrida. 

Eles, ao entrar, fizeram um olhar triste e viraram costas. Mas a mesa disponível era de quatro pessoas e não havia razão para um de nós ficar sem comer. Dissemos-lhes que podíamos jantar todos na mesma mesa... e assim foi. Esta história teria um final muito mais engraçado se vos dissesse que ficámos super amigos e que foi uma experiência de partilha gratificante e muito divertida... só que não aconteceu. Eles não eram particularmente conversadores, nós estávamos também cansados, e o jantar resumiu-se a uma breve troca de palavras e perguntas básicas - e a um hambúrguer estilo McDonalds, mas pior, o que não foi um bom fecho para um dia tão bom, feliz e preenchido. Mas foi o que se arranjou - restava a esperança de que a refeição do dia seguinte fosse melhor. Pagámos 35 euros por dois hambúrgueres com batatas e duas pepsi max.

 

Dica do Dia: Indo para a Islândia há uma série de aplicações que já devem levar no vosso telemóvel. No que diz respeito a dinheiro, é obrigatório ter a app do "Revolut" - para mim é a melhor para ver os custos e os câmbios imediatos, para além de se evitar pagar taxas. De um ponto de vista logístico, e se alugarem carro, é imperativo instalarem a "SafeTravel", principalmente nos meses frios, pois indica-vos as condições das estradas, quais é que estão fechadas e os locais perigosos - principalmente quando andamos a norte, íamos consultando a app pelo caminho e houve locais que não visitamos por não estarem reunidas todas as condições de segurança; acho que também é útil descarregar o "maps.me" e os seus mapas offline (foi o que utilizei na China), caso algo falhe a nível de Wi-Fi ou roaming. A "Vedur" é a aplicação mais popular de meteorologia, mas confesso que não utilizei. A "My Aurora" é obrigatória para quem vá atrás das auroras boreais e envia notificações quando estão numa zona onde há possibilidade de as avistarem - foi graças a ela que as vimos em Selfoss! No que diz respeito a turismo, achei interessante a "Kringum", embora não tenha utilizado muito, e o "Get Your Guide", com o qual marcámos algumas das visitas - comparem sempre os preços nos vários sites, pois pode compensar não marcar diretamente nos sítios oficiais! 

 

Curiosidade do Dia: ainda sobre o hambúrguer ao estilo McDonalds, devo dizer que a coisa mais hipócrita deste país é fazer do abandono desta cadeia de restaurantes uma autêntica bandeira. O McDonald's esteve na Islândia durante vários anos mas, em 2009, acabou por ceder e fechar a sua última loja, por não ter conseguido atrair clientela. Esta história é de tal forma famosa que o último hambúrguer vendido está ainda em exposição, num hostel algures no sul da ilha. Mas a verdade é que eu estive em poucos países do mundo onde se comesse tanta fast food: são pizzas, são hambúrgueres, é frango frito, são cachorros, são sandes pré-feitas... tudo péssimo!  Diria que 70% dos restaurantes na Islândia são de comida plástica, o que acaba por transformar estes pratos naquilo que há de mais típico naquela terra. É verdade que eles têm rena, baleia, cavalo e muitas sopas... mas se fechassem os olhos e entrassem num restaurante às cegas, a probabilidade era saírem de lá com a barriga cheia de hidratos de carbono e comida ultra processada, à moda norte-americana.

22
Mai24

Islândia, dia dois - de Selfoss a Vik

Foi a segunda noite mal dormida na Islândia - na verdade, muitas mais estariam para vir. O entusiasmo da noitada anterior não ajudou mas o problema real era outro: a maldita luz. Se no primeiro hotel achei que a entrada excessiva de luminusidade tinha sido azar pelo estilo de cortinas, neste apartamento percebi que esta questão iria continuar: as cortinas e os blackouts não são suficientes para bloquear a luz que começa a entrar pelas quatro da manhã. Às cinco, o meu corpo, percebendo que a luminosidade era equivalente à das dez da manhã em Portugal, mandava-me logo abrir a pestana. Foi um inferno - um inferno que tinha de ser resolvido, porque eu precisava de energia para caminhar e me manter acordada durante as viagens de carro para, por um lado, apreciar a paisagem e, por outro, fazer companhia ao Miguel.

Um chá e umas torradinhas depois, fizemo-nos ao caminho. Primeira paragem: Uridafoss. Fui ao engano, achei que não nos esperava grande coisa... e fiquei agradavelmente surpreendida! Perceberão, daqui em diante, até pelas "pontuações" que darei, que gosto muito mais de cascatas de grande volume - mesmo que as quedas de água sejam mais pequenas - do que das cascatas altas e em fio. Esta era grande e larga, com uma movimentação de água apreciável e uma cor muito bonita. A massa de água que é movimentada é, quase sempre, proporcional ao vento e ao frio que se sente junto à cascata - e nesta quase que enregelávamos! 

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Uridafoss

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Uridafoss

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Uridafoss

 

O acesso a pé é muito curtinho - nem cinco minutos de caminho - e o parque não é pago. À hora a que fomos não tinha quase ninguém, o que foi ouro sobre azul - aliás, gelo sobre azul, porque parte da cascata ainda não havia descongelado. Av. P/Q: 5. Av. E/Q: 5.

Seguimos depois para mais um dos ex-libris da Islândia: Seljalandfoss, a famosa catarata onde se pode caminhar por detrás da queda de água (pelo menos nos meses mais quentes - penso que no inverno fecham o caminho por precaução). Dentro da categoria "cascatas altas" esta é das minhas preferidas, até porque o ponto de vista interior é de facto imperdível. É mesmo um ponto de paragem obrigatório - e a melhor parte é que vem em "combo", pois logo ao lado (cerca de dez minutos a pé) tem a cascata Glufrabui. Esta última está escondida por rochedos gigantes, pelo que não é visível do lado de fora - têm mesmo de se pôr praticamente debaixo dela para a conseguirem ver! 

Nós já tínhamos apanhado um belo banho a caminhar por detrás da queda de água da primeira cascata - levar poncho impermeável é absolutamente obrigatório se não querem ficar encharcados - e achamos que não valia a pena ficarmos ainda mais molhados para ver a Glufrabui (nesta, diria que as calças impermeáveis também darão jeito) - demos só uma espreitadela pelo lado exterior das rochas, até porque o acesso é limitado e estava demasiada gente para se circular à vontade. De qualquer das formas, se fosse hoje, teria ido. Isto porque, nesta fase, ainda estávamos a aprender a gerir o nosso roteiro e as suas paragens e tínhamos sempre medo de não o conseguir cumprir e ficar com coisas importantes por ver; eu fazia um controlo apertado dos tempos e sabia quais as nossas margens, mas é desconfortável saber que temos de chegar ao último ponto dentro de "x" tempo. Nunca se está completamente relaxado - é como estar numa visita guiada, em que o guia nos está sempre a chatear com o tempo que podemos ter para nós... sendo que, neste caso, nós somos os nossos próprios guias, apesar da nossa parca experiência. No entanto, aquilo que a prática me mostrou é que o roteiro que eu defini era perfeitamente fazível, mesmo nos dias mais duros e cheios de paragens. A previsão de tempo que dei em cada atração (baseada em pesquisas do google) foi quase sempre superior à duração real - e houve dias em que chegámos ao fim cedo demais, deixando-nos até um pouco desorientados. Isto apesar de nunca termos madrugado nem nos deitado muito tarde - fizemos os percursos sempre em "horas normais", até porque na maioria dos dias esperámos pela abertura de um supermercado ou padaria para nos abastecermos com produtos frescos para o dia. No entanto, a partir de certa altura, perceber que os dias eram longos fez-nos levar o roteiro com outra tranquilidade - sabíamos que desde que não tivéssemos hora marcada para entrar num local ou num hotel, poderíamos ver as cascatas e os desfiladeiros com luz do dia até bastante tarde. Obviamente que isto só é válido para quem vier na primavera ou verão; caso estejam a planear viagens no Outono ou Primavera, é obrigatório que estudem muito bem os tempos de caminho e de visita, pois a noite, quando se põe, é escura como breu. E fria!

Em Seljalandfoss o parque é pago (seis euros) e uma a duas horas deverá ser suficiente para verem as suas cascatas. Av. P/Q: 5. Av. E/Q: 5.

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Seljalandfoss

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Seljalandfoss

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Seljalandfoss

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Por detrás da Seljalandfoss

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Glufrabui

 

A próxima paragem é, também, das mais conhecidas do país. Mas antes, fizemos uma breve escala à margem da estrada para ver as Rutshellir Caves - umas pequenas cavernas em que fizeram uma espécie de casinhas à entrada. A ideia é gira e podia ser um sucesso se fosse melhor trabalhada com umas lojinhas lá dentro ou uma decoração gira (lembrei-me, por exemplo, do sucesso que fazem as Casas de Santana, na Madeira), mas infelizmente é só uma gruta vazia com uma entrada em palhota, que não tem muito que ver. É uma boa paragem para se esticar as pernas e tirar uma fotografia da paisagem sulista da Islândia, que para nós é sinónimo de céu azul, rochas e... palha, muita palha.

 

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Dentro de uma das Rutshellir Caves

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Rutshellir Caves

 

Foi neste segundo dia que percebi que tinha de fazer as pazes com aquilo que os meus olhos estavam a testemunhar sobre a paisagem islandesa - que, por alguma razão, não estava a casar com as minhas expectativas. Mas depois percebi: era o cenário seco que me estava a fazer confusão. Normalmente as imagens que vemos deste país ou são verdejantes, pintadas a relva, ou brancas, com um tapete de neve imenso. Mas o que eu via eram tons pastel, mais para o bege e o acastanhado! Onde estava o verde e o branco dos meus sonhos? 

A resposta é simples: estão no Verão e no Inverno. Nas outras duas estações a paisagem fica num meio-termo. Porque não se passa do verde para o branco - ou vice-versa - num abrir e fechar de olhos. Aquilo que testemunhámos foi o panorama intermédio, que na verdade tem um nome do meio: palha. Aquilo que era relva no verão, seca e queima quando a neve cai. Com o degelo natural das estações mais quentes, aquilo que era relva volta a ficar visível, mas em forma de palha, pintando a paisagem de tons amarelados e castanhos. Das três paisagens - verde, branca ou pastel -, diria que a que me saiu na rifa é a menos bonita... e admito que o meu coração ficou um bocadinho partido quando percebi que a ideia que tinha da Islândia não era necessariamente aquilo que os meus olhos estavam a ver. Mas é aceitar e perceber que esta metamorfose também faz parte da beleza do país. Na foto acima conseguem perceber aquilo de que falo: na altura em que fomos, o verde já começava a querer tomar o lugar da palha, mas a cor amarela era aquela que ainda dominava no horizonte.

Depois das grutas, fomos então para outra das cascatas mais famosas: Skogafoss. O parque não é pago, mas confesso que não foi das cascatas que me roubou o coração; a queda de água é bonita, mas o enquadramento não é o melhor. Já para não falar que tem muita, muita gente.

Meia hora basta para ver a cascata; no entanto, se quiserem subir à plataforma de observação, precisarão de pelo menos hora e meia. São 370 degraus e a subida, para mim, foi absolutamente penosa. A pior parte? É que, quando cheguei lá acima, não achei que valesse a pena. A cascata é mais bonita vista de baixo do que de cima, onde nem sequer se tem um ângulo de visão desafogado. A única coisa que pode valer a pena, para quem for com tempo e vontade de caminhar, é um trail que percorre todo o caminho da água, que tem algumas quedas de água anteriores à Skogafoos que podem compensar a subida. Nós andamos o suficiente para encontrar uma outra cascata - e, principalmente, para podermos esticar as pernas e dar descanso aos glúteos, depois daquela subida do demónio - mas acabamos por só percorrer uma pequena parte do trail. Av. P/Q: 5, uma vez que não é pago. Av. E/Q: 2, considerando a escadaria.

 

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Skogafoss

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Skogafoss

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No topo da Skogafoss, numa das quedas de água anterirores à cascata principal

 

Mas se Skogafoss é um caos de pessoas, logo ali ao lado, a pouco mais de um quilómetro, têm uma pérola escondida que vale bem mais a pena. A Kvernufoss fica depois do museu Skogar, onde se encontram muitos artefactos antigos islândeses dentro das típicas casinhas de madeira e palha. O parque da cascata é pago (cinco euros), mas dá acesso os quartos de banho do museu, o que pode dar muito jeito, uma vez que não é fácil encontrar WC's na Islândia, principalmente que não sejam pagos.

Mas falemos de Kvernufoss: é bastante acessível, com uma caminhada de cerca de meia hora, só com uma ou duas subidas curtas. O fluxo de água não é muito grande mas a forma e o local onde esta cai é muito bonito. Imaginem uma cúpula sem teto, mas com a mesma forma arredondada; forma-se ali, de um dos lados, uma espécie de redoma que torna o ambiente quase acolhedor - e acima de tudo, muito bonito, com a queda de água a adornar tudo de forma perfeita. O outro lado, por onde a água escorre, é um vale muito agradável e sossegado - um óptimo contraste para quem saiu de uma atração mais agitada como é a Skogafoss. Av. P/Q: 4. Av. E/Q: 5.

 

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Kvernufoss

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Kvernufoss

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O trilho de chegada à Kvernufoss

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As casinhas típicas do museu Skogar

 

Quando saímos de Kvernufoss e olhámos para a hora, percebemos que tínhamos ganho muito tempo em relação às expectativas. No roteiro, a paragem seguinte era facultativa e o meu interesse não era muito - mas como tínhamos horas de sobra, decidimos parar no Solheimasandur, os famosos destroços abandonados de um avião americano, que caiu ali perto de uma praia em 1973 por falta de combustível. Ninguém morreu, mas os os restos do avioneta ali ficaram - acabando por se tornar naquela que é hoje uma das imagens mais famosas da Islândia.

Esta é das paragens em que é obrigatório o uso do maps, pois não há indicações na estrada do local de entrada. No entanto, verão de certeza carros num parque estacionamento que foi construído recentemente - e que é, como não podia deixar de ser, pago (mais 5 euros, catchim!). Aqui têm duas opções: ou pagam 20 euros por pessoa para apanhar o transfer de ida e volta para o avião ou andam cerca de duas horas, ida e volta (pouco mais de sete quilómetros), para lá chegar. Como o preço do transporte nos pareceu claramente exagerado, optamos por ir a pé. Foi provavelmente a caminhada mais longa que fizemos durante toda a viagem - e para mim foi cansativa e um pouco frustrante, porque só quando nos aproximamos bastante é que começamos a ver o avião, como quem vê  aparecer uma luz ao fundo do túnel. Anda-se, anda-se e anda-se... e a estrada de areia e gravilha parece confundir-se com o horizonte e nunca mais acabar. Até que lá o vemos, o famoso! O avião em si vê-se em cinco minutos e não é, nem de longe nem de perto (na minha opinião!), uma paragem obrigatória. Mas é mais um check num ex-libris islandês, sendo que esta será provavelmente a única vez que estarei dentro dos destroços de um avião (ou, para bem da minha saúde, assim o espero).

Se a caminhada de ida foi difícil, a vinda foi pior - parecia que o carro se distanciava à medida que íamos andando. A única coisa que compensa são a vistas lindas da montanha que se tem na praia e no caminho. Av. P/Q: 3, no caso de só estacionarem o carro, 1 se optarem pelo transfer. Av. E/Q: 2, se fizerem o caminho a pé.

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Solheimasandur

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As montanhas vistas de dentro do avião - Solheimasandur

 

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Solheimasandur

 

A última paragem oficial do dia foi na Reynisfjara Beach, uma famosa praia de areia preta rodeada por pedras de basalto. Pelo caminho passamos pelo viewpoint de Dyrholaey, um dos sítios mais famosos para ver puffins (papagaios-do-mar), mas na altura não nos apercebemos que era lá uma das suas mais famosas colónias e não parámos. Acabamos por nunca os conseguir ver durante toda a viagem - a verdade é que fomos na altura em que eles começam a aparecer (é normalmente a partir de fim de Abril até meados de Setembro) mas ainda não são muito comuns, para além de que o tempo, neste dia em particular, também estava a ficar escuro, ventoso e encoberto, ao contrário daquilo que eles parecem gostar. 

O parque da praia também é pago (sete euros, auch!) e eu confesso que não fiquei encantada. Pensei muito em Portugal e na sua incrível diversidade durante esta viagem... a verdade é que muito daquilo que as pessoas vão ver à Islândia, nós temos em terras lusas. Temos fumarolas e parques geotérmicos, temos mar e uma costa incrível, temos casinhas de madeira e palha, temos praias de areia preta... Por isso, para nós, caminhar numa praia escura não é novidade nem nada que nos faça cair o queixo.

O mesmo não se pode dizer daquilo que estava no meio do mar. Estávamos nós a tirar fotos quando o Miguel aponta para a água e diz: "olha ali uma foca!". Foi o ponto alto do meu dia. Fechei o ângulo o mais que pude e aumentei a objetiva até não conseguir mais - e foi aí que me apercebi que não só a foca estava a dar espétaculo a toda a praia como também se estava a deliciar com um pequeno banquete... inicialmente achei que era uma raia devido à cauda do animal que ela tinha na boca, mas só depois, ao ver as fotos com cuidado, é que chegamos à conclusão que ela estava provavelmente a comer um pequeno (ainda que grande) tubarão. A natureza é mesmo incrível, não é?

Foca aparte, e tendo em conta que não sei se elas costumam aparecer nesta praia com frequência, este não é, para mim, um local de paragem obrigatória. Há muitas praias de areia preta na costa e não é necessário pagar uma fortuna para se desfrutar da vista, da areia de cor peculiar e do mar (ainda que só de longe, porque entrar neste mar, ou simplesmente ser apanhado por uma onda, é perigosíssimo). Aliás, se caminharem um pouco mais na zona dos destroços do avião, darão por vós num areal sem fim muito maior que este; é verdade que não têm as pedras basálticas como pano de fundo, mas confesso que não acho que façam a diferença ou justifiquem o preço que se paga. Por isso - Av. P/Q: 2, Av. E/Q: 4, não por o esforço ser muito, mas por a paisagem não justificar grande pontuação.

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Reynisfjara Beach

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Reynisfjara Beach

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Foca na Reynisfjara Beach

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A caminho do nosso hotel apercebemo-nos que muita gente fazia um desvio que não estava planeado no nosso roteiro. Como ainda tínhamos tempo, decidimos seguir o nosso instinto e fomos atrás do fluxo de carros. Demos por nós no topo de uma montanha onde está o farol de Dyrhólaey, de onde é visível o famoso arco, onde na verdade também pousam muitos puffins. No entanto, à distância a que estávamos, seria impossível ver o que quer que fosse.

 

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Quando falo de uma imensidão de praias de areia preta é a isto a que me refiro. É ou não magnífico? E, já agora, grátis!

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Vista do farol de Ddyrhólaey e o famoso arco rochoso

 

Seguimos depois para Vik, uma vila muito simpática, onde jantamos no Smidjan Brugghus, por conselho da recepcionista do nosso hotel. Já tínhamos planeado jantar na Black Crust Pizza, onde servem pizzas de massa escura feita com lava, mas eu sentia que o meu corpo precisava de qualquer coisa para além dos hidratos de carbono que tinha vindo a comer, de forma exclusiva, nos últimos dois dias. Precisava de carne. E eu, que não sou fã de hambúrgueres, devo dizer que aquele que comemos estava uma delícia - ou isso ou eu estava mesmo com muita fome. A carne era de boa qualidade e toda a mistura do hambúrguer estava bem harmoniosa e saborosa. Pagámos 50 euros os dois (dois hambúrgueres, duas pepsi max e uma dose de batatas fritas).

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Igreja de Vik

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Smidjan Brugghus

 

Nessa noite ficamos hospedados no Farmhouse Lodge, onde fomos muito bem recebidos por uma portuguesa que lá trabalha há vários anos. Independentemente disso, devo dizer que ficamos um bocadinho desiludidos - foi dos sítios mais caros onde dormimos e aquele de que menos gostamos. O quarto em si não era mau, era confortável e bem decorado - e a Sílvia (penso que era assim que se chamava?), colocou-nos naquele que tinha melhor vista! Mas o quarto de banho era minúsculo, o local do banho não estava nada bem conseguido, as toalhas estavam em mau estado e nem toalha de mãos forneceram, não havia muitas tomadas acessíveis, etc. A cama era boa e - em conjunto com uma venda! - tive uma noite de sono decente, mas o bolo geral não se mostrou justificativo do preço que pagamos. Era dos hotéis que mudaríamos caso voltássemos. 

 

Dica do Dia: na Islândia é tudo muito, muito caro - e comer não é excepção! Num restaurante típico é fácil gastar-se cinquenta euros por cabeça (sem bebidas alcoólicas); pizzas, hambúrgueres e até sandes ascendem facilmente aos 25 euros por pessoa. Por isso, podendo, abasteçam as vossas malas de comida em Portugal - nós levamos secos, principalmente bolachas. Íamos comprando diariamente pão fresco e foccacias - uma espécie de pizzas pequenas - assim como ingredientes para colocar no interior do pão (fiambre a queijo) e batatas fritas, sempre que precisámos - que foram duas ou três vezes. Mesmo assim, gastámos facilmente quinze euros todos os dias em produtos frescos - e sempre a comer a mesma coisa! Cozinhar é uma hipótese caso fiquem hospedados em locais com cozinha, mas a verdade é que em alguns supermercados é difícil comprar carne conforme nós temos (vêm em embalagens enormes, com muita quantidade) - e os preços ascendem também para números ridículos para a nossa realidade. 

De qualquer das formas, fazendo pelo menos metade das refeições fora de restaurantes (como nós, que almoçamos sempre no carro ou em mesas de pic-nic), fica a dica de algumas coisas fáceis de esquecer mas que vos irão fazer muito jeito: alguns talheres, guardanapos, toalhitas, sacas herméticas, molas para fechar os sacos, café e chá, assim como alguns pacotinhos de açúcar e, tendo planos para cozinhar, um ou dois caldos Knorr, pois não vão certamente comprar na Islândia um conjunto de temperos para fazerem da vossa comida a mais saborosa possível. Levem bolachas, tostas, patês ou enlatados caso gostem; frutos secos também podem ser uma boa opção.

Passando dos sólidos aos líquidos: levem garrafas de água vazias e encham-nas nos vários sítios que percorrerem. A água da torneira é boa e mais que potável (embora, em muitos sítios, cheire a enxofre quando colocamos a maçaneta do lado “quente”) - e o mesmo se pode dizer da água das cascatas. 

 

Curiosidade do Dia: os cavalos, na Islândia, são o nosso equivalente às vacas ou às ovelhas. São, sem dúvida, o animal que mais se vê numa roadtrip. Passamos por algumas renas, poucos carneiros e ainda menos vacas - mas cavalos vimos centenas! Claro que, gostando de animais como eu, estava ansiosa por estar com eles de perto - mas não são muitos os sítios em que eles estão suficientemente próximos da estrada para nos conseguirmos aproximar. No caso das fotos abaixo conseguimos, mas tinha um aviso para não lhes dar comida ou mimo, algo que eu cumpri (embora a custo, pois eles aproximaram-e imediatamente e pareciam muito sociáveis). 

Os passeios a cavalo são muito populares na Islândia. Por isso, se gostarem de hipismo, essa é das atividades que encontram com grande facilidade em todo o país. Do que me pareceu, os cavalos tomam quase conta de si próprios: a maioria nem estábulo tinha, o que me soa estranho, pois não diria que são animais capazes de aguentar o frio que se faz sentir naquele país, principalmente à noite. Mas o número de bichos desta espécie contraria o meu raciocínio e eles são, aparentemente, feitos para viver nesta terra. O seu pêlo era maior do que os cavalos que vemos cá e estão, na sua maioria, gordinhos e bem tratados, sendo que não lhes falta espaço para correr. E como o que se quer é animais felizes... diria que estão no sítio certo.

 

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19
Mai24

Islândia, dia um - de Reykjavik a Vik

O Golden Circle

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Chegámos à Islândia já passava da meia-noite; voámos pela Play, que desde início de Abril que tem vôos diretos do Porto para Reykjavik. É uma companhia (pouco) low-cost islandesa e a mais descontraída em que alguma vez voei - fardas todas distintas, t-shirts e sapatilhas eram o prato do dia e com direito a tripulantes todos tatuados (nada contra, mas é novidade para mim).

Depois de pegarmos nas nossas malas aguardamos que a companhia de aluguer de carros nos viesse buscar, para depois seguirmos para o hotel, já com o nosso querido companheiro de viagem - um Dacia Duster que nunca nos deixou ficar mal. Chegamos ao hotel já pelas duas da manhã, apesar de não termos demorado muito em nenhum dos pontos - as malas não tardaram, o check-in na empresa de aluguer de carros já estava praticamente feito e o Hotel Jazz, onde pernoitámos, situava-se a cinco minuto do aeroporto - mas nunca uma chegada é breve e todas as pequenas esperas somadas acabam por se tornar maiores. O hotel, que me pareceu ser um negócio familiar, tinha self check-in e check-out e era mais do que suficiente para uma noite de sono tranquila. Não tinha pequeno-almoço incluído, pelo que tomamos um chá no quarto e comemos algumas das coisas que havíamos trazido de casa... e a primeira refeição do dia já estava tomada.

Fizemo-nos ao caminho para a nossa primeira paragem: o parque nacional Thingvellir, um óptimo sítio para um bom passeio e caminhada. É um local importante por diferentes razões: primeiro, por questões sociais e políticas, pois foi nesta área que esteve o primeiro parlamento democrático do mundo; é também lá que podemos ver a primeira igreja da Islândia, Thingvallakirka. Depois, por questões geológicas: o parque está separado por duas placas tectónicas (a da Europa e da América do Norte) e o caminho inicia-se na separação entre os dois blocos de terra - num local chamado Almannogja -, ainda que inicialmente não nos apercebamos. Ali ao lado, na Silfra, pode fazer-se o mesmo mas dentro de água: é talvez o único lugar do mundo onde se consegue mergulhar literalmente entre as duas placas. Não é uma experiência barata (fica por cerca de 150 euros por pessoa), mas quem a faz normalmente recomenda. Nós optamos por só passear em terra, respirar o ar puro e apanhar as "vibes" de Game of Thrones - isto porque este foi um dos muitos locais de filmagem da série (neste caso, Thingvellir aparece como pano de fundo da viagem de Arya Stark e o Hound).

Foi aqui que vimos a nossa primeira cascata - a Oxararfoss. Não é majestosa, mas é bonita e conclui um bom passeio no parque.

Esta é uma paragem que, sem grandes correrias mas também sem muitas explorações, demora cerca de duas a três horas. Diria que é de visita obrigatória no enquadramento do Golden Circle. No maps, coloquem o visitor center como direção, pois há vários outros pontos que podem induzir em erro o vosso trajeto. O parque de estacionamento tem um custo de cerca de 6,5€. Avaliação Preço/Qualidade (doravante Av. P/Q, em escala de 1 a 5, sendo 1 um "não vale a pena gastarem um cêntimo" e 5 "a vista não tem preço"): neste caso dou-lhe 4, por ser um lugar icónico e bonito. Avaliação Esforço/Qualidade (daqui para a frente Av. E/Q, sendo 1 um "não vale a pena cansarem-se" e o 5 "vale a pena gastar tempo e desgastar músculos tendo em conta a beleza/interesse do local"): para Thingvellir dou 5, por ser maioritariamente plano e ter uma vista bonita.

 

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Thingvellir

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Thingvellir

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Oxararfoss 

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Oxararfoss 

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Thingvellir

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Thingvallakirka

 

A segunda paragem foi mais uma "foss" - perceberão daqui para a frente, e reparando nos nomes, que "foss" significa, em islandês, uma cascata. Neste caso, Bruarfoss. É uma cascata bonita, de um azul bebé puro, mas relativamente pequena. Nesta altura ainda não tínhamos visto nenhuma das cascatas maiores e gostamos bastante - agora, colocada em perspectiva, não é de facto nada de estonteante... mas não deixa de ser bela. Tem um parque de estacionamento muito próximo, com um custo de cerca de 5 euros; a caminhada é bastante curta - talvez vinte minutos, ida e volta. Estava muito vazia quando fomos, talvez pelo custo ser demasiado para aquilo que se vê - compensa, no entanto, se procuram um sítio calmo. Av. P/Q: 2, uma vez que pelo mesmo preço (ou pouco mais) se visitam cascatas de muito maior envergadura. Av. E/Q: 5, pois o caminho é plano e calmo, sem esforços.

 

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Bruarfoss

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Bruarfoss

 

A paragem seguinte está presente em todos os roteiros, todos os mapas e em quase todos os souvenirs. É um local tão falado que se tornou, provavelmente, num dos sítios com mais turistas na Islândia; por ser tão conhecido acaba por ser uma imagem que, apesar de provavelmente nunca termos visto ao vivo, está muito presente nas nossas cabeças - e, a mim, acabou por não me encantar. Falo do geysir, aquele esguicho de água natural, que explode de cinco em cinco minutos.

Strokkur, que significa em islandês "fazer espuma", é o geysir mais popular da zona geotermal de Haukadalur - um sítio parecido ao das Furnas, nos Açores, com várias fumarolas e um cheiro a ovos podres que não é muito simpático para o nosso olfato. Não é um lugar nem muito bonito nem muito trabalhado - de tal forma que não tirei uma única foto. Fizemos um vídeo da explosão de água, que é de facto impressionante, mas não há muito para ver para além disso. Existe uma plataforma de visualização de toda a área, localizada num sítio alto, num monte lá ao lado, que deve representar uma caminhada de cerca de 45 minutos, e não achamos que valesse a pena. Como disse, não foi um sítio que me apaixonasse, pelo que não achamos que devêssemos "gastar" mais tempo nesta área.

Av. P/Q: 5 - é das poucas atrações famosa na Islândia que não é paga, pelo que é um ponto obrigatório de paragem, muito embora esteja longe de ser dos meus locais favoritos. Av. E/Q: 5 - caminhada curta e plano, se se cingirem a um passeio pela zona das fumarolas.  

A última paragem do dia foi em Gullfuss, que significa "cascata de ouro". O nome não é por acaso: foi a primeira cascata em que ficamos absolutamente arrebatados. Tem duas quedas de água e a massa de água movida é absolutamente indescritível. Não há fotos ou vídeos que façam jus àquilo que se sente: a movimentação do ar, as partículas de água, o frio súbito que toma conta de nós, o vento que sopra confusamente por todos os lados... É de se ficar arrepiado - tanto pelo ar gélido como pela beleza e força da natureza. Por tudo isto não conseguimos ficar lá muito tempo - mas a sua visita é absolutamente obrigatória e indispensável. Dada a sua fama e a óbvia beleza, tem muita gente (vulgo: demasiada) - mas o barulho da água a correr é de tal forma intenso que abafa a multidão. Na altura em que fomos (final de Abril), ainda havia partes congeladas, ainda que fossem nas margens da cascata e não no caudal principal; este foi o primeiro contacto que tivemos com a neve e o gelo na Islândia e ficamos logo espantados com o tamanho dos blocos que se formam. É incrível como um rio tão movimentado consegue congelar. O que ainda não sabíamos era o paraíso pintado de branco que viríamos a ver dali a uns dias.

Gullfoss faz uma espécie de combo com o geysir, uma vez que fica apenas a dez minutos de carro. A visita demora cerca de uma hora, com vinte minutos de caminhada. Se a memória e o registo do Revolut não me falham, a entrada é gratuita. O que faz, obviamente, com que este local tenha uma avaliação de 5 em ambas as minhas escalas de avaliação. Foi a nossa visita preferida do dia - e só não foi o ponto alto porque, à uma da manhã, tivemos uma bela surpresa. 

 

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Gullfoss

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Gullfoss

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Gullfoss

 

Mas antes de chegarmos à parte da noite, ainda tenho mais umas coisas para contar. Foi o nosso primeiro dia na Islândia e quisemos começar em bom, com uma visita a uma lagoa. Perto de Selfoss, o sítio onde íamos pernoitar, fica a Secret Lagoon - não é a lagoa mais famosa nem a mais bonita, mas é sem dúvida das mais baratas (pagamos 20 euros por pessoa, com marcação feita no site e com um código promocional encontrado algures na internet). Foi a primeira de quatro lagoas que visitámos e, como ainda não conhecíamos a dinâmica, não tiramos fotografias (na verdade, mesmo nas restantes, foi coisa que evitamos fazer). 

Estivemos bastante hesitantes em marcar esta lagoa, por existirem muitos comentários menos positivos no Google e redes do género - diziam que era pequena, que a água cheirava mal (pois, sendo termal, é normal...), que a envolvência não era bonita, etc. A verdade é que, tendo em conta o preço, me pareceu óptimamente equipada e ideal para um banho calmo. Só tem uma "piscina", a água é transparente e não tem qualquer tipo de serviço extra: não há esfoliações, bar dentro da lagoa (graças a Deus!) ou circuito de spa. É simples, mas com um preço justo. Diria que se o vosso budget for bastante curto mas quiserem ter uma experiência termal, este é o sítio certo; se, por outro lado, quiserem visitar mais uma lagoa para além das mais famosas e ficarem só pelo lado sul da ilha, esta também é uma boa hipótese.

Depois, já relaxados e quentinhos, fomos jantar ao restaurante mais popular de Selfoss. Aliás, chamar restaurante ao Pylsuvagninn é um pouco exagerado - digamos que é uma roulote já com um upgrade (mas já com direito a drive-through e tudo!). Pylsuvagninn é a barraca de cachorros quentes mais popular do pedaço - e, segundo o meu marido (eu não como cachorros), a fama faz jus à experiência. Estava um dia lindo - sol e um céu limpo, de um azul perfeito - e comemos numa das mesas que têm no exterior, mesmo ao lado do rio Olfusa. 

 

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Com o mais popular cachorro de Selfoss, o do Pylsuvagninn 

 

Antes de irmos para o nosso apartamento ainda demos uma voltinha pelo centro da cidade, que está em obras mas já dispõe de lugares renovados e bem agradáveis para se passar um final da tarde. Como "saltamos" Reykjavik, este foi o nosso primeiro contacto com uma cidade - e ficamos logo encantados e espantados com o estilo das casas, maioritariamente térreas e pequenas, com um ar muito americano, tanto na sua construção como na organização do próprio bairro. 

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Centro de Selfoss

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Selfoss

 

Depois de umas compras para o pequeno-almoço do dia seguinte, fomos para o nosso apartamento. Ficamos no South Central Apartments e foi dos nossos sítios preferidos - tem uma relação preço/qualidade incrível, o quarto é muito espaçoso e harmonioso, minimalista mas bem decorado e confortável, com tudo aquilo que é preciso. Tem uma pequena cozinha equipada e um canto de leitura, para além do óptimo espaço de cama e um quarto-de-banho simpático. São apartamentos praticamente à face da estrada que lembram um pouco aqueles motéis americanos que aparecem nos filmes... e nós adorámos! Para além disso era também em regime self check-in e check-out, o que nesta viagem nos facilitou sempre a vida, pois nunca sabíamos ao certo as horas a que chegaríamos aos sítios, sendo também uma óptima forma de poupar tempo, sem necessidade de fazer conversa ou esperar por questões administrativas.

A melhor parte? É que era um apartamento térreo, com uma espécie de quintal atrás. E porque é que isto nos foi útil? Porque eram oito da noite, o sol ainda em pleno no céu, e começámos a receber alertas sobre a possibilidade de se conseguirem ver auroras boreais. O problema? Estávamos cansados, precisávamos de dormir e nunca mais anoitecia. Nove horas. Dez. Onze. Meia-noite. Eu deixei de resistir ao sono - pus um alarme para a uma da manhã e levantar-me-ia caso se verificasse o milagre. Mas o Miguel não vergou: ficou à janela e, pouco antes da uma, manda um grito que quase me matou do coração. Do nada manda-me vestir, começa a enchouriçar-se atabalhoadamente e, sem eu perceber, já estava lá fora. Eu, com medo que as luzes fugissem, ainda vou meia destapada para o exterior e ainda consigo ter um vislumbre daquele fenómeno, mas rapidamente tive de me retirar para o interior do apartamento para me vestir a rigor. O frio não brinca quando a noite se põe. Depois de várias camadas de roupa, kispo, gola, gorro, luvas e botas (este despe-veste é uma arte que, no fim da viagem, já aperfeiçoámos quase até à perfeição), lá fui eu. Parecíamos duas crianças em êxtase. Corria-nos um arrepio na espinha, por sabermos que estávamos a viver uma noite única na nossa história. Por estarmos a riscar mais uma coisa da nossa bucket list. Por estarmos a viver um sonho.

Tirámos quantas fotos quanto possível e, cerca de uma hora depois, tivemos de voltar para dentro: o frio era tanto que não aguentámos. Sabíamos, também, que no dia seguinte iríamos precisar de energia, pelo que não podíamos estender muito a noite. Mas a verdade é que não foi fácil relaxar depois desta experiência - isto porque apesar do frio e do cansaço serem muitos, sentíamos que lá fora estava ainda a decorrer um espetáculo único e que o estávamos a perder antes dele ter chegado ao fim; e depois porque o coração não acalmava: tivemos sorte, muita sorte, por ver auroras boreais nesta altura do ano. Fomos uns sortudos e somos, no geral, uns afortunados por ter tido a oportunidade de ver um fenómeno destes. É daqueles que nos arrebata, que apetece chorar de tão incrível e mágico. É o tipo de memórias que ficam no nosso coração para sempre - e que tornará esta viagem eternamente especial.

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Auroras boreais em Selfoss

 

Dica do Dia: sobre alugar carro. Estudem bem as companhias de aluguer - não se fiquem pelas clássicas Avis ou Hertz, que têm muitas vezes preços menos competitivos. Nós alugamos o nosso carro na Lotus (a outra possibilidade era a Blue) e ficamos bastante satisfeitos com o serviço e com o nosso Dacia Duster, que serviu perfeitamente a sua função nos mais de 2500 km que fizemos nestes 10 dias. Se forem nos meses de inverno, atenção aos pneus! E se pretendem ir a todas as cascatas que tenho no meu roteiro, é essencial alugarem um 4x4 para não correrem riscos. Por falar em riscos: os seguros são caríssimos, quase mais que o próprio carro - mas mais vale prevenir que remediar. No nosso caso, como fizemos a cobertura máxima, tivemos direito a um wi-fi portátil, que nos deu imenso jeito durante toda a viagem. Apesar de não se pagar roaming na Islândia, nem sempre a rede é famosa fora da capital - e foi pelo wi-fi que estivemos sempre contactáveis e com o maps em movimento!

 

Curiosidade do Dia: na Islândia a moeda viva é coisa do passado. Foi a primeira vez na minha vida que não troquei dinheiro numa viagem - e a verdade é que nunca mo pediram. Quando fazem uma compra a primeira coisa que vos indicam é o terminal de multibanco. Isto facilita e propicia outra característica deste país: a impessoalidade de muitos serviços. Nas bombas de gasolina não há pessoas nas caixas, é tudo feito de modo automático; todos os supermercados, independentemente do tamanho, têm caixas de self-service; e poucos foram os hotéis em que fizemos um check-in clássico, numa receção - em alguns deles nunca chegamos sequer a ver um funcionário! Por isso poupem o dinheiro do câmbio e façam uma conta na Revolut - é a forma mais fácil de fazer pagamentos, de controlar gastos através da sua aplicação e, acima de tudo, em poupar nas taxas e taxinhas que os nossos bancos adoram cobrar. Façam isso desde o primeiro momento em que comecem a tratar da vossa viagem - desde voos até às marcações de tours ou entradas em lagoas.

13
Mai24

Dez dias na Islândia

Os mais distraídos poderão não se ter apercebido - mas quem me segue no instagram sabe que fiz, no fim de Abril e início de Maio, uma das minhas viagens de sonho. Fui, finalmente, à Islândia - e foi tão bom e fomos mesmo bafejados pela sorte! Tivemos direito ao pack completo: um vulcão em atividade, gelo quanto baste, neve a cair nos momentos certos, um sol maravilhoso durante grande parte do tempo - de tal forma que fiquei morena e cheia de sardas na cara - e... auroras boreais. A Islândia foi muito simpática connosco, principalmente tendo em conta a altura do ano em que lá fomos - a passagem do inverno para o verão, com dias já bem compridos. Conseguimos não apanhar um pingo de chuva durante as muitas caminhadas que fizemos,  vimos auroras apesar de praticamente já não anoitecer e, apesar de tudo, as temperaturas foram bastante toleráveis. 

Para além de ter sido a primeira vez que fui para um destino frio, esta foi também a minha estreia numa road trip... e tenho muito, muito para contar! Ia com vários receios, principalmente dada a extensão do nosso itinerário, mas tudo acabou por correr às mil maravilhas. É preciso ter arcaboiço, capacidade de gerir o nosso tempo e prioridades e, claro, saber lidar com os imprevistos; se levarem isso tudo com leveza, a Islândia tem tudo para ser uma viagem de sonho.

Foram dez dias e mais de dois mil e quinhentos quilómetros percorridos de carro - para além da média de 14km que andamos diariamente, assim como as centenas de escadas que subimos num país que, sendo montanhoso, nos obriga a trabalhar os glúteos de forma ávida (e dolorosa). Não admira, por isso, que tenha tanto para vos dizer. Mas queria fazê-lo da melhor forma e decidi que este será o "post macro", sendo que nos próximos textos vos guiarei numa viagem até ao norte da Europa, aos sítios que percorri em cada um dos dias, discriminando também os locais onde comi e onde fiquei. Sei que, para quem quiser fazer esta viagem no futuro, esta poderá ser uma boa ferramenta - isto porque gastei cerca de doze horas para concluir o meu roteiro. Para todos os outros, que não queiram saber tão extensiva e detalhadamente como tudo decorreu, farei, no final, um resumo e um best of.

Apresento, abaixo, o nosso roteiro simplificado - no mapa vêem apenas a "ring road", a estrada que  percorre toda a ilha (a N1). Seriam, assim, cerca de 1500km - nós percorremos mais mil por fazermos desvios (alguns generosos) para vermos locais que saíam da estrada principal. 

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DIA 1 (verde) - De Reykjavik a Selfoss

DIA 2 (rosa) - De Selfoss a Vik

DIA 3 (laranja) - De Vik a Hofn

DIA 4 (azul) - De Hofn a Egilsstadir

DIA 5 (amarelo) - de Egilsstadir ao Lake Myvatn

DIA 6 (roxo) - do Lake Myvatn a Akureyri

DIA 7 (azul bebé) - de Akureyri a Stykkishólmur

DIA 8 (vermelho) - de Stykkishólmur a Reykjavik

DIA 9 - Reykjavik

 

Algumas notas antes de partirmos "de viagem": conforme explicarei, praticamente nenhuma atração natural é paga na Islândia. No entanto, os parques são - e são muito caros (como tudo, na verdade)! Para além disso, como já brinquei acima, vários dos acessos às cascatas e desfiladeiros não são particularmente fáceis... Por isso decidi fazer duas escalas, que no futuro usarei para avaliar os locais onde fomos: a relação preço/qualidade (Av. P/Q) e a relação esforço/qualidade (Av. E/Q). Isto porquê? Porque é praticamente inevitável fazermos escolhas quando programamos uma viagem destas; há tanto por onde escolher e que ver - e nós queremos sempre ver tudo e fazer o maior número de coisas possíveis - que nem sempre é fácil decidir. Nós fomos dez dias, mas há quem faça esta viagem em cinco - e, nesse caso, priorizar aquilo que gostamos é essencial. Daí ter construído esta escala - é, obviamente, feita com base na minha opinião e nem todos dirão o mesmo que eu, mas espero que seja uma ajuda para quem tem de ser mais criterioso na escolha dos locais que visita.

Por fim, dizer que disponibilizarei o meu roteiro a todos os que quiserem. Deixem o vosso email nos comentários ou enviem-me um email para paranaoficaremcoisaspordizer@gmail.com e eu farei chegar cerca de uma dezena de páginas com muitos nomes estranhos e impronunciáveis mas que, prometo, são dos mais bonitos que a natureza produziu.

 

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03
Out23

Na Boavista a vida é boa

A viagem para Cabo Verde foi marcada em desespero de causa - estávamos já no final de Abril, sem férias marcadas, com os preços a disparar em flecha e nós sem saber para onde ir. Foi quase uma decisão de último recurso que, honestamente, não era aquilo que eu realmente queria - mas, no fundo, era o que precisava. 

 

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Acho que estou na fase da vida ideal para viajar para longe; fazer daquelas estopadas que nos levam um dia inteiro a chegar ao destino, uma vez que ainda tenho (alguma) tolerância às dores nas costas e ao jet lag e uma vontade de conhecer novos sítios superior à inércia que tais viagens proporcionam. Queria ir até à América, para a Costa Rica ou para o Chile; ou então para o lado oposto, para Singapura ou Austrália. Mas a verdade é que precisava de parar - depois da primeira metade do ano ter sido de um desgaste emocional tremendo, eu tinha de descansar a cabeça e o corpo para voltar com força à fábrica. Por outro lado, a viagem à China (marcada também em cima da hora) ajudou; acabou por colmatar a quota de países longínquos e culturas diferentes que gosto de "riscar" a cada ano que passa. Por isso, ainda que a algum contragosto, decidimos ir para a ilha da Boavista, em Cabo Verde, passar as nossas "férias grandes". Optamos por "fugir" do Sal por ser a ilha mais turística e pelo mau feedback que recebemos de pessoas conhecidas. Normalmente marcamos todas as viagens, vôos, transferes e passseios sozinhos mas, desta vez, optamos por fazê-lo com a Agência Abreu - porque estavam com um pacote imbatível ao nível de preço, que nunca conseguíamos replicar se marcássemos tudo separada e independentemente, mesmo tendo evitado o charter. 

Talvez por não ter sido a viagem que idealizei para as minhas férias e também por termos ouvido relatos menos felizes sobre Cabo Verde, as minhas expectativas não eram altas - e foram todas elas, sem excepção, ultrapassadas. Ficamos hospedados no hotel Riu Karamboa, que foi recentemente renovado e está absolutamente lindíssimo. É provavelmente a recepção mais bonita que vi na vida - se pudesse tinha trazido tudo para Portugal e decorado a casa dos meus sonhos. Foi a primeira vez que estivemos na cadeia Riu, por isso não tenho termo de comparação, mas ficamos fãs. 

Normalmente os meus textos incidem muito mais sobre a vertente cultural das cidades do que propriamente sobre o local onde fico - mas a verdade é que, neste caso, o hotel foi aquilo que mais vivenciamos e o espaço que mais usufruímos, tendo em conta o estilo de férias que este ano escolhemos para nós (pulseirinha no pulso e papo para o ar). Por isso, desta vez, considerei mais importante debruçar-me sobre o alojamento que escolhemos, porque foi isso que fez, para nós, a diferença.

O hotel fica a 1km do aeroporto - demora mais tempo a agilizar o transfer de todos os passageiros do que a viagem em si. Dois hotéis com a chancela Riu ficam lado a lado - o Karamboa, exclusivamente para adultos, e o Palace, com uma vertente mais familiar (ambos de cinco estrelas). Partilham apenas a mesma praia e o parque aquático, que fica literalmente no meio de ambos. Há ainda outro hotel da cadeia espanhola do outro lado da ilha, o Touareg, mas fica muito mais longe do aeroporto e não tem uma praia que compense a diferença. Há mais hotéis na ilha e também a opção de ficar num alojamento local, mas diria que o Riu é para quem procura o máximo conforto, comodidade e atualidade num hotel.

O Riu Karamboa é um hotel tipicamente tropical - recordou-me os dois sítios onde fiquei no Brasil - com corredores compridos e quartos forrados a tijoleira, com ventoinhas no teto e despudorado de grandes luxos. É colossal, com quase mil quartos, e o único regime em que opera é tudo incluído - e quando dizem tudo, é mesmo tudo. Desde os refrigerantes do mini-bar, passando pelo leque de bebidas espirituosas de que todos os quartos dispõem em garrafas de litro e meio, até bares abertos 24 horas por dia, caiaques disponíveis para os hóspedes e comida às toneladas a praticamente qualquer hora do dia. O buffet de pequeno-almoço e de jantar vão para o meu top 5 no que diz respeito à quantidade e diversidade de comida - e, provavelmente, de maior qualidade também. Nunca vi tantos tipos de ovos diferentes num só local - desde ovo-estrelado-cru, ovo-estrelado-meio-cru-, ovo-estrelado-cozido, ovos Benedict, ovo cozido, omelete simples, omelete com fiambre e queijo, omelete com salsicha, omelete com camarão, ovos mexidos. Eu sei lá que mais! Pela manhã o que eu gostava mais de comer eram os churros quentinhos e das panquecas e, à noite, atirava-me à secção das pizzas e das massas, sempre diferentes todos os dias. Destaque também para o peixe - é raro, neste tipo de sítios, haver bom peixe ao dispor; aqui foram mais as vezes que comi peixe do que carne, nomeadamente um peixe de que nunca tinha ouvido falar - Tilápia. A verdade é uma: há tanta diversidade que uma pessoa não chega a provar metade. O leque de sumos naturais de que dispunham, por exemplo, era uma loucura - certamente para cima de 25 espécies diferentes. Nós? Bebemos zero.

 

As iguarias dos buffets (clicar para esquerda e direita para ver mais)

 

Talvez por isso tenhamos feito a proeza de não ter tido qualquer tipo de desarranjo intestinal durante a semana que lá estivemos - bebíamos exclusivamente água engarrafada (que nos deixavam no quarto) e, às refeições, optávamos por refrigerante, uma vez que a água disponível era de máquina (e, por isso, dessalinizada). Não bebemos sumos naturais ou qualquer coisa que levasse gelo - e só abrimos a excepção à regra da água engarrafada para o café da manhã. A verdade é uma: os ingleses, americanos, italianos e tantos outros portugueses bebiam água e sumos naturais à barda, carregados com gelo, e nunca vimos ninguém a passar por nós aflitinho. Dispenso saber o que se passa no quarto de banho dos outros mas estranhei o facto de, aparentemente, sermos dos poucos a cumprir uma regra que foi, provavelmente, a coisa mais mencionada de cada vez que dizíamos que íamos visitar Cabo Verde. Este era, na verdade, o nosso único receio. Vá, isso e os mosquitos - fui prevenida com três frascos de repelente, uma vez que faço reações ferozes às suas picadas, mas a verdade é que não passei muito mal. Havia bastantes sugadores de sangue - e 90% deles pareciam estar à porta da nossa habitação à espera que entrássemos. À noite parecíamos dois inspetores do FBI a entrar no quarto o mais rapidamente possível (com direito a contagem decrescente para passar a porta, tal e qual como nos filmes) e, mal entrávamos, seguiam-se dez minutos de vistoria profunda, por entre as profundeza das cortinas, guarda-roupas e cabines da casa de banho, para garantir que tínhamos uma noite minimamente descansada - no entanto, das picadas os bichos que conseguiram dar, poucas foram as que me afetaram (e nada comparado com o resultado das mordidas de que fui alvo este ano no Algarve, que me deram direito a um mês de anti-histamínicos, tal o estado em que me deixaram).

O hotel tinha cinco piscinas - duas com mais de 25 metros, outras duas com acesso ao bar (com banquinhos sub-aquáticos e todas aquelas coisas em que pensamos quando pensamos em países tropicais) e uma outra, central, mais destinada às atividades do hotel (como pólo aquático, vólei, mata e outros jogos dinamizados pela equipa animadora). Mais uma vez o Karamboa é batedor de recordes, não pelo número de piscinas, mas pelas espreguiçadeiras - não me lembro de ver tanta cadeira na minha vida em nenhum outro hotel. O pior é que ficavam todas - TODAS - ocupadas! Às 11h da manhã já era difícil encontrar um par de cadeiras vago. O que, felizmente, não era um problema para nós - porque o mesmo não acontecia na praia, onde outras tantas centenas de cadeiras estão gratuitamente ao dispor dos hóspedes... e mais de metade delas estão sempre vazias. Não sei porque é que, num destino destes, a maioria das pessoas prefere a piscina - mas a verdade é que há uma clara preferência. Para nós era ouro sobre azul - seguíamos sempre para a praia e ficávamos frequentemente na linha da frente, a olhar o mar, a poucos metros da água e ainda com alguma sombra proporcionada por uma fileira de palmeiras que estão plantadas ao longo de toda a concessão. Só fomos à piscina uma vez, ao final de um dia, para tirar o excesso de sal que tínhamos na pele.

 

Algumas áreas do hotel

 

A areia da praia de Chaves, onde se situa o hotel, é fininha e maravilhosa, numa mistura de cores, entre o claro das nossas praias e o escuro-vulcânico. Não há conchas - mas há pedras, e esse é o único senão. Quando a maré vazava tornava-se muito difícil entrar e sair do mar porque o chão era um autêntico tapete de godos, de todos os tipos e tamanhos - desde redondas, pequenas e inofensivas, a calhaus rogosos e cheios de arestas que eram um potencial risco à saúde dos nossos pés. O mar, apesar de ter uma temperatura deliciosa, não era translúcido nem calmo - tinha correntes fortes e uma rebentação algo violenta. A força da água e as pedras formam uma combinação algo perigosa para quem não estiver totalmente confortável a entrar na água ou que não esteja em razoável condição física - vimos muitos tombos e, suponho, muito pirulitos a serem engolidos durante a semana em que lá estivemos. Embora a praia seja, supostamente, vigiada, os nadadores-salvadores não são de fiar - nunca os vimos a ajudar ninguém, até porque a maior parte das vezes estavam fora do nosso alcance de visão (vulgo: desaparecidos). A bandeira está sempre amarela durante o horário de trabalho deles e, quando chega a hora de saída, é prontamente substituída por uma vermelha - não que o mar esteja, naquele dia, particularmente violento, mas só por descargo de consciência. Por isso, se este for um fator decisivo para vós, diria que é melhor pensarem noutro destino.

 

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Panorâmica da Praia de Chaves 

 

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Pôr-do-sol 

 

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Na hora do pôr-do-sol o hotel vinha em peso para a praia para ver o sol descer

 

Para fechar o tema "hotel", apenas mais algumas notas. Fomos uma vez ao spa e não achamos nem o serviço nem o espaço extraordinários; o ginásio é muito pequeno e limitado tendo com conta o tamanho do hotel; existem três restaurante temáticos que são grátis mas implicam marcação prévia (algo nem sempre fácil, uma vez estarem sempre lotados) - e na nossa opinião não compensam a visita, a não ser por uma quebra na rotina; a animação noturna não é brilhante, mas para uma ilha com recursos limitados (nomeadamente ao nível das pessoas), fazem o melhor que podem e entretêm na medida do possível.

Mas passemos para o capítulo mais interessante (ainda que não muito extenso): a ilha. Saímos do hotel três vezes: uma para ir ver a desova das tartarugas, no sul da ilha; uns dias mais tarde para ver a praia de Santa Mónica, também a sul; e ainda outra para conhecer as partes povoadas da ilha, como a capital, Sal Rei, e Rabil, com passagens por Povoação Velha e o Cabo de Santa Maria. Fizemos tudo isto com a Barracuda Tours, a empresa com quem a Agência Abreu trabalha; no entanto, se forem à Boavista, guardei o contacto do Edy, o rapaz que nos fez as visitas guiadas e que tem o melhor carro da ilha (fechado, com ar-condicionado e sem caixas abertas, algo muito popular por lá) - se precisarem, deixo-o nos comentários para marcarem diretamente com ele e evitarem custos com intermediários. Isto é também uma forma de dar dinheiro a quem é da ilha visto que a Tui, empresa turística alemã, está a tomar tudo de assalto (entre aviões, camionetas e jipes próprios), dificultando a vida aos cabo-verdianos que vivem dos turistas. Por isso juntem o útil ao agradável: ajudam os locais e têm uma experiência óptima com alguém de confiança!

A desova das tartarugas é um must nesta altura do ano; faz-se sempre ao cair da noite, altura em que a maioria das tartarugas chega à praia para deixar os seus ovos. A viagem do hotel até à Praia de João Barrosa é de praticamente uma hora - fizemo-la na parte de trás de uma pick-up de caixa aberta (nesta altura ainda não conhecíamos o Edy) e rogamos pragas pela nossa decisão. A ilha tem algumas estradas alcatroadas mas, na sua maioria, são caminhos de terra batida ou, simplesmente, calhaus. Não são viagens agradáveis - principalmente para se fazer ao cair da noite, quando parte do percurso inclui viajar pelas dunas e apanhar com muita areia nas ventas. Não sei, honestamente, como é que o meu estômago aguentou (mas nos passeios seguintes já tomei um comprimido para o enjoo... porque à primeira todos caem, mas à segunda só cai quem quer). A desova das tartarugas tem tudo para ser um momento bonito e mágico, mas convém ser feito com pouca gente - e nós não tivemos essa sorte. Antes de fazer esta excursão perguntem sobre as condições, tanto ao nível da viagem como do número de pessoas que a fazem convosco, porque é algo que fará a diferença. Apesar disso tivemos muita sorte na noite que apanhamos e, por não haver qualquer fonte de luz (a não ser as luzes vermelhas que os guias usam para iluminar o caminho e não ofuscar as tartarugas), o céu estrelado que vimos foi dos mais bonitos das nossas vidas. Sobre as tartarugas: é incrível a sua agilidade, para um animal que consideramos algo lento no seu dia-a-dia. A forma como utilizam as patas como pás e a rapidez com que põem os ovos, de uma forma simultaneamente tão mecânica mas suave e delicada, faz-nos pensar que a natureza é mesmo fascinante. Outra coisa incrível é como conseguem esconder tão bem o sítio onde desovaram, encobrindo o buraco como autênticas profissionais. É uma experiência bonita que, tendo hipótese de vivenciar, se deve fazer.

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A tartaruga e os seus ovinhos

 

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O maravilhoso céu estrelado visto da Praia de João Barrosa

 

Nos outros dois passeios tivemos oportunidade de ver as partes povoadas da ilha e de interagir um pouco com as pessoas. Acho que foi a primeira vez, de todas as viagens que já fiz, em que me deparei com uma cidade praticamente vazia - de pessoas, de monumentos, de sítios para estar, de cultura. A Boavista não é uma ilha em desenvolvimento - é uma ilha por desenvolver. As pessoas não são pobres no sentido de passarem fome - mas nota-se que têm mesmo muito pouco.

O ponto mais turístico da ilha é o barco encalhado, no Cabo de Santa Maria. É ponto obrigatório - mas, para mim, vale mais pela praia lindíssima (onde não se pode nadar a não ser para fazer mergulho nos destroços, o que é uma pena) do que propriamente pelo barco. Diria que, daqui a uma década (duas, no máximo) pouco vai sobrar do cargueiro que por ali encalhou nos anos sessenta - o estado de degradação é visível, principalmente quando conseguimos comparar com fotos do passado, pelo que a estrutura não terá muito mais anos de vida assim intacta.

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Com o barco encalhado, a imagem de marca da Boavista

 

Quem se dedica ao turismo na Boavista são, maioritariamente, os senegales. Para nós, portugueses, é fácil distingui-los - para além do tom de pele diferente e da maneira de agir ser também distinta, é na língua que percebemos logo de onde eles são. Os cabo-verdianos estão a trabalhar nos serviços, principalmente nos hotéis; os senegaleses tomaram conta dos negócios de rua, das lojas e mercados. Têm uma forma de estar mais tipicamente árabe - são chatos e teimosos no que a compras diz respeito, tentam obrigar-nos a visitar os seus espaços e não nos deixam sair de mãos a abanar. É preciso ter paciência e algum jogo de cintura para sair a bem de algumas situações. 

Não tenho, obviamente, nada contra quem é do Senegal - mas estava em Cabo Verde e queria trazer souvenirs de quem era da terra. Disseram-nos que um dos poucos sítios onde encontraríamos algo autêntico era na Olaria do Rabil - a única da ilha. É tudo feito à mão, com recurso a pouca ou nenhuma maquinaria (nem com a roda trabalham!), e as peças são na sua maioria assinadas, o que as torna um pouquinho mais especiais. Não se pode esperar nada de muito trabalhado - é cru, como a ilha. As minhas peças favoritas eram as maiores - jarras e vasos majestosos - mas essas eu não podia trazer para casa. Trouxemos umas tartarugas em barro - mais para apoiar o projeto do que propriamente pela beleza das peças. No final das férias, as contas eram estas: para além das peças da olaria comprámos um boneco cheio de missangas (pela qual me apaixonei mal pus os pés na ilha) a uma senegalesa e uns ímans a um rapaz da ilha de Santiago, ambos com barracas na praia do nosso hotel. São mimos e recordações - nada muito trabalhado, mas que tenho a esperança que ajudem algumas famílias a manterem-se a pôr mais alguma comida na mesa (que, lá, é quase tudo importado - e, por isso muitíssimo caro).

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Rabil, onde fica a olaria, está praticamente deserta. É em Sal Rei que há mais gente nas ruas, um mercado de fruta e de peixe e uma pequena rua de comércio para os turistas, ainda que totalmente explorada por senegaleses. Há dois ou três bares e restaurantes, um museu e... mar. É uma cidade despida, onde o que interessa é a sobrevivência e as coisas boas da vida: a comida, as pessoas e um ou outro divertimento. As casas são conjuntos de tijolos, o almoço é uma peça de fruta e o brinquedo preferido é o paredão de acesso ao mar. 

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A ilha, como quase todos os sítios pobres, é suja e as zonas habitadas não são bonitas - é um caos organizado, entre casas inacabadas e barracas improvisadas. Aqui nem a flora safa a situação - a Boavista é extraordinariamente seca, nem os coqueiros se aguentam com tamanha falta de água. Sobrevivem as acácias, que servem de casa a uns gafanhotos voadores do tamanho de pássaros, que enganam qualquer pessoa cuja visão não esteja bem apurada; têm também tamareiras, mas até essas começam a acusar a falta de água. É na areia e nas águas que a Boavista tem a sua beleza. Sendo a ilha de África mais próxima do Saara, tem conjuntos de dunas lindíssimos que lembram um deserto (como o deserto de Viana ou o Morro de Areia), não esquecendo nunca o mar que a rodeia, lindo tanto nas zonas portuárias como nas praias mais famosas da ilha (e do mundo, como é o caso da de Santa Mónica, com um areal com 18km de extensão). Tem, para além disso, aquilo que para mim é a oitava maravilha do mundo: burros! São dos poucos animais, a par das cabras, que se lá se aguentam devido à parca vegetação e água presentes na ilha - e não têm dono. São totalmente selvagens e constituem a causa da maior parte dos acidentes de viação na ilha, uma vez que se atravessam nas estradas sem qualquer tipo de pudor. Até nós tivemos quase a atropelar um, quando íamos ver as tartarugas (valha-me Deus!). Se pudesse, trazia-os comigo na mala - mas creio que nem eles nem os meus pais achariam muita graça (eles devido à viagem apertada, os meus pais por terem de lhes dar albergue).

 

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Deserto de Viana

 

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Cais piscatório

 

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Praia de Santa Mónica vista do antigo farol

 

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Os meus amigos burros

 

Passamos uma semana na ilha mas eu aguentaria uns dez dias sem qualquer tipo de esforço. A inexperiência em viagens para destinos paradisíacos fez com que não levasse umas cartas e uns jogos para fazer com o Miguel, de forma a passar melhor alguns momentos mortos em que não me apetecia ler nem dormir. Mas isso foi, literalmente, a única coisa que faltou. De resto houve muito descanso, sol para dar e vender, muitos mergulhos, alguns passeios e, quiçá, demasiadas horas de barriga cheia.

Fui feliz em Cabo Verde. Cheguei sem expectativas - diria até que com pouca vontade - mas gostei muito das pessoas, adorei o hotel e apaixonei-me pela simplicidade das coisas. Na nossa opinião é um destino com uma óptima relação qualidade-preço-distância. Fica a apenas quatro horas de distância, sem necessidade de grandes escalas ou vôos transatlânticos; os valores que se pagam são competitivos quando comparados com outros destinos de praia-e-palmeira-tudo-incluído e a qualidade que experiênciamos faz jus aos bons comentários e ao valor que se gasta. É bom para quem tem barreiras linguísticas (uma vez que se fala português) e também para casais mais velhos (vimos alguns!), que têm todos os luxos num raio relativamente curto. 

Ouvi muito más opiniões sobre Cabo Verde antes de ir, mas não me junto ao coro. A Bovista já integra a minha lista de "sítios para descansar" quando o corpo voltar a pedir. Por mim era já amanhã.

 

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No meu cantinho favorito do Riu Karaboa

18
Jul23

Shanghai: uma surpresa em forma de cidade

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Shanghai foi uma das surpresas da minha vida - surpresa pela forma em como a viagem surgiu mas, acima de tudo, pela cidade em si. Decidi ir à China por impulso, quando percebi que o Miguel teria de lá ir em trabalho; não me apetecia ficar sozinha em terras lusas e pensei: "porque não?". Todas as desculpas são boas para viajar, mas para ir à China todas as desculpas são óptimas, tendo em conta que não se arranjam muitas.  Nunca pensei fazer deste um destino turístico e nunca lá iria se não fosse por questões de trabalho (minhas ou de outros, como se percebeu!). No entanto dou à mão à palmatória e aqui me confesso: Shanghai pode e deve estar num roteiro turístico pela Ásia. Porque merece.

Tivemos pouco mais de um mês para tratar da viagem o que, no meio de tudo o que já havia para fazer, foi claramente precipitado e em cima do joelho. Só dois dias antes de partir é que fiz um semi-roteiro e fui-me adaptando in loco, consoante a meteorologia. Acho que vou deixar para outro post as dicas úteis da viagem - que, tendo em conta o destino, são muitas. Entre a obtenção de vistos, a entrada na China, conseguir ter internet e aceder às apps proibidas pela firewall... acho que tenho pano para mangas, num texto mais prático e que provavelmente só será útil para quem de facto quiser lá ir no futuro.

Eu ia com zero expectativas. O objetivo era acompanhar o Miguel na feira um dia e aproveitar os restantes para conhecer a cidade, quer sozinha, quer acompanhada, dependendo do tempo que o meu marido conseguisse dispensar do trabalho. Confesso que, interiormente, estava apreensiva: a minha faceta de loner praticamente desapareceu desde que o Miguel entrou na minha vida. São poucas as coisas que hoje em dia faço sem companhia e aprendi a gostar de partilhar com alguém os lugares, as experiências e as emoções - e tinha medo de já não saber usufruir da minha própria companhia como fazia dantes (algo que sinto muito quando a casa está vazia ou ele está entretido com algum dos seus hobbies). Mas aquilo que se provou é que este era um medo sem razão de ser - estar sozinha, não ter de mediar situações nem fazer cedências são coisas que ainda têm um sabor especial para mim. Acho, na verdade, que é aquilo que me é mais natural. E talvez por isso tenha sentido em Shanghai uma leveza que não sentia há muito, muito tempo. Afinal ainda sei ser eu. E isso talvez tenha tornado esta viagem ainda mais especial.

Shanghai é enorme (tem 25 milhões de habitantes, duas vezes e meia mais do que o nosso país) e é uma cidade quase "dilarecerada" pela água - há muitos rios, afluentes e pequenas cidades cheias de canais. A parte principal e mais central é dividida pelo rio Huangpu - de um lado temos Pudong, do outro o Bund. Nós ficamos hospedados em Pudong - que fica do lado mais litoral, mais conhecida por ser a parte dos arranha-céus, dedicada às áreas económicas e financeiras da cidade. No entanto diria que não é o ideal para quem está em turismo, uma vez que quase todos os locais de interesse estão do outro lado do rio, o que implica estar constantemente a arranjar forma de passar as margens de um lado para o outro. Há três formas de fazer a travessia: de ferry, de carro e pelo Bund Sightseeing Tunnel (uma espécie de teleférico interior, que atravessa um túnel que une os dois lados da cidade, e que em vez de ser um mero meio de transporte - que são normalmente chatos, aborrecidos e algo demorados - foi transformado numa atração turística... embora sem grande sentido). Fi-lo das três formas - de carro é mais rápido, de ferry é mais genuíno, de túnel é mais turístico (e caro).

Curiosamente, tudo o que tinha para fazer do "meu" lado da cidade, não fiz - o plano consistia basicamente em visitar o topo de um ou dois arranha-céus, que são as estrelas de Pudong. No entanto, os primeiros dois dias foram de tempestade, em que as nuvens eram tão baixas que nem se conseguia ver o topo dos edifícios - portanto estaria a pagar para ver nevoeiro em vez da vista. Para além do nublado destes dias, Shanghai nunca tem um céu limpo - está sempre pintada a cinzento, o "smog", devido à poluição. Diria que não são muitos os dias ideais para subir às torres - nós só apanhamos um e, por ser o dia mais limpo e sem risco de chuva, optamos por tentar aproveitar da melhor forma e visitar outras coisas.

 

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Pudong visto do The Bund (North)

 

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O Bund visto do lado de Pudong, à noite - uma das minhas vistas preferidas, pois desse lado as luzes tinham um tom amarelado e quente

 

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O centro de Pudong, com vários edifícios de escritórios, um museu do lado esquerdo e vários centros comercias espalhados pelo meio

 

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A Torre da Pérola, um dos ex-libris da cidade

 

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Pouco depois do pôr-do-sol, do lado de Pudong, uma das minhas vistas preferidas

 

No primeiro dia, apesar da tempestade, fiz o The Bund todo. Tenho a noção de que, apesar do sacrifício de andar sob chuva torrencial e um calor e humidade insuportáveis, tive acesso a um luxo incrível: Shanghai estava deserta. Não havia gente nas ruas - éramos meia dúzia de gatos pingados (literalmente) e eu achei que a cidade era assim, pacífica. Só nos dias seguintes, quando o sol espreitou e principalmente no feriado do Dragon Boat Festival, é que eu tive a noção da massa populacional de Shanghai. E que massa!

Nesse primeiro dia apanhei o ferry junto ao hotel (a travessia custa o equivalente a 25 cêntimos e eu não tinha trocos para pagar - e a polícia viu-me tão aflita a tentar configurar as aplicações para fazer o pagamento que me deixou passar à borla), percorri todo o terminal de cruzeiros, passei a ponte Waibaidu (a mais antiga ponte de aço da China) e fiz todo o The Bund até chegar à rua Nanjing. O lado popular do The Bund é o lado sul, onde "desagua" a rua que mencionei - é a maior rua de lojas de que tenho memória, com mais de 5km. Apesar de indubitavelmente bonita, esta vista rio está normalmente apinhada de gente (principalmente às 19h, hora em que ligam as luzes e projeções de todos os edifícios) - e talvez por isso eu tenha gostado mais do lado norte, por ter uma vista semelhante e ser um local muito mais sossegado, com sítios para nos sentarmos e absorvermos a energia de Shanghai. Foi um dia muito cansativo - cheguei ao hotel a parecer uma sem-abrigo, com os cabelos em pé, com a roupa manchada por causa da comida que deixei cair em cima de mim à hora de almoço, com a roupa ensopada até às cuecas - mas eu estava de coração cheio. Foi o meu primeiro contacto com as pessoas da cidade, com o estilo das lojas, com a comida... tudo. E eu estava verdadeiramente encantada e espantada - porque a verdade é que fui sem qualquer expectativa e adivinhava, só por aquele primeiro dia, que afinal ia levar a mala carregada de histórias giras para contar.

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Dentro do ferry

 

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Em North Bund, num dia em que as nuvens cobriam a maior parte das torres

 

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Na ponte Waibaidu

 

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À entrada da rua Nanjing, que fica mesmo em frente ao principal miradouro do The Bund

 

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De lá, a vista era esta: bonita mas encoberta... e neste caso com muito pouca gente

 

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Do lado oposto era esta a vista: uma rua gigante e muito pouca gente a atravessá-la

 

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Rua Nanjing

 

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Na Rua Nanjing pequenos comboios faziam a travessia pela rua. É um transporte cujo público-alvo são os mais pequenos, mas é uma boa oportunidade para quem tiver mais cansado das pernas, uma vez que são os únicos veículos que percorrem esta rua pedonal

 

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Há várias estátuas espalhadas pela rua Nanjing. Esta foi a que mais gostei.

 

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São muitas as ruas perpendiculares a Nanjing. Apesar de haver semáforos, a maioria delas tem polícias sinaleiros para facilitar a travessia. O que mais se vê são motas e bicicletas - todas meio desgovernadas, conferindo claramente um perigo para todos os peões mais distraídos

 

Mas se o primeiro dia tinha sido bom, o segundo foi o que me fez apaixonar pela cidade. Fui para um bairro residencial, meio labiríntico, chamado Tianzifang - e aí é que eu soube que estava no Oriente. Motas a bicicletas em permanente rota de colisão com os peões (e carros de uma forma geral), comércio de rua muito pouco virado para os turistas... uma maravilha! O interior do labirinto é claramente mais turístico mas, ainda assim, muito genuíno - poucas pessoas a falar inglês, edifícios baixos e em tijolo, muitas roupas típicas, comida de rua. Daí segui para outro bairro, Xintiandi, que já ostentava outro nível de vida - tudo mais polido, mais ocidental, já com uma traça mais moderna e lojas internacionais e de luxo - não me apaixonou. O caminho entre estes dois pontos foi muito giro, pois conseguimos imiscuir-nos naquilo que será uma Shanghai mais realista (embora, suspeito, ainda bastante cara e com um nível de vida acima da média). Passei por centros de massagens (eles têm uma pancada por "foot massages", sabiam?), por cabeleireiros, cuecas e boxers pendurados em estendais no meio da rua, supermercados e farmácias - vi, no fundo, a vida normal a acontecer.

 

Capturas de Tianzifang (clicar para a esquerda e para a direita para ver mais fotos)

 

Fragmentos de Xintiandi (clicar para a esquerda e para a direita para ver mais fotos)

 

Pelas ruas de Shanghai (clicar para a esquerda e para a direita para ver mais fotos)

 

Tinha selecionado vários templos para ir, mas acabei por só visitar o Templo Taoísta Bayun, que ficava no encalço do caminho que tinha traçado para este dia - por acaso era o único não-budista (sendo que é também o maior em Shanghai, desta religião), o que acabou por calhar bem, mas a verdade é que me acrescentou muito pouco uma vez que as informações disponíveis em inglês são muitíssimo escassas. Gostava de ter feito uma visita guiada por lá ou ter tido mais tempo para me inteirar sobre a história daquele local e religião - mas tempo, nesta viagem, foi algo que não sobrou. A verdade é que entrei acanhada, com medo de estar a incumprir alguma regra que desconhecia; havia uma sala onde várias pessoas estavam numa espécie de cântico, com flautas transversais e murmúrios, mas mal me atrevi a espreitar, pois não sabia se era suposto ou respeitoso da minha parte. Senti-me perdida e sem contexto, o que fez com que a experiência não valesse muito a pena para mim, embora goste muito da vertente arquitetónica destes edifícios.

 

Templo Taoísta Bayun (clicar para a esquerda e para a direita para ver mais fotos)

 

Daqui segui para o sítio mais confuso onde estive em Shanghai: o Yu Yuan Market. É a loucura das comidas de rua, das lojas de brinquedos e dos souvenirs de uma forma geral. E daqui parto para a maior reflexão que fiz sobre esta cidade e sobre o país em geral: aquilo que nós classificamos como "chinesices" - coisas baratas, fracas, sem qualidade e produzidas em massa - não é aquilo que de facto há na China. Deparei-me com esta realidade no primeiro dia, quando queria comprar uma capa de chuva e não sabia onde. Se estivesse em Portugal, sabia que o sítio a ir era a uma loja dos chineses. E ali? Por um lado são tudo lojas de chineses (porque são chinesas)... e por outro não há lojas de tralhas como há aqui. E eu achei este paradoxo incrível, do estilo: "vamos lá levar as tralhas todas para os outros países, mas nós aqui ficamos com o que é realmente bom". Aqueles souvenirs básicos das torres em prata/cobre, as bolinhas de neve, os pratinhos e até os típicos ímans... eram raros de se encontrar. 

E este aparente contrassenso foi aquilo que me encantou na China e nos chineses. Eles são porcos - escarram na rua sem qualquer pudor, atiram coisas para o chão independentemente se alguém está ou não a ver - mas a cidade é das mais limpas que já conheci. Vivem num país comunista e supostamente com a economia controlada, mas aquilo que experienciei foi uma plena economia de mercado, com concorrência, diferenças nos preços e com marketing a trabalhar (algo que não senti na Rússia, em 2016, quando lá fui). É uma ditadura mas o medo e a coibição não se sente no ar - e não há, pelo menos em Shanghai, nenhum culto à imagem do líder (também nada parecido com o que vivi na antiga União Soviética). Eles estão espalhados por todo o globo, tornaram-se indispensáveis para todo o mundo... mas só deixam entrar quem querem, a dedo, num dos processos de imigração mais complicados e extensos que tive de fazer até hoje. Eles espalharam o "made in China" como uma pandemia, mas dentro de portas só vendem o que é deles. Eles são magros, mas a sua comida típica é repleta de fritos, hidratos e molhos doces (e também são muito gulosos - com uma pancada particular por palmieres). Os chineses não são simpáticos, nem sequer particularmente gentis - mas são eficazes, respondem ao que lhes é pedido e têm atos singelos de boa conduta. Parece-me ser um país de contrastes, de antíteses, de paradoxos - e isso fascinou-me. 

Mas voltando àquilo que visitei: no Yu Yuan Market, na altura já com o Miguel, demos por nós a ser "raptados" por uma vendedora que nos levou até a um mercado nas redondezas (e catacumbas) do mercado principal. Não sei ao certo o nome nem o lugar, mas batizamo-lo carinhosamente como "A Fonte do AliExpress" - pois, aí sim, havia tralha. Todo o tipo de roupas, capas de telefone, crocs falsas, caixas para souvenirs, sacos, colares, molas de cabelo, botões, facas e utensílios de cozinha... you name it. É uma espécie de feira, mas fechada e apertada, com cubículos mínimos onde o objetivo é conseguir pôr o maior número de objetos numa "loja" de três metros quadrados. Vimos, literalmente, a embalarem as encomendas que tipicamente recebemos em casa através do AliExpress - daí o nome que lhe demos. Creio que mais do que um mercado para os locais, este é quase um sítio para retalhistas. Se estivesse sozinha tinha abortado imediatamente aquela missão - é uma das minhas regras de ouro não seguir estranhos para qualquer tipo de beco - mas como estava acompanhada decidimos ir. Não encontramos aquilo que queríamos e saímos de lá rapidinho, com medo de sermos vendidos aos pedaços. A verdade é que acabamos por lá voltar dois dias depois, no feriado nacional, altura em que havia por lá muito mais gente e acabou por ser uma experiência divertida.

 

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Um dos cantos do Yu Yuan Market

 

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Completamente ensopada depois de um dia que já ia longo. Aqui dentro do Yu Yuan Market, com um pequeno admirador chinês a olhar para mim - algo comum, uma vez que os mais novo não estão nada habituados a ver ocidentais

 

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Uma das vistas do Yu Yuan Market, naquilo que já será parte do jardim

 

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Numa das ruas exteriores do Yu Yuan Market

 

"A Fonte do Ali-Express" (clicar para a esquerda e para a direita para ver mais fotos)

 

O último dia completo em Shanghai acabou por ser aquele em que apanhámos melhor tempo e que conseguimos passar juntos, na totalidade. Com a meteorologia a ajudar e com os pontos principais já visitados (principalmente por mim), decidimos ir fazer uma tour privada a Zhujiajiao, uma cidade a cerca de 60 km do centro. Shanghai é composta por inúmeras cidades que estão rodeadas por canais, estilo Veneza, e mais do que tirar partido disso como um chamariz turistico, eles usufruem internamente - é lá que vão aos fins-de-semana e que passeiam ao ar livre, longe de grandes urbanizações ou do centro movimentado. A tour ocupou toda a manhã, incluiu transfer do hotel até à cidadezinha, entradas num templo (Yuanjin Temple), casa e jardins, almoço, um passeio incrível de barco pela ria e até gelados e bebidas - tudo isto acompanhados de uma guia, que foi das coisas que mais valor acrescentado trouxe à nossa viagem.

 

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Dentro de uma casa típica e rica de Zhujiajiao, com a estátua em forma de cavalo - um símbolo de sorte

 

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Os adornos de toda a espécie - pontes, escadas, pequenos recantos - eram normais nestas casas, uma vez que as mulheres e as crianças passavam praticamente toda as suas vidas dentro deste perímetro, sem grande liberdade. Tinham de existir, por isso, muitos hobbies e sítios para estar, de forma a irem-se entretendo

 

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Um jardim de bambu dentro do jardim

 

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Os lagos são um dos princípais componentes arquitetónicos das casas ricas na China. Estar à volta de rios (ou água) e montanhas era crucial para se sentirem protegidos

 

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Rodeada de desejos e pedidos

 

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Não sei se visitamos a cidade numa altura especial, mas muitas das gôndolas estavam adornadas com flores, principalmente hidrângeas

 

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O nosso gondoleiro

 

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À falta de Veneza, "gondolamos" em Zhujiajiao

 

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As vistas de um dos canais em Zhujiajiao

 

Isto porque os chineses não falam inglês - ou, se o fazem, são parcos em palavras. A grande maioria das interações que tive foram por gestos - eu apontava para a comida, eles apontavam para o valor na máquina de calcular...e os negócios faziam-se. No limite usava o tradutor para conseguir fazer-me entender quando o assunto não era passível de ser gesticulado. E desenganem-se: nem mesmo no hotel falavam inglês fluentemente. Nas lojas mais turísticas também não - só o básico. Por isso eu agarrei a oportunidade para falar com a Queen, a nossa guia, com unhas e dentes. Apesar de ter adorado a experiência de visitar Shanghai sozinha, senti falta de ter alguém com quem trocar impressões ou opiniões. Então tinha muitos pensamentos e dúvidas guardados em mim, oriundos daquele par de dias solitários, e decidi questionar a guia sobre tudo aquilo que tinha ficado por resolver na minha cabeça - desde coisas mundanas até às mais inusitadas (que me valeram até reprimendas do Miguel - foi só uma, na verdade, quando perguntei que tipos de carnes é que os chineses comiam... e quando sugeri se ratos não estariam no menu ). Quis perceber como era a vida, se saíam de casa dos pais cedo, se o custo de vida era elevado, se tinham livre acesso às escolas e universidades, como é que neste momento se posicionavam em relação aos filhos (depois de tantos anos com a política do filho único) e afins. Foi uma conversa muito interessante e enriquecedora. É difícil ter acesso a um chinês que esteja disponível e aberto para responder às nossas questões, por mais parvas que pareçam - não só pela barreira linguística mas também porque não são um povo dado ou disponível para grandes conversas.

Nós marcamos este tour através do Viator. Também foi nesta plataforma que marcamos o transfer que nos levou do aeroporto até ao hotel, quando chegamos. Nunca tínhamos utilizado mas ficamos clientes - e, na China, é sem dúvida um bom investimento. Não só porque os preços não são exorbitantes (principalmente tendo em conta tudo aquilo que oferecem), mas porque fazer viagens mais longas em táxi é terrível. Foi aquilo que menos gostamos lá. Os chineses conduzem, na sua generalidade, como uns loucos - mas os taxistas são, claramente, a pior espécie. Estão sempre à conquista de um segundo extra na viagem, como se estivessem permanentemente a ser perseguidos por uma polícia invisível. Os carros estão todos sujos, cheiram mal (na China fuma-se imenso e só há pouco tempo é que impuseram algumas regras, nomeadamente nos quartos de hotel, que proíbem o fumo em certos sítios), a comunicação é muito difícil (é preciso ter sempre o nome do hotel escrito em chinês e, de preferência, o táxi deve ser marcado por alguém que fale mandarim, para não haver dúvidas) e o sentimento de insegurança é generalizado. Perdi a conta à quantidade de acidentes que achei que íamos ter nos vários táxis que tivemos de apanhar - era viajar com o coração nas mãos. Marcando transfers a parte da comunicação - pelo menos o essencial, como os sítios de recolha e de poiso - fica automaticamente tratada e as condições são muito melhores; andamos sempre em vans, com autênticas poltronas atrás, em pele e com todas as comodidades (incluindo ar condicionado, que é coisa que eles não usam muito lá, apesar de fazer um calor dos ananáses).

Mas voltando à tour: todo aquele contexto que me faltou quando visitei o primeiro templo, aqui tive em barda. Foi óptimo! O povo chinês é cheio de superstições e tradições, atribuindo significados a tudo - penso que era algo a que ligavam mais no passado, mas ainda hoje mantêm alguns costumes e ideias. As portas têm um formato específico para atrair a sorte; normalmente há sempre uma trave no fundo das portas, não só por questões práticas como prevenir inundações, mas também para não entrarem maus espíritos; os anos do dragão e do touro são aqueles em que há mais natalidade, pois são aqueles em que os rebentos têm melhores características (eu sou do ano do porco, o que a Queen diz que também não é mau, "pois não tenho de fazer nada pela vida, é só comer a comida que me atiram"), e o ano do coelho é bom para nascerem meninas; têm quatro flores que significam as quatro estações do ano (a orquídea na primavera, a flôr de lotus no verão, o crisântemo no outono e o "plum" - creio que uma espécie de flôr de cerejeira - no inverno); têm uma série de símbolos que é conveniente ter em casa - nomeadamente os três homens sábios (Fu, Lu, Shou), que devem estar estrategicamente posicionados para trazerem sorte, prosperidade e longevidade à família que lá viva. São inúmeras as tradições e superstições que têm, todas elas giras e enriquecedoras, que nos permitem olhar para os edifícios e até para o povo de uma forma diferente.

 

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Pelas ruas de Zhujiajiao

 

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Zhujiajiao está repleto de pequenas pontes onde conseguimos ter vislumbres das casas "reais" chinesas

 

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Varandas, ar condicionados, roupas estendidas e muitas plantas - em tudo semelhantes a nós ;)

 

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Dentro do Yuanjin Temple, num dos vários locais de oferendas

 

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Os canais vistos de dentro do templo

 

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Happy girl!

 

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Dentro de outra das casas que visitamos. Os chineses são loucos por pedras e as suas formas, colocando-as a adornar espaços tanto interiores como exteriores (aqui, na margem do lago). As janelas sao muitas vezes redondas de forma a enquadrar a vista e torná-la ainda mais bonita

 

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Fu, Lu, Shou - os três homens sábios que trazem sorte, prosperidade e longevidade para dentro de uma casa. Comprei uns em ponto pequeno e foram o souvenir que trouxe para mim, de lá 

 

No dia da viagem ainda deu para mostrar ao Miguel o bairro de Tianzifang e de passar na rua Fangbang, a parte mais antiga de Shanghai, que acaba por nos levar de novo ao mercado de Yu Yuan. 

 

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O arco de Fangbang

 

O que ficou por visitar e fazer:

- Templos: Jing'an, Jade Budha (dizem ser o mais bonito), Confucio, Longhua Temple (que tem uma pagoda).;

- Visitar o Yu Yuan Garden, o maior e mais famoso de Shanghai, que fica no mesmo quarteirão do mercado;

- Subir a uma das torres em Pudong (a Oriental Pearl Tower, o Shanghai World Financial Center, a Jinmao Tower e a Shanghai Tower);

- Fazer um cruzeiro no rio Huangpu;

- Ir ao Fake Market e ao Outlet (Shanghai Village);

- Visitar outras pequenas cidades, como Qibao, Suzhou e Hangzhou.

 

Eu, no fundo, passei quatro dias inteiros na cidade - três deles em passeio. Diria que o essencial ficou visto, mas gostava de ter ido ao jardim Yu Yuan, subir a uma torre e visitar Suzhou (que dizem ser a Veneza Chinesa, por também ser rica em canais) e Hangzhou (que é supostamente uma das pequenas cidades mais bonitas ao redor de Shanghai). Tendo em conta que passei algum tempo a repetir locais para mostrar ao Miguel, diria que cinco dias bem batidos - daqueles em que se aterra diretamente na cama depois de muitas horas de passeio - chegam para ver a cidade e arredores. Seis dias é, talvez, o ideal para se poder vivenciar tudo com calma - e, já agora, para poder controlar um bocadinho o jet lag. Nunca na vida tinha feito uma viagem tão longa em tão curto espaço de tempo (saímos de Portugal numa sexta-feira e voltamos na sexta seguinte) - e uma maluquice destas é só mesmo para quem estiver com vontade e espírito, porque o corpo ressente-se (independentemente da idade). Acho que, viajando com tempo, o ideal é fazer uma paragenzinha no Dubai ou, depois da China, ir descansar uma semana para a Tailândia, que é literalmente ali ao lado (e os voos são baratos!).

Se eu voltava a repetir uma façanha destas em apenas uma semana? Voltava. Se valeu a pena? Valeu. Gostei muito! Vim com mais força e mais inspirada para trabalhar - e, na verdade, para viver a vida.

Sinto que falar bem da China está quase ao nível de falar bem da Rússia ou da Coreia do Norte - talvez seja o exemplo mais brando, em que as opiniões não são tão fortes, mas não diria que o Ocidente tem uma visão positiva dos chineses. E, acima de tudo, hoje apercebo-me mais do que nunca que estamos carregados de preconceitos. E por isso é que desde que cheguei que, quando demonstro o meu entusiasmo e a minha opinião, sinto que estou a ir contra a corrente e a dizer coisas que as pessoas não querem ouvir. Mas a verdade é uma: se criticamos a repressão nestes países, sendo nós (neste caso, eu) livre, posso expressar aquilo que senti e vivi. E a verdade é que foi um país onde me senti sempre segura (vá, tirando nos táxis) e onde tudo era ordenado, bem sinalizado e civilizado - com todas as atenuantes óbvias e por vezes desconfortáveis que existem por ser uma cultura muito diferente da nossa. Se eu acho correto estar a ser vigiada por vinte câmaras num poste de eletricidade a cada cruzamento onde passo? Se me perturba o controlo que há sobre tudo o que se visita na internet? Se me chateia a ideia de ser vigiada, física e virtualmente? Se pensar muito no assunto a fundo, sim. Mas, na realidade, é-me honestamente indiferente - porque tenho a plena consciência de que também acontece cá, mas de forma dissimulada. Mal por mal, prefiro que as instituições tenham os tomates para tomar as suas posições e que deixem de ser  uns diabos em forma de anjo... até nisso gostei da China! Ao menos assumem o que são. 

Por isso, fica a dica: podendo, visitem Shanghai, porque muito do que ouvimos em relação a este país é ruído - há muito por onde criticar, desde decisões políticas, económicas e ambientais. Mas o melhor é mesmo tirarem as vossas próprias conclusões tentando conhecer melhor a realidade de perto. Não tenho dúvida que, para mim, foi a surpresa do meu ano - e um rebuçado dado meio que à pressa mas que soube muito, muito bem.

Em breve trago outro post com dicas úteis e curiosidades.

 

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Num dia bem mais concorrido e de céu mais limpo, na parte mais concorrida do The Bund

 

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Na Torre do Memorial dos Heróis do Povo de Shanghai, que fica no início do The Bund South, após a ponte. É uma estrutura grande mas semelhante a tantas outras que celebram feitos bélicos

 

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Provavelmente uma das passadeiras mais movimentadas de Shanghai: a que liga a Rua Nanjing ao The Bund. Isto foi no feriado, dia em que aparentemente todos os chineses saíram à rua

05
Nov22

Santorini, a ilha instagram

Foi em grande parte por causa das ilhas gregas que escolhemos este cruzeiro. Na verdade, a ideia era já o termos feito: em 2020 tínhamos marcado, com a Celebrity Cruises, um cruzeiro com uma rota muito semelhante a esta, que iríamos fazer com os meus pais, mas que acabou por ser cancelado devido ao Covid. Dois anos depois decidimos apostar no mesmo cavalo - ainda que numa empresa diferente e numa viagem só a dois - e foi da maneira que tivemos uma experiência diferente.

A primeira de quatro paragens na Grécia seria Santorini - talvez a ilha com mais hype de todas. E eu, que não gosto de criar suspense, vou pôr já as cartas em cima da mesa: Santorini é uma ilha ao bom estilo das influencers de instagram. Porque vive da imagem e não do conteúdo; porque é bonita para a foto, mas fraca na vivência - e implica que se escolha bem o ângulo, para não vermos a realidade. Foi, para nós, a maior desilusão de toda a viagem.

O cais do porto de Santorini não é grande o suficiente para albergar um barco como o que viajamos, por isso o navio fica ao largo da ilha e as pessoas vão saindo em tranches, através de botes, para chegar até terra. Isto já não era novidade para mim - no cruzeiro anterior, quando parámos no Montenegro, já tinha acontecido o mesmo. A saída do navio é, por isso, mais demorada e complicada - mas muito pior é o que vem a seguir. Enquanto percorremos, de barquinho, as centenas de metros que nos separam de terra, vamos namorando aquela escarpa enorme, pintada de branco, que se estende à nossa frente. A questão é como chegar lá acima.

 

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A vista do navio para a ilha. Ligeiramente à esquerda pode ver-se o topo cheio de casas brancas - e, com zoom, percebem o caminho que pode ser feito na escarpa para chegar lá acima

 

Mal aportamos é difícil gerir o caos de pessoas que se forma num espaço tão pequeno. Mas rapidamente se percebe que para ir para o topo da ilha só há três soluções: ou se vai de teleférico, cuja fila de espera naquele momento rondava uma hora (para se ter uma noção, transporta cerca de 35 pessoas a cada 4 minutos - o nosso barco tinha 4 mil passageiros, por isso é só fazer a conta); ou se vai de burro, por uma escadaria íngreme; ou se sobe, a pé, através dessa mesma escadaria. Como queríamos aproveitar o tempo da melhor forma possível (e por isso não tencionávamos esperar na fila) e a subida de burro estava totalmente fora de questão, escolhemos a terceira opção. A penantes. E que mau que foi.

Primeiro porque é duro: tanto eu como o Miguel estamos em boa forma física, mas subir 600 degraus debaixo de mais de 30ºC, sem sombras e na hora de pico do calor, foi muito complicado. Segundo porque as condições da escadaria são más, tanto ao nível da infraestrutura (muito escorregadias) como de limpeza. O que nos leva ao terceiro ponto, porque é lógico que os pobres burros e cavalos defecam e urinam pelo caminho sendo que, com aquela temperatura, todos os cheiros ficam ainda mais intensos (outra coisa que não passa pela beleza do instagram), tornando-se nojento e intolerável passar em alguns locais com as narinas abertas. Já para não falar do quão degradante é ver aqueles animais a serem obrigados, de forma consecutiva, a subir e a descer aquela ravina - cansados, extenuados, a suarem do pêlo como se de gente escrava se tratasse. É degradante, triste e perigoso - até porque aqueles cascos gastos e maltratados, em conjunto com a pedra polida das escadas, faz com que os bichos escorreguem enquanto descem as escadas. Isto para além das vezes em que passam por nós desgovernados, obrigando toda a gente a desviar-se e encostar-se à parede se não se quer ser "passado a ferro". Evitei, sequer, olhar para eles - porque, honestamente, as lágrimas vinham-me aos olhos, e eu nada podia fazer a não ser boicotar aquele tipo de negócio, que devia mesmo ser proibído. Que se lixem as tradições: aqui em Portugal também achavam muita graça a pôr espetos em touros e agora vê-se cada vez menos este tipo de espetáculos. Era bom que as entidades competentes ganhassem tomates e acabassem com este tipo de negócios de uma vez por todas - e dotassem a ilha de serviços e estruturas competentes, não dependentes de animais, já que não estamos no século XIX.

E isto leva-me à primeira conclusão que tirei sobre esta ilha: Santorini não tem condições para receber barcos daquela dimensão. Não tem estrutura para escoar tanta gente. E, como cereja no topo do bolo... não tem razões para receber a quantidade de pessoas que recebe por ano. Se possui umas águas com um azul incrível? Sim. Se tem uma baía muito bonita que dá gosto apreciar? Também. Se reúne muito mais que isso? Não, de todo. Vale tanto como um photo stop numa qualquer cidade bonita: vale a pena a paragem para tirar a foto, mas depois segue-se viagem. Daí ser, para mim, a ilha instagram.

 

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Uma das primeiras imagens que se tem da ilha, e a mais triste: a exploração dos burros e dos cavalos para subir a escarpa

 

Aquela subida acabou por condicionar todo o tempo que passamos na ilha: serviu-me de muito pouco a boa forma física, porque como a grande maioria dos turistas, acabei a escadaria a parecer que estava em fase final de trabalho de parto, a respirar com dificuldade e a ver se conseguia um bocadinho de ar extra que me enchesse os pulmões, me baixasse o ritmo cardíaco e me fizesse parar de suar em bica. Não o sabia, mas entre o esforço e o sol em excesso, penso que apanhei uma insolação, que me deitou para a cama horas a fio no dia seguinte, como se um camião me tivesse passado por cima. 

A verdade é que chegamos rabugentos e com a mente pouco aberta para a "pobreza" que encontramos lá em cima. O final da escadaria é uma espécie de marina de Vilamoura em forma de ruelas estreitas: lojas de souvenirs e roupas, cafés e restaurantes. Denominador comum? Os preços e pouca simpatia. Foi o sítio mais caro onde estivemos: ímans a cinco euros, coca-colas a sete (das pequenas!), roupas e joias que nem valia a pena espreitar a etiqueta. Se quisessem parar para ganhar fôlego junto a um montra, vinham logo perguntar se estavam interessados em algo - se a resposta fosse negativa, pediam rapidamente que desimpedissem o caminho a outros que fossem potenciais compradores. Horrível.

Em todos os guias turísticos a cidade de Oia é a que tem mais destaque - mais do que a cidade, o seu pôr-do-sol (mais uma vez, tudo para o instagram). Mas de Fira, onde aportamos - que se situa mais ao menos a meio da ilha - até Oia, que fica no extremo, ainda é meia hora de carro - e as irrigações dos transportes públicos são muito fracas em Santorini. E se há coisa que é sagrada, num cruzeiro, são as horas: não pode haver derrapagens, sobressaltos ou problemas. Todos os (potenciais) problemas, atrasos ou sustos têm de ser antecipados; as coisas têm de ser obrigatoriamente feitas com tempo e temos de dar margem para que algo possa correr mal - e, ainda assim, chegarmos a tempo do "all aboard". Havia gente nos grupos de facebook do cruzeiro a ponderar ver o pôr-do-sol em Oia, mas para nós estava mais do que fora de questão (na verdade, acho que não foi sequer exequível, uma vez que o pôr-do-sol era ainda muito tardio na altura, mas não fui testemunha de alguém ter ficado fora do barco só para poder tirar a foto mais famosa de toda a Grécia). Podíamos ter feito uma visita guiada mas, para apenas uma tarde (só chegamos à ilha pelas 14h e tínhamos de sair antes das 21h), o conteúdo das tours e o seu preço elevado (como tudo naquela terra), preferimos abdicar da visita a esta parte da ilha e ficar por Fira, a capital.

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O nosso barco naquela baía que rodeia a ilha de Santorini

 

Dos vários guias que pesquisei nas semanas anteriores à nossa partida, nenhum tinha um roteiro definido ou prático do que visitar - mencionavam algumas igrejas (todas as que encontramos estavam fechadas, com excepção de uma), o vulcão (Nea Kameni, uma ilha vulcânica com baías de água quente, que não tínhamos tempo de visitar), a "rua dourada" (Ypapantis street) onde se encontram as lojas mais caras da região e pouco mais. Posto isto, optamos simplesmente por ir andando e nos perdermos nas ruelas da cidade, para tentarmos entender qual era a magia de tudo aquilo - e a razão pela qual tanta gente gostava daquela ilha.

A verdade é que não percebemos. É de facto bonito ver a escarpa pintada de branco, cheia de edifícios caiados, que contrastam com aqueles azuis, do céu e a água, cada um mais puro que o outro. Mas é isso - e praticamente "só isso". O outro lado da ilha - que erradamente, como todas as outras pessoas, não fotografei por sentir que não era "conteúdo fotografavel" - é árido e quase desértico, sem interesse ou beleza natural. A vertente cultural... é quase inexistente. O que é que se faz em Santorini? Come-se em restaurantes onde se paga a peso de ouro? Apanham-se banhos de sol em páteos de dez metros quadrados, onde depois teremos a oportunidade de nos refrescarmos num tanque a que chamam piscina, com quatro metros quadrados? É para isso que se paga milhares de euros por semana? É para podermos ter uma foto numa piscina infinita, em cima daquela escarpa, apanhando a água e um bom bocado da ilha - e se calhar fazê-lo ao pôr-do-sol, para termos a certeza que vai ser a foto com mais likes do ano? É um fenómeno que não entendo. 

 

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A cúpula de uma igreja - dos ex-libris da ilha por terem as suas cúpulas pintadas de azul

 

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E escarpa pintalgaa de branco, com os edifícios caiados, seus páteos e piscinas

 

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O interior de um hotel típico em Santorini: um páteo com cadeiras para apanhar sol e um tanque para tomar banho; havia outros maiores, com piscinas decentes, mas a maioria era deste género

 

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Gostamos de ver as igrejas com as cúpulas azuis, de tirar algumas fotos bonitas e de apreciar as vielas quase labirínticas de Fira, mas depressa nos cansamos - até porque o sol não deu tréguas e tornava muito difícil o passeio, numa cidade onde as sombras quase não existiam. Ainda parámos para beber uma coca-cola num restaurante e demos uma última volta na praça Theotokopouloue, onde visitamos a Catedral Ortodoxa, que é pequena mas bonita. Depois, sem grande vontade de continuar por ali perdidos e desta vez já sabendo ao que íamos, decidimos descer os 600 degraus, desta vez que de forma pausada, sem pressas e apreciando a vista e o caminho - desta vez bem mais calmo, dada a hora e o fluxo de turista que já havia diminuído drasticamente.

 

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O exterior da Catedral Ortódoxa, na praça Theotokopouloue

 

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No interior da Catedral Ortodoxa

 

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Detalhe da cúpula no interior da Catedral Ortodoxa

 

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Os burros só fazem cerca de 85% a 90% da escadaria - o restante tem mesmo de ser feito a pé, percorrendo todas as lojas e restaurantes. Aqui vê-se o topo da "fila", na parte de cima da escarpa, com os donos dos burros à espera de negócio

 

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A fila alonga-se durante muitos metros - e muitos degraus. São centenas de burros e cavalos que são explorados para este negócio. Na foto, atrás, consegue ver-se o teleférico

 

E assim terminou a nossa breve passagem por Santorini, que só me faz destacar aquilo que para mim é mais uma das melhores coisas dos cruzeiros: nos sítios que não gostamos de conhecer e visitar, há sempre a hipótese de ficar dentro do barco e de desfrutar de todas as atividades que eles lá oferecem (na verdade, pelos grupos do facebook, apercebemo-nos que esta é uma paragem que muita gente "dispensa" - e agora percebemos porquê). Para além disso, como Santorini é caro, é também um bom exemplo das muitas vantagens que se tem em fazer este estilo de viagem - conseguimos ter uma ideia do que a ilha tem para oferecer e não fomos obrigados a pagar um balúrdio pela estadia (e acreditem - os hotéis são caríssimos!), a pagar restaurantes (almoçámos e jantamos no barco) nem a ficar mais tempo em terra do que aquele que achamos necessário. Quando ficámos cansados, apanhamos o bote de volta ao barco e demos como finalizado este ponto de paragem. 

Acho que é perceptível que não ficamos fãs de Santorini, mas por tudo o que mencionamos acima, foi óptimo tê-la conhecido no âmbito de um cruzeiro - até porque, na verdade, era um destino que nos aguçava a curiosidade e que já tínhamos até posto em cima da mesa para passar umas férias mais longas. Foi da forma a que não viemos ao engano, ficando ao mesmo tempo a conhecer mais um destino - e, no final de linha, podendo riscá-lo da lista dos futuros planos de férias. Poder fazê-lo sem gastar nenhuma fortuna nem muito tempo foi como matar dois coelhos de uma só cajadada - algo que já me tinha acontecido com a Finlândia (que também não adorei...) e que se tornou, rapidamente, numa das coisas que mais gosto neste estilo de férias.  

 

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A descer todos os santos ajudam - mas, mesmo assim, custou bastante - os joelhos que o digam, de tanta tração que fizeram!

 

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No bote que nos levaria de regresso até ao barco. Até sempre, Santorini!

22
Out22

Roma, uma cidade com história em cada esquina

Quem me segue há alguns anos sabe que sou uma grande adepta de cruzeiros. Já tinha feito dois - podem ler tudo o que escrevi sobre eles na através das duas tags que criei na altura, "Cruzeiro no Báltico" e "Cruzeiro no Adriático" - e convenci o Miguel a fazer aquele que foi o meu terceiro (o primeiro dele). Não foi fácil inicialmente, pois este estilo de viagem tem sempre colada a ideia de que é para velhos e é tudo uma chatice - mas depois dos meus vastos relatos lá o convenci. Acho que a fase que atravessávamos jogou a meu favor: apesar de, algures em Abril, o fantasma do Covid já estar mais esbatido, o setor dos cruzeiros ainda atravessava uma fase muito crítica devido à pandemia; penso que todos nós nos lembrámos de ver nas notícias o terror que foi quando houve surtos em vários navios e isso marcou amplamente o ramo da navegação. Os barcos passaram mais de um ano parados e altamente condicionados nas suas rotas, tendo um prejuízo gigante. Isso fez com que, na altura em que os países começaram a levantar as barreiras, eles estivessem em ânsias para vender passagens - e, para isso, fizeram grandes promoções, nomeadamente para os cruzeiros de 2022, que já estavam ali ao virar da esquina e cuja incerteza ainda batia à porta. Ainda hoje há boas promoções - se querem fazer uma viagem destas, continua a ser uma boa altura para aproveitar - mas dada a altura em que marcámos, conseguimos fazer um óptimo negócio.

A parte difícil veio depois: escolher. Primeiro a rota, depois a companhia. Se já leram o texto sobre as Maldivas, devem ter percebido que o Miguel é extensivo nas pesquisas que faz, querendo sempre que tudo corra pelo melhor; para isso procura e retira tanta informação sobre as opções disponíveis que, a certa altura, nem sabe o que fazer com tudo o que recolheu. Eram vários fatores que queríamos conjugar: ele queria navegar num barco grande e recente, eu queria viajar numa companhia com a qual tivesse confiança. Para além disso, gostava que um de nós ficasse a conhecer, pelo menos, um sítio novo. Apontámos logo para o Mediterrâneo - o que, apesar de excluir logo uma série de hipóteses, não ajuda imenso, pois é dos locais mais navegados, com imensas opções de rota. Fomos atraídos pela ideia das ilhas gregas e, pouco depois, decidimos navegar no Escape, da Norweiggian Cruise Line, companhia da qual eu já tinha recebido boas referências. Eu já tinha navegado com a Royal Caribbean e a Celebrity, por isso achei que seria bom ter mais uma empresa no repertório - e a verdade é que gostamos muito. Como disse acima, usufruímos de uma série de boas promoções; todas as companhias tinham campanhas, com diferentes ofertas, mas quase todas interessantes e algo semelhantes. No nosso caso, com a marcação de um quarto com varanda a um preço mais simpático que o habitual, ainda conseguimos extras como 150 minutos de internet (que, no barco, é paga a preço de ouro), desconto de 50% em excursões para um dos viajantes, dois jantares em restaurantes temáticos (pago aparte), o pack mais barato de bebidas, que permitia que bebêssemos "à pala" qualquer bebida até um determinado valor (que felizmente incluía Coca-Cola, a única bebida que ingerimos para além da água durante todo o cruzeiro) e, não menos importante, as viagens de avião. Quanto à rota, partiríamos de Roma e zarparíamos logo para a Grécia, onde após um dia de navegação (e supostamente o único), visitaríamos Santorini, Atenas, Mykonos e Corfu - e eu faría o meu "check" na Grécia, país onde nunca tinha ido; depois pararíamos em Malta e, a seguir, partíamos para a parte italiana do cruzeiro, em que o plano era atracar em Messina, na Sicília, depois em Nápoles e por fim Livorno (para eventualmente visitar Florença). Como lerão nos textos seguintes, este roteiro sofreu alterações - e não foram para melhor. Mas "first things first".

A viagem começou de Roma, onde fomos com pouca coisa planeada - gosto sempre de ter roteiros feitos e prontos antes dos passeios, mas nenhum de nós conseguiu dedicar o tempo que queria a esta causa. Nas semanas anteriores eu tinha recolhido informação sobre os sítios onde íamos passar (o que visitar, onde comer, etc.) , mas nunca cheguei a tempo de fazer uma lista ou um top dos locais a visitar. Foi tudo muito em cima do joelho e isso stressou-me - assim como o facto de já não estar habituada à pressão temporal que um cruzeiro acarreta, pois são poucas horas em cada sítio e é preciso estabelecer prioridades e fazer escolhas. Na noite anterior a partirmos para Roma, sentamo-nos hora e meia no sofá e, com recurso aos guias que tinha recolhido, fizemos um roteiro onde tentamos optimizar o tempo e as pernas, vendo o maior número de monumentos que conseguíssemos e andando o menos possível (e, como tal, "perdendo" menos tempo entre locais de interesse). Quando nos fomos deitar, a cabeça não me deixou sossegar: porque devia ter marcado mais uma noite em Roma, porque o nosso roteiro era demasiado ambicioso tendo em conta o tempo que tínhamos, porque assim não íamos ter tempo para ver nada de forma decente e "ai que não sei quando é que vou voltar a ter oportunidade de visitar Roma, devia ter planeado isto com mais tempo, que negligente". Enfim, foi um desassossego. Isto aliado ao facto de estarmos a atravessar, à época, umas noites quentíssimas, de nos termos de levantar às 4h da manhã para ir para o aeroporto e - sejamos sinceros - por eu estar em ânsias por fazer finalmente mais uma grande viagem, só dormi um par de horas na noite que antecedeu a partida. Foi um pontapé de saída mais complicado, mas que nas horas seguintes não viria a ser facilitado.

Como os nossos vôos foram marcados pela companhia de cruzeiros não tínhamos em nossa posse as reservas completas, apenas os dados base que serviriam para fazer o check-in no aeroporto. Faríamos escala em Madrid, num vôo operado pela AirEuropa, e seguiríamos para Itália pela Alitalia - foi a nossa estreia em ambas as companhias. As escalas não eram generosas em termos de tempo, mas exequíveis. Pior foi quando chegámos ao aeroporto e se abateu um nevoeiro cerrado, que começava a atrasar vôos de forma sucessiva. Pior: por alguma razão que nos é alheia (e que, supostamente, também era ao funcionário que estava no balcão), não nos conseguiram fazer o check-in para Roma. Tentamos fazê-lo online, ligámos para o apoio telefónico da companhia, mas nada feito: ninguém conseguia dar a nossa entrada no avião. As indicações que nos deram foi para ir aos balcões das companhias, quando chegássemos à capital italiana, de forma a resolver o problema - mas, para isso, era necessário chegar a tempo e não perder o avião. 

E apesar de termos saído com uns 45 minutos de atraso no Porto, conseguimos: fomos dos primeiros a sair do avião e fomos a abrir até ao balcão da companhia mais próxima... que estava fechado. Interpelamos umas hospedeiras de bordo, que nos sugeriram ir para a porta de embarque e falar com as colegas que lá estivessem; pelo caminho ainda parámos num balcão de informações, onde nos disseram perentóriamente que tínhamos de sair da zona de embarque, fazer o check-in normalmente, passar de novo na segurança e embarcar - o que, no tempo que tínhamos, era digno de um filme Missão Impossível. Decidimos arriscar e esperar na fila para o vôo - e quando as hospedeiras chegaram, traziam dois bilhetes na mão. Eram os nossos. Não sei se foi o funcionário do guichê em Portugal que fez chegar a mensagem ou se foi pelo telefonema para a central, mas alguma coisa aconteceu ali para nos trazerem os bilhetes. Foi um alívio - e, pelos vistos, não é uma situação pouco comum, pois dizem que as plataformas da AirEuropa e da Alitalia não são compatíveis, apesar de terem uma parceria (e ambas deitam as culpas uma à outra pelo sucedido). Como de costume, quem fica a perder somos nós - e, se tivéssemos feito o que nos haviam sugerido, provavelmente teríamos perdido o avião. Não foi uma situação simpática e fez-me ficar com muito pouca vontade de voltar a voar nestas companhias.

Mas a verdade é que chegámos a Roma - e, connosco, a mala de porão (uff, um alívio!). Ainda no aeroporto comprámos bilhetes para o Leonardo Express, que faz sem paragens a ligação entre o aeroporto e o centro da cidade. No dia anterior, para além da rota apressada, tínhamos também tratado de comprar bilhetes para o comboio que, no dia embarque do cruzeiro, nos levaria do terminal central de Roma até Civitaveccia, onde estava atracado o nosso barco; no entanto, como não sabíamos ao certo as horas a que aterraríamos (entre atrasos e malas, nunca se sabe com o que contar), preferimos adquirir o bilhete na zona das chegadas do aeroporto. A compra foi rápida e prática, assim como a viagem, que foi muito tranquila e surpreendentemente silenciosa.

Chegados a Roma Termini, seguimos a pé para o nosso hotel. Marcamos um sítio próximo desta zona de forma propositada, para estarmos com boa acessibilidade ao metro e aos comboios - é uma prática que costumo ter, mas precavenho-me sempre, pesquisando sobre a zona em questão. Por alguma razão que desconheço, as redondezas de muitos terminais de comboios não são propriamente simpáticas, sendo locais muitas vezes "mal frequentados", onde prevalece um sentimento de insegurança. Daquilo que pesquisei, não é o caso de Roma - e como tal decidimos ficar num hotel que ficava a cerca de 15 minutos a pé (embora não aconselhe que o façam - os passeios e estradas ali à volta não estão preparadas para quem traz malas grandes - de tal forma que, à ida, preferimos ir de táxi), o The Radical Hotel. Ao contrário da maioria dos hotéis na capital italiana, não tem uma traça antiquada; embora eu ache graça ao estilo clássico, confesso que nem sempre me inspira confiança (vem-me sempre o cheiro a velho à memória, com a qual não simpatizo), pelo que preferimos um hotel atual e que nos pareceu prático e bem localizado. Fica num segundo andar de um prédio antigo, com direito a elevador de ferro e a um terraço comum com os outros moradores do edifício; o quarto era pequeno mas confortável, a casa de banho era grande tendo em conta o tamanho da habitação. O pequeno-almoço foi servido no quarto e o serviço foi muito amistoso. Gostámos.

Depois de pousarmos as malas demos início ao roteiro que havíamos traçado no dia anterior - fizemos apenas uma paragem antes de começarmos a caminhada, para recuperarmos energias de uma noite mal dormida e de uma viagem atribulada: estava na hora de comermos alguma coisa. Por sorte, percebemos que uma das pizzarias mais bem cotadas das redondezas era literalmente abaixo do nosso hotel. Era o sítio mais humilde e mais mal decorado da cidade, mas acreditamos que seria bom; eram 16h, o restaurante estava às moscas, mas aceitaram servir-nos, naquele que foi um maravilhoso lanche ajantarado, numa das melhores pizzas que comi na vida (também podia ser da fome... nunca saberemos!). Escolhemos um pouco às cegas, uma vez que o menu estava em italiano e a funcionária também não falava outra língua - mas, pelo que percebemos, comemos a verdadeira pizza romana - com uma massa estaladiça e salgadinha, sem tomate (adorei esta parte!), com um formato retangular e claramente maior do que o necessário para uma só barriga, com o fiambre frio colocado no topo.. e comida à mão. A verdade é que estava óptima - e nós saímos com as energias renovadas. O restaurante chamava-se Habemus Pinsa.

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O início do nosso roteiro era na Appian Line, o ponto mais próximo do nosso hotel. Esta foi a primeira auto-estrada do mundo, que ligava Roma ao porto de Brindisi. Não sei se fomos induzidos em erro pelo Google Maps, mas parámos numa rua normal - ou pelo menos assim nos pareceu. Supostamente há um parque arqueológico com alguns monumentos, mas passou-nos ao lado. Como não tínhamos tempo a perder com grandes pesquisas e este não era um dos pontos obrigatórios, seguimos caminho para a próxima paragem: a Basílica Santa Maria Maggiore. A entrada é gratuita. É uma igreja bonita (embora os assentos sejam horríveis, muito pouco consonantes com o ambiente de toda a igreja e estraguem um pouco a sua imagem) com uma capela particularmente vistosa e, acima de tudo, com uma cripta invulgar, que ainda por cima é visitável. É a maior das 26 igrejas em Roma dedicadas à Virgem Maria.

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Numa secção aparte da igreja principal, com uma cúpula muito bonita

 

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Dentro da cripta, onde se encontra uma enorme estátua de Pio IX em forma de túmulo

 

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Dentro da Igreja de Santa Maria Maggiore

 

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Fachada de Santa Maria Maggiore

 

Dali partimos para o grande marco de Roma: o Coliseu. Pelo caminho passamos pelo Monte Ópio - um grande parque público com aquilo que, à primeira vista, são fragmentos de monumentos antigos que, infelizmente, não estão assinalados nem bem tratados. E isto é Roma: história em toda a parte. Há locais no mundo em que tudo é aproveitado para o turismo, todas as tradições e vestígios de antepassados são transformados em marcos... já ali, havendo tanta coisa bonita e importante a que prestar atenção, tudo o resto se torna banal. Aquele parte albergava as Termas de Trajano e as ruínas do palácio de Nero - mas só o soube numa pesquisa posterior, pois não há indicações neste sentido. Pelo caminho, junto a um campo de basquetebol, tirámos as nossas primeiras fotos junto ao Coliseu - é um local com menos gente e com uma vista privilegiada para o monumento. O Coliseu é monumental, a obra-prima de Roma; o seu estado semi-degradado mas, simultaneamente, bem conservado (há partes da fachada onde já houve claramente grandes intervenções) tem uma mística particular. Como é que se construiu aquilo sem gruas, sem máquinas? Como é que aquele edifício chegou a ter uma espécie de teto, sendo uma área tão grande? É lindo e incrível e a sua visita, ainda que no exterior, é obviamente obrigatória. Diz o ditado, com um início completável à vontade do freguês, que "é como ir a Roma e não ver o Papa". Que me perdoe o pontífice, mas crime é ir a Roma e não ver o Coliseu (acabei de ganhar um passe grátis para o inferno, não foi?).

 

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À saída do Monte Ópio, junto ao campo de basquetebol, num local cheio de boas "abertas" entre árvores para tirar bonitas fotografias

 

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Como escrevi acima, fazer um cruzeiro implica fazer escolhas, pois o tempo em cada local é muito limitado. Doeu ter de tomar algumas decisões - e em Roma então, custou-me muito! - mas optamos por não entrar em nenhum dos grandes monumentos da cidade. Eu já tinha visitado o Coliseu, em 2017, numa visita anterior à capital italiana, também a propósito de um cruzeiro (ler aqui); na altura não conheci Roma, limitei-me a sair de um autocarro para visitar o Coliseu e voltar a entrar para ir à Basílica de São Pedro, no Vaticano. Fizemo-lo no âmbito de uma visita guiada, que aproveitava a manhã do dia do vôo para se conseguir conhecer alguma coisa da cidade onde o barco atracava no seu destino final, mas que não permitiu sequer que déssemos uma volta a pé pela cidade. Apesar do Miguel nunca ter visitado, decidimos que a entrada ficaria para outras núpcias, pois não dava tempo para fazer visitas e completar o roteiro que tínhamos definido. 

Demos a volta às imediações, o que contemplou a visita ao Arco de Constantino (mesmo junto ao Coliseu) e ao Fórum Romano - este último é um enorme complexo de edifícios, onde se podem passar umas belas horas a absorver história e a imaginar o que seria Roma Antiga. De fora não se vê grande coisa, mas é o suficiente para deixar o bichinho - e é um dos locais onde quero muito ir, quando voltar à capital italiana. Sinto que muitas vezes, quando visitamos ruínas, somos obrigados a puxar bastante pela imaginação para tentar projetar o que ali se passou (não é preciso ir muito longe, basta pensar em Conímbriga - num exercício que embora possa se interessante, não deixa de ser complexo, dado o nível de degradação dos espaços). Mas ali é diferente: a imponência e o bom estado de conservação de muitos edifícios permite-nos idealizar com facilidade como é que era ali a vida antigamente. Diria que é dos locais a visitar com tempo e, de preferência, com visita guiada. 

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Arco de Constantino

 

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Arco de Constantino

 

Os próximos pontos do roteiro indicavam paragens em Santa Maria em Cosmedin e San Nicola in Carcere - mas, por alguma razão, decidimos passá-los à frente. Mas, Roma sendo Roma, presenteou-nos com outras coisas bonitas - que, aparentemente, tem escondidas em cada esquina - que nos deixaram maravilhados. A primeira, logo à saída do Coliseu, foi o Foro di Nerva (o Fórum de Nerva), que foi o último dos fóruns imperiais de Roma. Apesar de ainda ter estruturas bem visíveis, o estado de degradação aqui já é considerável. Penso que parte deste fórum é, hoje em dia, usado em espetáculos; não é visitável, mas é visto a partir da rua, sendo por isso gratuito. Voltamos a alterar a nossa rota quando, a partir das ruínas, vemos um edifício imponente que não constava na nossa lista: tratava-se de Il Vittoriano, um monumento projetado no final do século XIX em homenagem a Vítor Emanuel II, o primeiro rei da Itália unificada. É um monumento muito grande, que cresce em altura à medida que nos vamos aproximando dele, e é impossível passar despercebido tendo em conta ser tão branco e imponente. Pelo que percebi, é um edifício mal amado - e até gozado, de tal forma que lhe chamam "bolo de casamento" devido à sua forma e cor. Só depois é que soube que tem um elevador panorâmico, que permite ver Roma de lá de cima (bilhete: 22€). Este é, mais uma vez, é um exemplo perfeito do que é a capital italiana (e, na verdade, Itália no geral): um monumento desta envergadura é quase completamente ignorado nos guias. E não é por ser feio - é por ser "só mais um", num universo gigante de infraestruturas históricas que Roma tem para oferecer. 

 

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Foro di Nerva

 

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Foro di Nerva

 

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Il Vittoriano

 

Rumamos ao Panteão, que foi o primeiro local onde encontramos mais gente. Este é um edifício pesadão, sem grandes linhas ornamentais que apeteça observar com atenção - mas com uma imponência que mete respeito. Também à posteriori vimos um documentário sobre a sua construção e é impressionante pensar como é que, antes de Cristo, tiveram a capacidade de construir uma cúpula daquele tamanho (a maior a ser construída antes dos tempos modernos). Este monumento já estava fechado quando lá passamos, mas é possível visitá-lo. Não foi, de todo, dos que mais me encantou.

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Panteão

 

Next stop, Piazza Navona. É uma praça que faz juz aquilo que nos vem à mente quando nos falam em Itália: um sítio grande e cheio de movimento, recheado de vendedores de rua, cafés e restaurantes, sempre com um cheirinho a cultura inconfundível - tem vários edifícios imponentes, entre eles o Palazzo Pamphilli e a Igreja de Santa Agnes, assim como duas fontes.  A que chama mais à vista é a Fontana dei Quattro Fiumi, com um obelisco ao centro, que fica em frente à igreja. É dos locais onde é bom passar um bocadinho de tempo, sentar a beber um café (sabendo que se vai lá deixar meio salário só por uma chávena de cafeína provavelmente mal tirada, mas tendo em mente que aquilo que se está verdadeiramente a pagar é a vista) e perceber a dinâmica da cidade - que foi o que eu não fiz, pois estava em modo contra-relógio. Ainda assim, é o sítio ideal para nos imaginarmos num filme do Woody Allen, com tantas vidas a acontecer por ali.

 

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Igreja de Santa Agnes

 

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Fontana dei Quattro Fiumi

 

Daqui saímos para a Praça de Espanha, que ainda hoje alberga a embaixada deste país. Mais do que a praça, aquilo que é reconhecido é a sua escadaria. Eu ainda não sabia, mas seria aqui que veria um pôr-do-sol para mais tarde recordar - dos mais bonitos que vi no contexto de uma cidade. Não fizemos de propósito para estar lá àquela hora, mas diria que é uma boa recomendação: ver o sol a descer sobre a cidade, com aquele laranja a casar com a cor dos edifícios, tornando a cidade ainda mais quente... é lindíssimo. Há momentos que guardamos mas que, enquanto os vivemos, não valorizamos ou achámos que seria algo digno de memória; outros, como foi este caso, são um autêntico rebuçadinho, que embrulhamos e guardamos diretamente no coração, sabendo de antemão o sabor doce que sentiremos quando um dia voltarmos atrás e abrirmos o papel de embrulho daquela recordação.

Se a vista da cidade era bonita àquela hora, diria que o local em si não saía favorecido, estando a envolvência um pouco escura e só o topo da igreja cheio de luz - a pouca que ainda restava do dia. A verdade é uma: a vista de baixo da escadaria, a própria Praça de Espanha, não me ficou na memória - com excepção da quantidade monumental de turistas que lá estavam, dependurados numa fonte sem grande interesse (que me perdoe a Fontana della Barcaccia, que à luz de tantas outras na cidade, sai ofuscada), mas guardada por duas mulheres polícia que apitavam mal alguém se empoleirava ou deitava alguma coisa na água. Que triste mundo este, em que temos de ter pessoas destacadas para supervisionar o comportamento de visitantes numa cidade estrangeira.

E este é, na verdade, um ponto crítico da cidade: Roma é suja. Muito suja. É lixo em tudo quanto é canto; copos de gelado, guardanapos sujos, garrafas de vidro e plástico, máscaras... enfim. Como é que uma capital desta envergadura deixa a situação chegar a este extremo (será que foi sempre assim?) ou como é que consegue reverter isto (será possível?), eu não sei - mas é mau. E triste. Já o seria em qualquer sítio, mas piora tendo em conta o contexto em que Roma se insere: uma cidade linda, com monumentos de cair o queixo ao virar de cada esquina, mas que peca nas pequenas coisas. De que vale termos os edifícios restaurados, as paredes pintadas e os mármores polidos se o chão parece sempre saído de um festival de verão?

 

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Pelas ruas de Roma

 

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Pelas ruas de Roma (se eu mostrasse esta foto sem contexto, não diriam logo que estava em Itália? Estas cores topam-se à distância e proporcionam à cidade uma mística própria e quente, que eu adoro)

 

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Em frente à escadaria espanhola

 

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A Praça de Espanha atolhada de gente. Na foto a Fontana della Barcaccia

 

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A Igreja da Santíssima Trindade dos Montes, no topo da escadaria

 

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O sol a esconder-se por detrás de Roma

 

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No topo da escadaria, a apreciar o mais bonito dos pôr-do-sol

 

Da praça de Espanha são poucos metros até ao ponto mais overrated da cidade: a Fontana di Trevi. Este foi, sem dúvida, o sítio mais lotado por onde passámos - e, se querem que vos diga, sem merecer. É só mais uma fonte bonita - "mais uma" porque estamos em Roma e não nos faltam fontes para apreciar - e o festival que montam à volta desta em particular faz com que perca qualquer magia que até possa ter. É impossível chegar sequer perto dela. As centenas de pessoas sentadas nos bancos à volta da fonte, com tantas outras a posar para a foto, em permanente destaque em frente àquelas águas, fez com que este fosse apenas um photo stop e um local de passagem. Não é agradável estar ali; não se consegue absorver a beleza das coisas quando há um barulho ensurdecedor à nossa volta, quando estamos constantemente a ser empurrados e abalroados. É demasiado. Por isso, escusam de me perguntar se pedi desejos ou atirei moedas; limitei-me a arranjar um buraco onde coubesse durante trinta segundos, a tirar uma fotografia e a desandar rapidamente para um local mais calmo e acolhedor. Se querem visitar a Fontana di Trevi, façam-no quando a noite já for longa ou bem cedo pela manhã - só assim poderão usufruir daquilo que vão ver.

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Fontana di Trevi

 

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Fontana di Trevi

 

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O caos instalado na Fontana di Trevi

 

No que diz respeito a monumentos, o nosso dia ficou por aqui. Depois de um banho bem merecido - suámos muito, muito, muito, o que seria um prenúncio para toda a viagem - fomos jantar a um restaurante chamado Signorvino, que também serve de enoteca; passámos à porta quando íamos para o hotel e gostamos do aspeto, mas não foi nada de brilhante. Será certamente uma melhor experiência para amantes de vinho - o que não é o nosso caso, tendo em conta que nenhum de nós bebe álcool. Aproveitamos o resto da noite para dar uma volta nas redondezas do nosso hotel e apreciar uma Roma menos turística, absorvendo a verdadeira energia da cidade. 

O plano era sair bem cedo no dia seguinte - a ideia era já estar na rua pelas 7h da manhã. Mas com um dia como o anterior, com stress entre aeroportos e muitos quilómetros nas pernas, não conseguimos sair tão cedo como planeado - até porque não era boa ideia ficar KO precisamente antes de entrarmos para o barco. Assim, mesmo tendo derrapado mais de uma hora, eram 8h e pouco e estávamos a sair para o Vaticano. Se tivéssemos ido cedo, faríamos o caminho a pé (50 minutos do nosso hotel) e era da forma que conhecíamos mais uma parte da cidade, a uma hora em que o movimento turístico ainda não é exagerado; como falhámos o plano, fomos de Uber, encurtando o caminho para pouco mais de 10 minutos. Os Uber e os táxis têm uma parceria em Roma - na aplicação, podem até escolher até o que preferem, sendo os táxis um bocadinho mais baratos, o que é muito fixe!

Eu queria ir cedo porque tinha a experiência da minha última visita, em que esperamos mais de uma hora para entrar na Basílica de São Pedro. Tendo em conta a temperatura do dia anterior e o nosso tempo limitado, não me pareceu boa ideia correr o risco de voltar a ficar na fila ad eternum. A igreja abre às 7h mas às 9h, hora a que entramos, não havia fila considerável - nem dez minutos demorámos, sendo o processo é mais longo devido à revista dos pertences que é feita à entrada. E, apesar de ser um "cromo repetido", mal entrei, soube a razão porque quis voltar e mostrar ao Miguel este local. Não é preciso ser religioso para o achar magnífico. É de uma grandiosidade estonteante, mas de uma minúcia incrível no mais pequeno detalhe - e este contraste torna-a numa das mais belas igrejas do mundo, pelo menos das que já visitei. Acho que há outras, em Itália, que eventualmente lhe fazem sombra (não quero dar muitos spoilers, mas a Catedral de Santa Maria del Fiore, em Florença é... wow!), mas esta terá sempre um lugar no topo das preferidas. Para quem é crente, todo o simbolismo religioso serve como um bónus a tudo aquilo que se vê - e acredito que, tal como Fátima, tenha uma mística especial. Ir ao Vaticano não é, para mim, turismo religioso - é só mais um ponto que temos de visitar se queremos conhecer alguns dos mais belos edifícios de Roma, em que a Basílica de São Pedro tem entrada direta. A Capela Sistina, supostamente, também - mas pela segunda vez consecutiva falhei a sua visita.

 

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À entrada, num local onde habitualmente as filas já são intermináveis. Nesta altura já com um lenço a fazer de saia - por uma questão de respeito, não se deve mostrar os ombros nem os joelhos dentro da igreja

 

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Este "lençol" de mármore no topo de uma porta é qualquer coisa de espetacular. Como é que se torna uma pedra numa estrutura aparentemente maleável? 

 

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A lista dos Papas sepultados na Basílica

 

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Na praça principal do Vaticano

 

O último sítio por onde passámos, no regresso ao hotel, foi o Castel Sant'Angelo - que também pode ser visitado, uma vez que é agora um museu (mas que também ficou de fora das nossas opções). É um edifício construído uma centena de anos antes de Cristo e serviu primeiramente como mausoléu e, depois, como fortaleza militar. Mesmo junto ao rio Tibre, dizem que tem uma vista muito bonita sobre a cidade.

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Castel Sant'Angelo

 

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Nesta fase as horas já apertavam e voltamos ao hotel, onde tínhamos pedido que nos guardassem as malas, em passo rápido. Desta vez, e como já sabíamos o caminho sinuoso que teríamos pela frente, decidimos apanhar um táxi para ir para a estação de Termini. Fomos cedo, com tempo para almoçar, e ainda bem - o cais onde estava o nosso comboio era o mais distante, a quase dez minutos de caminho; demoramos ainda mais tempo a chegar lá porque o fluxo de pessoas que chegou era tanto que formava uma corrente impossível de penetrar quando se ia no sentido contrário. Com uns encontrões pelo caminho e, certamente, um ou outro insulto, lá conseguimos chegar - e a viagem até Civitavecchia foi tranquila.

O pior veio a seguir. Quando comprámos o bilhete de comboio havia a possibilidade de adquirir um bilhete duplo, com uma viagem de autocarro incluída até ao terminal dos barcos. Mas, quando lá chegámos, havia centenas de pessoas perdidas e ninguém para ajudar. Os autocarros que lá estavam também eram muito poucos - e os que havia ou não eram da companhia correta ou recusavam-se a levar-nos, alegando que só podiam levar pessoas que viajassem num ou outro barco (que nunca era o nosso). Tínhamos uma hora de check-in definida para entrar no barco, mas estávamos com tempo - e eu dei a infeliz sugestão de irmos a pé até ao cais. Por isso, daqui vai a dica mais preciosa para todos aqueles que façam cruzeiros a partir de Roma: nunca se aventurem sozinhos pelo terminal de cruzeiros romano - demorem o tempo que precisem, apanhem um autocarro ou táxi, ou agilizem com a companhia de navegação. Mas nunca se aventurem sozinhos pelo porto! Nunca!

A sinalização é inexistente e a informação é nula, assim como a vontade de ajudar de quem lá passa; foram mais de duas horas até chegarmos ao barco (passou longamente a hora do check-in, como é lógico) e foi um caminho muito duro, confuso e enervante. Andámos quilómetros a pé com as malas atrás, sob um calor abrasador e um sol que não dava tréguas; íamo-nos juntando a outros passageiros perdidos - pessoal desesperado com a falta de informação e já com os nervos em franja, com um humor que não foi em nada ajudado pelas altas temperaturas que se sentiam, que nos tornava facilmente irritadiços e nos faziam parecer saídos de uma poça de água, encharcados da cabeça aos pés. Depois de muita espera, demasiados quilómetros, dois autocarros e de vagas tentativas de falar italiano, chegamos - literalmente! - a bom porto. Foi um alívio ver o barco e sabermos que, dali a pouco tempo, poderíamos finalmente deitar toda aquela roupa para lavar e tomar um merecido banho.

Para trás ficou Roma, que apesar de não deixar uma boa última impressão - alguém precisa de trabalhar a comunicação daquele porto, por favor! -, é simplesmente magnífica. Em retrospetiva, sinto que a capital italiana é bonita em todas as horas do dia - quer com o sol a brilhar, amarelecendo ainda mais todos aqueles edifícios de cores quentes e pastel, quer com o cair da noite, onde a iluminação ainda faz notar mais a tinta das paredes naturalmente queimada. Este tom meio outonal, conferido às cidades pela cor dos seus edifícios, é das coisas que mais gosto e me faz sentir quente, confortável, quase em casa. Isto, pintalgado com o bom gosto da decoração das lojas de rua - Roma está cheia de lojas de couros e mármores - e o cantar da língua italiana que ouvimos a cada passo... é apaixonante. E se de facto Roma tem coisas más que tem de trabalhar (o lixo, os muitos sem-abrigo que habitam as ruas), tem outras coisas muito boas - como é o caso da iluminação noturna dos monumentos e, por exemplo, os pontos de reabastecimento de água, grátis, espalhados pelo centro histórico da cidade.

Penso que apesar de todo o stress inicial de saber que não haveria tempo para ver e fazer tudo o que queríamos, aproveitamos bem o nosso tempo. E, como eu digo sempre, esta é mais uma das vantagens dos cruzeiros: o facto de não conseguirmos fazer tudo dá-nos uma boa razão para voltar. Desta vez fiquei a conhecer muito mais do que em 2017 - e espero que numa próxima consiga aprofundar tudo o que vi agora pela rama. No futuro quero muito levar o Miguel ao interior do Coliseu, quero ir ao Fórum Romano e ter a oportunidade de me sentar num café e sentir a vida da cidade; eventualmente visitar alguns locais que ficaram de fora do nosso roteiro, como a Villa Borghese, as Termas de Caracalla, o Theatro Marcello e a Ostia Antica. E, para além disso, tentar ter a mente suficientemente aberta para usufruir da verdade gastronomia italiana - porque apesar de gostar de pizzas e massas, eu sou muito "simplória" e não gosto de experimentar novas comidas, algo que devia mudar, para tentar ter uma experiência mais completa. E que melhor lugar que Itália para tentar abrir horizontes? 

Por isso... temos mesmo de voltar.

29
Set22

Uma lua-de-mel nas Maldivas

Estou a preparar-me para fazer os diários de bordo do meu último cruzeiro e vinha lançada para escrever o primeiro texto quando me cai tudo: "eu ainda não publiquei o texto sobre as Maldivas". Eu sei, não sou digna de aqui estar: devia ser despedida dos blogs com efeito imediato, tal é o ultraje: como é que se passa mais de um ano depois de uma das viagens da minha vida e eu ainda não dediquei tempo para escrever sobre ela? Na verdade, metade do texto está nos rascunhos desde Março, mas os dias foram passando e ele foi ganhando pó. Mas hoje foi o dia. Quase um ano e meio depois - quando até já o hotel mudou de nome!!! - cá estou eu, a redimir-me, e a fazer o que tem de ser feito. Gosto sempre de escrever estes textos pouco tempo depois de viajar, para garantir que deposito todas as memórias o mais frescas e verdadeiras possível, mas mais vale tarde que nunca.

 

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Quem me conhece saberá que as Maldivas não eram o meu destino de sonho para ir de lua-de-mel. Ou, pelo menos, não é o primeiro sítio que me surgiria, até por ser meio clichê. Ter duas semanas inteiras de férias, numa altura escolhida por nós (e fora de épocas de pico), é um luxo que se tem de aproveitar bem e a minha primeira opção teria sido a Austrália, uma viagem que já está na minha lista há muito tempo. Eventualmente faria um mix entre cidade e praia, mas iria certamente conhecer o outro lado do mundo.

Mas... Covid. Perante a instabilidade que se vivia (fecha-abre-confina-desconfina) o plano inicial até era ficar por cá e ir para Porto Santo. Mas decidimos arriscar - e ainda bem! Não houve muito destinos em cima da mesa mas, à partida, tudo o que era visita cultural ficou de fora: os países fechavam e abriam as fronteiras constantemente, havia regras muito restritivas em muitos deles e muitos dos locais de interesse (museus, igrejas, parques e monumentos de uma forma geral) estavam fechados, por isso não valia a pena arriscar. Mas praia... praia há sempre. Há-de haver sempre mar e conchas e mergulhos, por isso decidimos que íamos ficar de papo para o ar quinze dias no destino-rei das luas-de-mel. As Maldivas.

Até decidir o hotel foi um ano de juízo. O Miguel pesquisa as coisas até à exaustão, com uma profundidade que eu jamais teria paciência, e por isso, a certa altura, eu já estava pronta para fazer o "um-dó-li-tá" e escolher um hotel qualquer que estivesse na nossa short list. Todos eram nas Maldivas, todos tinham mar, e praia, e peixes, e raias, e cabanas e tudo e tudo e tudo. Mas ele pesquisava, ele via vídeos, ele lia reviews. Quando finalmente me disse "acho que vai ser este", eu só lhe respondi: "M-A-R-C-A, por amor de todos os santinhos"! 

Não consigo precisar quais foram os hóteis entre os quais estávamos indecisos (devia ter tomado nota para posterior consulta, mas falhei), mas acho que nunca mais me vou esquecer do nome do sítio onde ficamos: Lti Maafushivaru (agora chama-se Outrigger Maafushivaru). Não sei se foi pela perseverança e paciência do Miguel, a quem tenho de tirar o chapéu, mas o hotel era de facto espetacular. Os outros provavelmente também seriam, mas aquele foi o ideal para nós naquele momento e hoje percebemos que fizemos um bom negócio, com uma relação-preço qualidade incrível, tendo em conta o hotel e as condições oferecidas. O hotel não era novo mas tinha sido todo renovado - apanhamo-lo aquando da reabertura, ainda fresquinho, com umas condições incríveis - e percebemos meses mais tarde que os preços estavam a disparar dada a qualidade do mesmo. Ficamos lá hospedados na altura certa e fomos muito felizes lá.  

Com hotel decidido, faltava a outra parte da odisseia: a viagem. O homem via vídeos dos aviões por dentro, comparava todas as escalas e companhias... enfim! Mas, mais uma vez, acertou em cheio. Era a nossa lua-de-mel e decidimos ir em bom, nem que fosse uma vez na vida - e por isso fomos pela Qatar, aquela que dizem ser a melhor companhia do mundo. Em classe executiva. Num Boieng 777-300, que faz uma classe executiva melhor do que muitas primeiras classes. E, meus amigos, fica um conselho de amiga: não façam isto. Porque depois não vão querer outra coisa e ora desgraçam as vossas carteiras ou ficam para sempre deprimidos por cada voo "normal" que decidam fazer. Optamos por fazer Porto-Madrid pela Transavia e depois Madrid-Qatar-Malé pela Qatar Airlines. E que maravilha que foi! Não há palavras para o serviço, para o avião, para a comida, para o carinho das pessoas. É, de facto, outro nível, outro conceito diferente de viajar; aqui, a própria viagem já integra a parte boa da experiência, não é somente um meio para atingir um fim. Só tenho elogios a tecer à Qatar e sonho um dia poder repetir esta experiência.

 

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A viver o sonho a bordo da classe executiva da Qatar

 

Chegados a Malé, tudo pareceu um pouco caótico. E é aqui que percebemos uma realidade que quase todos parecemos esquecer sobre as Maldivas: apesar das ilhas paradisíacas, aquilo é um país de terceiro mundo - e as estruturas e as pessoas não deixam que isso passe despercebido. Começamos logo mal: perderam-nos a mala. Prevenidos e com medo que isto acontecesse, já levávamos uma mala de mão com uma muda de roupa e tudo o resto essencial, por isso não foi o fim do mundo. Mas a experiência deu-nos logo a conhecer uma faceta do país que, até aí, também desconhecíamos: nas Maldivas mais de 90% da população é muçulmana e estão longe de serem brandos na implantação dos seus costumes. Há muita burka, muitas regras e restrições em relação às mulheres - que se fazem sentir na capital, Malé, o que só não acontece nas ilhas porque são privadas e os turistas podem andar como querem e bem lhes apetece. Enquanto esperávamos pela mala que não chegou, o Miguel foi chamado ao guichê para o notificarem do sucedido; eu fiquei junto ao tapete, caso a mala aparecesse, mas sempre de olho nele. Depois de perceber o que é que se passava, ele chama-me e eu vou ao seu encontro - mas sou rapidamente parada por uma mulher polícia, que me questiona de forma áspera de onde sou, quando cheguei e o que vou fazer às Maldivas... sozinha. Explico que não estou sozinha, que vou ter com o meu marido que está no balcão de informações, e só ouvir a palavra "husband" foi o suficiente para a sossegar. Afinal eu tinha dono, não estava lá sozinha - por isso pude seguir. Achava que a forma como eu tinha sido tratada (vulgo: ignorada) no aeroporto do Qatar era passado, mas na verdade era só uma amostra daquilo que seriam as nossas férias. Felizmente este foi o único episódio em que fui eu a visada, mas assistimos a vários - e foi, sem dúvida, a parte que menos gostei neste país.

Mas voltemos à nossa chegada: supostamente teríamos alguém à nossa espera quando saíssemos do avião, mas o vôo chegou atrasado e tivemos de nos desenrascar. Em vez de lojas (que há muito poucas), o aeroporto está repleto de pequenos "stands" que correspondem às ilhas/resorts, onde vos dão toda a informação e vos acompanham até ao sítio onde devem levar as malas, apanhar os transfers, etc. E a ajuda é de facto preciosa, pois a confusão está (aparentemente) sempre instalada. Do aeroporto seguimos para um lounge do nosso hotel, onde esperamos (umas duas horas?) para depois apanhar, finalmente, o hidroavião. Achei que esta viagem ia ser pior que todas as outras juntas - em termos de torbulência, arranque, aterragem... mas na verdade foi tranquila. Barulhenta e apertada (o avião é minusculo e muito baixo, com cerca de 15 lugares, mas vários são ocupados pelas bagagens que não cabem no mini-porão), mas segura e sem sobressaltos. E a vista? Tudo aquilo que vemos nos filmes, nos vídeos e nas fotos é verdade: aquelas águas azuis turquesa, as areias brancas e os atóis das mais diversas formas e feitios são das coisas mais bonitas do mundo.

 

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Prestes a subir para o hidroavião

 

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Tudo muito orgânico no hidroavião - com direito a pés descalços e papel higiénico, just in case

 

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Quando finalmente aterramos (foram só três solavancos na água e já passou!), fomos deixados numa pequena plataforma em pleno mar-alto (quando digo pequena, era pe-que-na: com uns seis metros quadrados, de madeira, que abanava de forma impressionante) e seguimos depois numa pequena viagem de barco até ao resort, pois o cais da nossa ilha estava inoperacional devido a uma tempestade que tinha acontecido uns dias antes. Não fizemos grande tempo entre escalas e, ao todo, demoramos cerca de 24 horas a chegar ao destino. E, meus amigos, vale cada minuto.

Quando chegamos, a primeira coisa que nos disseram foi "welcome home!". E não é que é mesmo? Sentimo-nos em casa ali. A segunda foi "you can take your masks off, everyone is tested" (podem tirar a máscara, toda a gente está testada). Se isto já era bom de ouvir em qualquer contexto, escutar estas palavras depois de termos passado um dia inteiro com o nariz e a boca cobertos (mesmo a dormir)... soou a qualquer coisa de mágico! A questão das máscaras e da segurança foi, na verdade, mais uma das razões pelas quais escolhemos as Maldivas e este hotel em particular - porque a praia ninguém nos tira, porque o controlo para a entrada no país era apertado (o que nos dava uma boa sensação de segurança) e porque, sendo a ilha pequena (dava-se a volta a pé, sem problemas, em cerca de quinze minutos), sabíamos que iríamos estar num ambiente muito limitado e controlado, para poder desfrutar das nossas férias sem grandes stresses. Só utilizávamos máscara para ir ao buffet - de resto, estávamos sempre a respirar ar puro. Era, an verdade, muito raro cruzarmo-nos com outros hóspedes no hotel, tirando a altura das refeições.

 

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Fomos nós que marcamos tudo: viagens e hotel. E ainda bem, porque para além de (à partida) termos poupado uns trocos, isto obrigou-nos a informarmo-nos ao detalhe sobre todas as burocracias que eram necessárias para seguir viagem. Tal como nós, muitos casais seguiam em lua-de-mel no primeiro vôo que fizemos, e vários foram os que tiveram problemas com papeladas, testes covid, e etc. Em relação ao hotel, optamos por fazer uma reserva com tudo incluído. E quando é tudo, é literalmente tudo: podíamos frequentar os quatro restaurantes do hotel, usufruir de todos os bares, consumir as bebidas que quiséssemos (nisso demos zero despesas, só a beber coca-cola e água...) e utilizar o vasto mini-bar que o nosso quarto dispunha. Havia apenas duas exceções: os vinhos que havia no quarto (nem sequer era no mini-bar, era um frigorífico só com vinhos) e alguns pratos nos restaurantes, devidamente assinalados, que por serem confecionados com produtos premium (lagosta, caviar, etc.) eram cobrados a um terço do preço de tabela. Se vale a pena ir com tudo incluído? CLARO! Por cada refeição, gastávamos o equivalente a 150 a 200 dólares. Nas Maldivas tudo é importado e tudo é caro, pelo que se não tivéssemos escolhido este plano, e mesmo não bebendo álcool, pagaríamos tanto ou mais que a própria estadia. Diria que mesmo indo em regime de meia-pensão pode ser arriscado - primeiro porque não há alternativas fora do hotel (só se formos a nado para outra ilha...) e segundo porque uma semana de snacks ao almoço, no final, revelar-se-ia provavelmente uma pequena fortuna. Por isso, se é para ir, ponham as fichas todas em cima da mesa e vão com tudo. 

O hotel dispõe de vários tipos de casinhas: umas em cima do mar, com e sem piscina; e outras à face da praia, também com e sem piscina. Nós escolhemos as primeiras - lá está, fizemos all in! E a partir do momento em que uma pessoa abre a porta... fica deslumbrada. Com a dimensão do quarto, com a decoração, com a piscina, com a vista... enfim, com tudo. Estávamos todos rotos, mas atiramo-nos logo à água (o hotel providencia colete, óculos, tubo e barbatanas para fazer snorkeling) e ainda bem que fomos, pois foi o dia em que esta estava mais clarinha. A época alta das Maldivas não corresponde à nossa, pelo que há grande possibilidade de apanhar tempestades e mau tempo; mas, para além disso, as águas ficam mais turvas e não têm aquela claridade que tanto idealizamos e que vemos nos screensavers - o que, devo dizer, não a faz menos incrível. ;)

 

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Sobre a água: não é quentíssima mas também não é fria. Diria que tem uma temperatura aproximada à do nosso corpo, o que faz com que seja fácil entrar e sair. Uma coisa que não esperava eram as correntes: pelo menos naquela zona e naquela altura, eram muito fortes. A primeira vez que fomos ao mar usamos colete, mas o Miguel deixou de o usar pouco depois... já eu só passado uns dias é que me atrevi (principalmente porque sentia que aquele equipamento me magoava e desajudava mais do que propriamente o contrário). No entanto, diria que é essencial termos noção das nossas capacidades: eu nado bastante bem, o Miguel melhor ainda. Ainda assim é preciso saber para o que se vai, marcar um objetivo e não ir simplesmente ao calhas; é necessário ter em atenção as marcações de perigo colocadas à volta do atol e nadar de forma estratégica - ou seja, numa primeira fase optar por nadar contra a corrente para depois, quando estivermos mais cansados, ter a "ajuda" para voltar à costa ou a casa. Ao contrário do que também pensava, o mar não é estilo lago: há ondas, acima de tudo provocadas pelo vento -  e uma coisa é certa, há SEMPRE vento. Não são ondas como as nossas, que movimentam quantidades grandes de água, mas combinadas com a corrente e tendo em conta que queremos estar à superfície com o tubinho para ver os peixes, a vida às vezes fica dificultada. Na verdade o vento era de tal forma que embora houvesse caiaques grátis à disposição (e eu adoro andar de caiaque!), nunca lhes pegamos, com receio de não termos força para regressar.

Ainda sobre o mar, não posso dizer que tenhamos ficado dececionados com a fauna que lá encontramos, mas diria que tivemos de restabelecer expectativas. Acho que todos idealizamos um fundo do mar colorido nestas zonas do mundo, mas os corais das Maldivas são cinzentos (não estão mortos, atenção) e o que dá colorido são os muitos peixinhos (e peixões) que lá habitam. Vimos muitos, de todas as cores e feitios, para além de raias, mantas e, claro, tubarões - a maioria pequeninos e totalmente inofensivos, os maiores com cerca de dois metros, o que já impõe um certo respeito embora nos digam que não constituem uma ameaça para os humanos. Curiosamente, diria que o mais perigoso naquelas águas são os corais - o nível médio das águas na zona do atol é muito baixa (pouco mais de 2,5 metros, provavelmente) e consoante as marés e as correntes por vezes torna-se difícil contornar aqueles "rochedos" gigantes que chegam quase à superfície. Os arranhões e rasgões são sérios, quando batemos com um pé num coral ou quando a barriga dá uma "varridela" num deles. Se não se acreditam, o meu pé pode servir de testemunha!

 

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Ora bem: e o que é que ao certo se faz nas Maldivas? Dorme-se muito, namora-se, conversa-se, nada-se e vê-se os peixinhos, lê-se, joga-se, tomam-se banhos de imersão, apanham-se banhos de sol, dão-se mergulhos e alguns passeios na praia, apanham-se conchas (embora seja proibido), vai-se ao spa e come-se. Come-se muito. E bem, pelo menos naquele hotel em particular. 

O meu primeiro destaque tem de ser, obrigatoriamente, para a oitava maravilha do mundo, que era o gelado de côco deles. A sério, não há palavras. Se compararmos, a Olá nem entra na escala, a Carte-D'or está com pontos negativos e até a Haggen-Dazns fica como um burro a olhar para um palácio. Aquilo era absolutamente divino e eu sei que não vou comer um igual em mais nenhuma parte do mundo. As Maldivas têm, para mim, sabor a côco - e eu fiquei eternamente agradecida ao empregado que me sugeriu este gelado, em conjunto com um outro maravilhoso, de chocolate com canela (acho eu), chamado Jafa. Foi esse mesmo funcionário que nos serviu os cocktails de boas-vindas quando chegamos (isso e aquelas toalhas fresquinhas e húmidas, para limpar as muitas horas de ar de avião de tínhamos na cara - ai que maravilha!) e eu, que nunca gostei de batidos de fruta, fiquei pasmada com o sabor daquilo. Passei a vida a pedir o "cocktail de boas-vindas", de tão bom que era.

 

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Um mix das comidas "maldivianas" - e, claro, o famoso gelado à direita

 

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A comida é na generalidade muito boa e há para todos os gostos: ao jantar há um buffet com pratos do mediterrânico ao indiano, passando também pelo italiano e japonês, assim como simples grelhados. Há um restaurante exclusivamente japonês (que achei fraco e com pouca oferta, porque apesar de ser só mar, o peixe nas Maldivas não é bom), outro de grelhados com uma inspiração meia indiana (que também não adoramos porque era tudo picante e muito rebuscado), um de tapas e ainda outro mais mediterrânico, com massas, bifes, pizzas e etc., que era onde normalmente almoçávamos. Isto para além do bar, onde há sempre gelados, doces e tostas ao dispor, em conjunto com um staff sempre atencioso, simpático, prestável e com um sorriso para dar.

Sobre o pequeno-almoço... queremos mesmo falar? Tínhamos uns dez tipos de pão, alguma pastelaria, panquecas e waffles feitos na hora, assim como uma estação de omeletes, fruta variada, uma secção de comida indiana (que parecia quase feijoada) e outra de sushi, bacon de vários tipos assim como outras carnes quentes, queijos e carnes frias, saladas, cereais, iogurtes e leites de todas as variedades. Basicamente... tudo. Era o paraíso na terra, não só tendo em conta a comida, mas também o sítio onde depois comíamos, em frente àquele mar maravilhoso e os mini-tubarões a passarem à nossa frente. Não sei quantos quilos engordamos, mas também não quero saber - valeu cada caloria! (Até fizemos um vídeo do pequeno-almoço, para ver abaixo:)

 

O hotel oferecia uma tour pelos corais nos atóis mais próximos, que fomos fazer em conjunto com mais uma meia dúzia de casais. Não tivemos muita sorte em nenhum aspeto: primeiro porque não vimos nada de extraordinário (é normal ver mantas e tartarugas nestes passeios, por exemplo) mas, acima de tudo, porque fomos apanhados por uma tempestade a meio da viagem que só me fez querer nadar para terra firme. Nunca tive problemas em andar de barco, mas desde o episódio infeliz que tive nos Açores quando fui ver os golfinhos - para quem ainda não me lia nessa altura, pode encontrar esse post aqui - que fiquei com medo de me voltar a sentir daquela forma. Tinha pedido, antes da viagem, comprimidos para o enjoo; tomei um antes de embarcar e, naqueles momentos em que o barco quase ficava a 90º, tomei outro - mas tive a plena noção de que foi por um triz que não vomitei tudo o que tinha no estômago. Ao nosso lado uma senhora já tinha dado de comer aos peixes e outra estava estatelada no chão tais os solavancos que o barco dava; nessa altura ainda só tínhamos mergulhado num só local e dirigíamo-nos a outro, mas foi por mútuo acordo que decidimos todos voltar a terra firme o mais rapidamente possível, pois cada vez mais gente se estava a sentir mal - eu incluída! O skipper disse que aquilo era uma pequena tempestade, que dentro de cinco minutos passaria, mas a verdade é que entretanto já tinham voado não sei quantos coletes para o mar, o topo do barco já tinha quase tocado na água e o ambiente que se vivia era de consternação. Não foi uma boa experiência - e eu, mais uma vez, só agradeço por o meu marido intervir por mim e ter proposto que aquele suplício acabasse o mais rapidamente possível. Quando pus os pés em terra firme nem queria acreditar. Fiquei tão cansada daquela adrenalina e sentimento geral de mal-estar que dormi a tarde inteira. Recomendo que façam estes passeios, até porque podem ver coisas muito diferentes daquelas que aparecem nas imediações do hotel - mas é preciso ter em conta que aventuras como a nossa não são raras e podem acontecer.

E o que fazer para ultrapassar situações de stress como esta? Uma massagem, pois claro. Não sou utilizadora de spa's e, até à época, só havia feito uma massagem na vida - sempre dispensei ter pessoas estranhas a tocarem-me no corpo - mas, mais uma vez, era uma experiência que eu achei pertinente ter naquele local. E que boa que foi! O hotel tem, de facto, uma infraestrutura incrível - a zona do spa tinha, para além das habituais saunas e banhos turcos, uma piscina infinita lindíssima. A parte boa é que combinam isto com um staff impecável - tanto ao nível da simpatia como de profissionalismo - e uma ótima capacidade de "pintalgar" estes momentos com coisas muito boas, como um chá mega aromatizado e espetadas de fruta divinais. A combinação dos sabores que consigo recordar, em simultâneo com aquela sensação ótima de relaxamento, são uma daquelas memórias que encapsulei para sempre e que eternizei no coração. Parece que ainda hoje consigo sentir o cheiro e a humidade tão típica daquele espaço. Ai, as saudades...

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Passamos lá nove noites incríveis, que não trocaríamos por nada. Foi inesquecível. Apesar de irmos em época baixa apanhámos muito bom tempo - só com uma ou outra chuvada, que ia embora tão depressa como vinha - por isso talvez valha a pena arriscar ir nesta altura do ano, uma vez que os preços são muito mais apetecíveis (foi também por isto que conseguimos ir em classe executiva e para este hotel, aliado ao facto de ainda termos marcado em época de grandes incertezas devido ao Covid, em que os preços estavam mais baixos de forma a atrair clientes). Houve coisas que não gostamos - mas, postas na balança, não são suficientes para deixarmos de ponderar irmos lá no futuro.

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Acima de tudo, aquilo que para mim é mais negativo nas Maldivas é mesmo a religião. Não é fácil "dizer" isto sem que soe mal, mas a verdade é que tenho sempre dificuldade em gerir os meus sentimentos quando estou em países muçulmanos, e é-me difícil não condenar determinados comportamentos. Como expliquei acima, nas ilhas não nos são impostas regras de conduta diferentes das do ocidente - mas a verdade é que há muitos casais e famílias muçulmanas a passar lá férias, e não podemos impedir-nos de olhar (ou ser olhados). Faz-me impressão que, com aquela humidade e calor, muitas mulheres andem totalmente cobertas - é que nem a cor dos olhos lhes vislumbramos. E embora tenham (obviamente!) todo o direito de ali estar, eu não consigo parar de me questionar: porquê vir para um destino destes se têm de andar sempre cobertas? Em toda uma ilha, o único sítio onde podem estar à vontade é provavelmente no quarto delas - e isso não será muito diferente de estar em casa. Não vão à água, não apanham sol, só caminham na praia - e calçadas. Dóia-me ver isto, mesmo sabendo que a realidade é assim em muitos países e que em muitos casos é escolha das próprias mulheres. Mas não consigo que me passe ao lado.

Também vimos várias famílias poligamicas - um homem com várias mulheres, todas elas tratadas abaixo de cão, mas havendo claramente uma hierarquia entre elas. A objetificação da mulher, o desrespeito e o desdém com que eram tratadas deram-me várias vezes cabo das refeições - e eu cheguei até a mudar de sítio enquanto tomava o pequeno-almoço, de tal forma me senti incomodada com os olhares que um deles me lançava ali de perto. Sempre ouvi dizer que "em Roma sê romano" e respeito profundamente este ditado - mas, naquele caso, estávamos em território "neutro", o que ainda trazia mais à superfície as disparidades entre as duas culturas: elas de burka e eu (e outras) com uma túnica de praia, pouco abaixo do rabo e com um decote generoso. Não há ninguém errado aqui - mas diria que há desconforto de ambas as partes e isso não é bom quando estamos de férias e queremos estar 100% descontraídos. 

Outro pontinho negativo vai para o rato (ou ratos?) que vi a cirandar o buffet num dos últimos jantares. Íamos a sentar-nos e, do nada, vejo uma movimentação rasteira ali ao nosso lado - era um rato, que teimava em não ir embora e de quem andei a fugir (e, inconscientemente, a procurar) o resto das férias. Não gostei da forma como os empregados encararam a situação: apesar de terem ficado alerta, acharam aquilo normal, o que a meu ver é problemático. Se ratos já é mau, ratos E comida é péssimo. Mas é uma ilha, quase todos os edifícios são abertos, e dá-se o desconto. E não era um ratito que me ia estragar as férias nas Maldivas, não é verdade?

A vinda foi triste - não é fácil deixar um paraíso. De qualquer das formas, dez dias é o ideal para um sítio destes, até porque chega-se a uma altura em que é só mais do mesmo: comida, mar, repouso, namoro... e repete. É bom, mas até a vida boa cansa, e era hora de voltar a casa. Dentro da chatice que é estar um dia inteiro entre aeroportos e aviões, voltamos a desfrutar da experiência de voar em classe executiva - mas no fim ficamos novamente sem mala. Quando a fui buscar, dois dias depois, ainda ma revistaram e confiscaram provisoriamente todas as conchas que trouxe - fui buscá-las passado um mês, por não constituírem um perigo nem uma violação das regras (uma vez que, por um lado, podiam trazer bichos que "contaminassem" o nosso ecossistema e, por outro, por ser proibido trazer corais e outras espécies marinhas que podiam estar ali em causa). Confesso que foi um alívio - perdemos uma boa porção de tempo a apanhar as conchas e os búzios que mais gostamos, tendo sempre o cuidado de nos certificarmos que não tinham habitantes - porque eu queria muito que as conchas fossem o nosso souvenir principal. E a verdade é que, depois de as ir buscar, fiz três molduras com elas: uma para nós e duas para oferecer, com tudo o que trouxemos da viagem. Assim, fica uma lembraça única, muito nossa e irreprodutível.

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Viemos embora com a certeza de que queremos voltar um dia. A paz que sentimos naquele lugar - ainda para mais depois de uma fase atarefada e louca como é a de organização de um casamento - ficará para sempre nos nossos imaginários. Quando vejo fotos de alguém naquele hotel dá-me um aperto no coração de tantas saudades que tenho dos dias que passámos lá - longe dos problemas e longe do resto do mundo. Só nós, com água à nossa volta, peixinhos e muita vegetação. As muitas fotos que tirámos - e o álbum que fiz e as molduras que espalhei pela casa -, o vídeo, as conchas, os souvenirs e até este texto não colmatam a nostalgia - às vezes, parece que só aumentam. Mas já diz o ditado: recordar é viver. E, enquanto não voltamos, vamos vivendo.

 

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26
Abr22

Algumas considerações sobre estes dois meses em que não escrevi

1. Na verdade, escrevi, mas ainda não publiquei: tenho o post sobre as Maldivas a marinar há semanas, mas há uma inércia qualquer que me impede de o terminar. Vou tentar dar a volta à questão o mais rápido que conseguir.

2. Apanhei Covid, na altura em que já não está na moda ter Covid - foi o meu marido que trouxe o bicho para casa (por isso, apesar de ter apanhado, sinto que estou isenta de culpas) mas passamos os dois muito bem. Na verdade, sinto que estava a precisar daquela pausa para parar com uma rotina que me estava a desgastar há uns longos meses. Foi bom para pôr a casa em ordem, fazer arrumações a fundo que iam sendo adiadas ad eternum e descansar. 

3. Foi também óptimo para cumprir escrupulosamente com a dieta, que comecei seriamente no início de Março. O Miguel alinhou comigo neste regime e tem sido muito mais fácil fazer isto com um parceiro do que a solo: primeiro porque as refeições estão sempre alinhadas e eu não tenho de resistir ao vê-lo comer batatas fritas ou coisas do género; segundo porque temos sempre uma vozinha que nos ajuda a não desistir, mesmo nos dias em que a tentação de pecar é muita; e terceiro porque quase entramos em espírito de competição, ao estilo "quem consegue chegar aos 60kg em primeiro". Do meu lado, tendo em conta o peso que atingi no final do ano passado, já consegui dizer adeus a cinco quilos. Para além da dieta, tenho feito exercício cinco vezes por semana, em média (o que, tendo em conta que estamos a falar de mim, é uma completa LOUCURA!). E não parei durante o Covid! Foi sempre a pedalar - o que resultou, provavelmente, na melhor semana de sempre na nossa dieta, apesar de estarmos fechados em casa.

4. Fiz 27 anos, o que me faz estar tão perto dos 30 como dos 25. Estou um bocadinho assustada.

5. Voltei a ler. Estou tão, tão, tão contente com isto! Li três livros nos últimos dois meses - um mais técnico, um romance e um de banda desenhada (o primeiro de toda a minha vida) - e agora só quero que isto pegue para conseguir voltar a agarrar este hábito. Mais tarde coloco aqui as minhas reviews e falarei de uma das táticas que me fez voltar a ler. Oxalá conseguisse alguma para voltar a escrever com regularidade...

6. Apareci na televisão, numa reportagem sobre a minha fábrica, cujo resultado final gostei mesmo muito! Se tiverem curiosidade em conhecer um pouco do processo de tecelagem e do local onde trabalho, podem ver o programa aqui. A reportagem começa no minuto 1 e tem uma segunda parte, que surge por volta dos 11:45min. 

7. Dois anos depois, voltei a tocar piano num recital. Foi tudo muito bonito até ao momento em que me sentei no piano de cauda do estúdio, para tocar o Canon in D do Pachabel; mas quando me deparo com o teclado, os meus dedos fizeram um bailado nunca antes visto. Tendo em conta tudo isto, e sabendo que o difícil naquela situação era acertar nas teclas, a coisa até nem correu muito mal - mas, na verdade, podia ter saído muito melhor. Toco muito menos do que tocava antes e perdi o hábito de atuar em público. Mais uma coisa a trabalhar nos tempos vindouros... Ate lá, vou ver se gravo uma versão decente e sem nervos para partilhar.

8. Já tenho férias marcadas - whowooooo! Foi uma decisão que demorou a ser tomada, mas já está - agora não dá para "des-decidir". Por muito que goste do nosso país, sinto uma "fome" enorme de mundo e quero muito colmatar estes dois anos de privação e aproveitar estes tempos com o Miguel. Mais uma vez a escolha recaiu sobre um cruzeiro que passará por Itália, Grécia e Malta. Nunca fui à Grécia, por isso será o "check" deste ano.

9. E custe o que custar, venha o que vier, eu sei que terei de voltar a escrever. Há dias, aquando da marcação do cruzeiro, tive uma dúvida sobre um dos sítios onde parámos numa das viagens anteriores e voltei atrás nos meus posts. E estava tudo lá, com detalhe e precisão, de tal forma que quase me permite viajar de novo, ainda que sentada no meu lugar. E nesse momento pensei, e soube, que tenho mesmo de continuar a fazer isto: não só roteiros e crónicas de viagem, mas escrever de uma forma geral. Tenho saudades - mas elas não compram horas extra no meu dia, não arrumam a casa nem fazem a sopa. Passaram-se três anos de namoro e ainda não consegui reorganizar a minha vida com todas as "novas" rotinas e hábitos - mas ainda não perdi a esperança. Tenho saudades - e, no fundo, espero que também tenham saudades minhas.

 

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