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Entre Parêntesis

Tudo o que não digo em voz alta e mais umas tantas coisas.

30
Jan18

(Tentar) Voltar aos sabores de infância

Acho que todos nós temos alguns sabores idílicos dos nossos tempos idos; paladares que guardamos em recantos da nossa memória e que deixam muitas saudades, porque são quase sempre irrecuperáveis. Normalmente são de comidas feitas por alguém que já cá não está (quantos elogios já ouvi às comidas de tantas avós!), provadas em sítios onde não voltaremos ou que simplesmente fazem parte de um pacote de memórias irrepetível.

Felizmente eu não tenho muitas lembranças dessas. Nunca tive avós que cozinhassem para mim e a pessoa que faz as minhas comidas preferidas - a minha mãe - ainda está cá para as fazer sempre que lhe peço. Tenho vários sabores que me remontam à infância, alguns dos quais nem sei dizer se eram bons ou maus... são apenas lembranças. Assim de repente só me lembro de duas coisas que adorava e que tenho realmente saudades: a primeira são as verdadeiras tapiocas brasileiras, que comia todos os dias ao pequeno-almoço quando fui ao Brasil. Durante muitos anos nem soube o nome daquilo e só recentemente, quando a moda apareceu por cá, é que me caiu a ficha e percebi que era aquilo que eu tanto tinha adorada na minha primeira viagem ao estrangeiro; ainda não experimentei em restaurantes, mas tentei fazer várias vezes cá em casa e o resultado foi desastroso.

A segunda coisa era o meu bolo favorito do mundo, feito numa pastelaria que fechou aqui há uns anos e da qual eu guardo as melhores memórias. Sempre que alguém fazia anos cá em casa era lá que íamos - e normalmente era a mim e ao meu pai que recaía a (difícil) tarefa de ir levantar a encomenda. Esta não era uma pastelaria qualquer: era uma coisa antiga, só com venda ao público (sem sítio para sentar ou estar), localizada numa viela sem acesso a carros, longe da vista de qualquer consumidor comum. Tenho as melhores memórias desses momentos: eu e o meu pai, gulosos como somos, atacávamos imediatamente a caixa das miniaturas e depois tentavamos disfarçar os doces em falta, afastando-os entre si, para que em casa ninguém desse por nada. Ele comia os jesuítas, eu os éclairs: eram o meu pastel favorito. Entretanto, deixaram de ser - foi ali que defini o meu padrão, eram aqueles os meus éclairs de referência, e nunca mais encontrei uns sequer parecidos.

Para além disso, faziam o melhor bolo-pão-de-ló com ovos moles do mundo (com cobertura de massapão, de açúcar e amêndoa) e, muito antes de sermos invadidos por esta moda do cake design, já eles faziam coisas incríveis. Eu tive direito a Minnie's, a Tweeties, a Borboletas, a Capuchinhos Vermelhos e, entre outros que já não me recordo, o meu favorito de sempre: um palhaço (de tal forma que até repeti ao longo dos anos). Era a coisa que eu mais ansiava no meu aniversário: aquele bolo. Até ao dia em que eu fiz anos, a minha mãe tentou ligar para a pastelaria para encomendar o bolo e ninguém atendeu. Foi lá e bateu com o nariz na grade, já que a porta estava entreaberta. Pesquisei, perguntei, quis muito que aquela decisão voltasse atrás. Mas nunca mais. 90% das vezes que passo na rua que dava acesso à tal viela, sinto o sabor e a suavidade daquele bolo na minha boca. E tenho saudades.

Tantas que fiz uma coisa que quase nunca dá resultado: tentei reproduzir o bolo. Por mero acaso a minha pasteleira de eleição (a La Dolce Rita) deu a receita deste bolo, tipicamente servido em aniversários, e eu aproveitei que a minha irmã fazia anos para pôr a mão na massa (dado que estou em dieta e não posso fazer doces para além das datas excepcionais). Fiz a receita direitinha (com muito custo, diga-se de passagem: só à terceira é que consegui que o doce de ovos me saísse direito), fui pesquisar receitas de massapão (que também tive de repetir, porque a primeira correu mal) e lá montei o bolo. Acho que nunca estive tão ansiosa para cantar os parabéns! Queria tanto, tanto, tanto que o sabor estivesse lá. Queria tanto acertar.

E estive perto. Quando meti uma garfada à boca, quis pôr logo outra. O sabor estava lá. Faltava alguma humidade no bolo, precisava de mais doce de ovos e o manuseamento da massapão também não foi o ideal (embora fosse algo meramente estético). Mas tudo estava lá. Viajei no tempo enquanto saboreei a minha própria obra e desfrutei do meu dia da asneira. Tirei notas mentais sobre o que tinha de melhorar da próxima vez e já anseio pelo próximo aniversário para o meu paladar voltar aos tempos de criança. Que saudades traz um simples bolo...

 

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 (alguns dos meus bolos antigos)

 

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(o bolo que fiz para a minha irmã. as flores de açúcar, comestíveis, foram compradas - não tenho arte para tanto)

21
Mai16

366 dias depois... (ou uma viagem no tempo até ao Fora da Caixa)

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Há cerca de um mês atrás tinha planeado escrever um post a propósito de fazer um ano desde que filmamos a primeira reportagem para o Fora da Caixa. Quem acompanha o blog diariamente deve ter-se apercebido que esse post não foi para o ar - porque nunca o consegui acabar de escrever. Há experiências tão complexas e indescritíveis na nossa vida que se torna difícil falar sobre elas - pelo menos de uma forma justa; é difícil dar a entender aos outros aquilo que essas experiências foram para nós, porque por serem tão "grandes" e terem tomado determinadas dimensões na nossa vida parece que, por mais que digamos e escrevamos, tudo fica aquém da realidade.

Isto serve para o bem e para o mau - há coisas indescritivelmente felizes e outras indescritivelmente tristes. Já tive das duas e todas me marcaram de tal forma que sinto que chegaram mesmo a mudar o rumo da minha vida. O Fora da Caixa foi a última experiência desse género que tive - e pode não ter mudado a minha vida completamente, mas foi definitivamente um ponto de viragem, tanto a nível pessoal como universitário.

Faz hoje um ano em que o programa foi para o ar, o culminar de vários meses de trabalho e de vivências intensas que não consigo esquecer. E por muito que não faça jus a tudo isto, hoje não podia deixar de escrever sobre o programa que marcou a minha vida, o meu "bebé". Faço, por isso, um post um bocadinho diferente do normal - quase que como uma "viagem", entre texto e fotografias, algumas que ainda não tinha mostrado a quase ninguém.

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Porque eu posso, de facto, escrever os quilómetros que quiser sobre esta experiência - mas nunca vou deixar de sentir que não estou a transmitir de forma digna e fidedigna o suficiente aquela experiência, de forma a explicar o efeito colossal que aqueles três meses de stress, pressão e trabalho brutais surtiram na minha vida. Talvez só as pessoas mais próximas consigam entender, até por verem o "antes do Fora da Caixa" e o "depois do Fora da Caixa" da Carolina. Acho que a minha família e amigos mais próximos nunca duvidaram das minhas capacidades, e todo o orgulho que sentiram em mim foi para além daquilo que foi para o ar e do trabalho que fiz - foi por perceberem que os outros também perceberam um bocadinho de quem eu era, algo que em todos os anos de escola e faculdade eu nunca tinha sido capaz de fazer.

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 A frase que mais ouvi depois do programa é que quem tinha saído fora da caixa tinha sido eu - e não posso nega-lo. A minha relação com a universidade mudou assim como a minha relação com os meus colegas - que deixaram de ser só caras e passaram a ser pessoas, a ter qualidades e defeitos, para além de estigmas e rótulos que atribuímos inevitavelmente às pessoas antes de as conhecermos devidamente. Fiz amigos e criei conexões, que foi algo que nunca tinha feito - e que a vida, no fundo, me obrigou a aprender. E tive experiências que não esperava - não esperava nunca sair em reportagem, falar com as pessoas, interagir com elas. Não esperava ter de idealizar um cenário, ter o stresse de não ter quase um convidado em estúdio. Na verdade, nem sequer esperava ter sido tão feliz como fui, uma vez que os relatos dos anos anteriores eram de zangas, brigas e chatices, mais do que outra coisa qualquer. Mas, pelo contrário, o Fora da Caixa deu-me tudo o que era previsto e muito, muito, muito mais.

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Digo-o, sem pudores, que foram dos 3 meses mais felizes da minha vida - também por terem sido vividos depois de um meio ano particularmente difícil para mim e para a minha família. Eu tenho muitos defeitos na minha lista para apontar - e sei que o meu constante estado pessimista, de não aproveitar tudo o que a vida me dá e a sorte que tenho é um deles. Mas, por outro lado, tenho a capacidade de perceber os momentos em que estou feliz e de os aproveitar ao máximo; de lhes tirar todo o sumo, até à última gota, até só ficar mesmo a casquinha. E foi isso que fiz. Dei tudo de mim, até à última gota de suor, a última lágrima, o último grito de irritação ou de vitória e o máximo dos minutos do meu dia, até cair todos os dias redonda de cansaço na cama.

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Não sei se foi isso que fez deste um dos melhores programas que CC já viu (e não, não vou ser modesta em algo que tenho a certeza), mas tenho a consciência tranquila relativamente ao meu trabalho. Ainda hoje há quem me fale do programa, que me dê os parabéns. Fiquei espantada quando há uns tempos, numa reunião pré-estágio, um professor veio ter comigo e me perguntou o que estava ali a fazer. Eu olhei para ele de soslaio, como quem diz "queria que estivesse onde?!" e ele, percebendo o meu olhar confuso, disse: "achei que estivesse em multimédia". Eu achei aquilo estranho, porque tinha a certeza que nunca tinha partilhado com nenhum professor a minha antiga ideia de ir para engenharia informática - só daí é poderia vir a ideia que enveredaria por um ramo que não assessoria. Perguntei porquê e ele respondeu, para meu espanto, que achava que a minha posição de realizadora no Fora da Caixa me tivesse feito perceber que tinha um dom. E sim, ele disse a palavra "dom". E eu fiquei abanada, sem sequer conseguir ouvir bem a conversa que se seguiu, sobre o facto de se precisarem de pessoas no cinema em Portugal e etc. Fiquei orgulhosa, não posso esconder.

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Agora restam-me as saudades - e, acreditem, tenho muitas. Agora que a faculdade está definitivamente a ficar para trás das costas, esta é a única altura de que sinto saudades e que sei que voltava atrás mal me dessem essa oportunidade. Só tenho pena que uma faculdade destas não promova mais atividades deste género e que não incentive (ou permita) os alunos a continuarem este tipo de coisas, como era a nossa vontade. Por mim ainda hoje ali estava, a fazer um programinha uma vez por mês e a alimentar o bichinho que nasceu em mim no que diz respeito à realização. Acreditem que nunca mais vi programas de televisão da mesma forma.

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Hoje, quando assisto aos novos programas de CC dos novos alunos de segundo ano, quase que consigo sentir a adrenalina deles. E, claro, o que mais sinto é saudade. Vivia tudo de novo. As alegrias, as tristezas, os fracassos, as zangas, as amizades, as conquistas, os dramas, a descoberta, o stress, a pressão, o trabalho. Tudo. 

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Mas o tempo não volta atrás e restam-me as memórias. As fotografias que partilho em cima (e muitas outras que tenho guardadas algures nos arquivos do computador) e os vídeos, do programa e do making of. Termino apenas com uma confissão: mesmo passado um ano, nunca vi o programa na íntegra. De cada vez que ligo o vídeo, a minha mente avança para as milhares de memórias que tenho em relação a isto. Lembro-me do que se estava a passar na régie, do que dizia, do stresse - e quando olho outra vez para o ecrã, os minutos tornaram a passar sem eu dar conta e sem eu ouvir - de novo! - o que estava a ser dito.

É demasiado para um coração que, mesmo passado um ano, ainda não aguenta tanta emoção. Há experiências maiores que nós próprios e esta é uma delas. 

 

 

08
Nov15

Chávena de Letras - "Vida e Morte" (Versão alternativa de "Crepúsculo")

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 É bom voltarmos aos sítios onde fomos felizes mas também pode ser difícil. Passados (acho) sete anos depois de ter lido o "Crepúsculo" pela primeira vez, soube-me bem recordar (não fosse eu uma saudosista por natureza), viajar atrás no tempo e refletir no que mudou; por outro lado, ler esta história "invertida" não foi algo que apreciasse por aí além, nem acho que a mudança tenha trazido algo de muito positivo.

Convém afirmar que, desde o primeiro momento, achei esta história da inversão das personagens totalmente ridícula - quando li a notícia, apeteceu-me chorar de rir. Ainda assim, saber que podia reviver um bocadinho de tudo isto fez-me pegar no livro e lê-lo quase sem parar, numa tentativa (infrutífera) de voltar atrás no tempo. As emoções, as saudades e toda a ligação emocional que tenho com estes livros falou mais alto - e haver algo novo para ler puxou por mim, uma vez que não sou de reler livros (nunca reli nenhum, nem mesmo da saga - posso apenas ler partes, mas não mais que isso).
O facto da autora ter trocado as personagens fez com que sempre que lia um nome novo pensava logo em quem era quem - tentava "traduzir" sempre as personagens para a história original e isso fez com que não conseguisse saborear a história por completo, por estar sempre a estabelecer paralelismos (e por me confundir bastante, principalmente em relação aos irmãos Cullen). Por outro lado, ler esta história narrada por um rapaz e a forma como ele fica completa e totalmente apaixonado por uma rapariga também me baralha - pode (e deve) ser uma falha minha, mas eu acho sempre que os homens são menos sensíveis, mais racionais, menos dados a todos os floreados que as paixões - no caso das mulheres - parecem trazer atrelados. Ler a história do Beau e a forma como ele fica completamente "babado" pela Edythe soa-me a algo pouco natural, até forçado - isto porque, no fundo (e é um defeito meu), é algo em que não acredito. Percebo a intenção da Stephenie Meyer de tentar dar a entender que a Bella não era fraca, que toda a saga do Twilight podia ter sido vivida tanto por um homem como uma mulher (no que a sentimentos diz respeito, claro, uma vez que há coisas nos livros seguintes que nunca poderiam ser vivenciados por um homem), mas não concordo - acho que esta história só faz sentido tal e qual foi escrita no primeiro momento, com a "minha" Bella e o "meu" Edward, cada um no seu lugar e com a sua história própria.
A edição portuguesa tem bastantes erros, principalmente de género (uma vez que aquilo que deve ter sido feito foi um "copy paste" da tradução anterior e onde apenas se mudou aquilo que a autora tinha escrito a mais em relação à edição original do Crepúsculo). Há muitos "ela" que deviam ser "ele" e outras gralhas do género.
Atribuí três estrelas ao livro porque o meu coração não deixa dar menos - se a ligação que tenho com este mundo não fosse tão forte e o lado racional falasse mais alto, uma pontuação mais baixa era mais do que possível. A única razão pela qual esta leitura valeu a pena foi mesmo para matar saudades e perceber que toda esta paixão - lida na sua versão original e no contexto em que eu estava na altura - teve mesmo uma razão de ser. E que estou eternamente grata por todas as coisas boas que todos estes livros e filmes trouxeram para a minha vida.

 

Spoiler! )

 

03
Set15

Regresso às aulas

Há um par de dias fui ao Staples comprar uns tinteiros com o meu pai e, mal entrei, fui envolvida por aquele cheirinho de papel e material escolar que sempre me acompanhou nos dias antes de ir para a escola.

Lembro-me bem da ansiedade de ir comprar as coisas - não a mochila, que não mudei assim tantas vezes como isso, mas dos cadernos pretos - que decorava em casa, todos os anos, com pinturas e colagens-, dos lápis, das canetas e das borrachas. Era um ritual que adorava. E sempre, sempre acompanhado por aquele cheiro característico do papel, misturado com o das mochilas e estojos a estrear.

Há um par de dias fui ao Staples e cheirou-me a regresso às aulas. E, para além do cheiro, inundaram-me as saudades.

22
Ago15

Pré-saudades agudas

Fui tia muito nova. Com dez anos ninguém consegue exercer tal cargo na sua plenitude e, talvez por isso, nunca fui tia: fui sempre Tili, o nome por que todos os meus sobrinhos me chamam. Nunca eles me chamaram "Tia Carolina" - o primeiro deu-me o diminutivo e ficou, até hoje, ao ponto de eles não saberem o meu nome verdadeiro.

Só há um que ainda nada me chama - porque ainda não fala e, provavelmente, nem me reconhece apesar das muitas horas que passo com ele. O David é o bebé mais sorridente do mundo - sorri para homens, mulheres, meninos e meninas, de cabelo curto ou longo, preto ou loiro, com barba ou sem pêlo à vista: sorri para quem vê e isso, desde o primeiro minuto, derreteu o meu coração. O David não chora - nos três meses que esteve aqui, ouvi-o a berrar mais seriamente uma vez, e a muito custo, porque chorar, ao contrário dos outros bebés, não é algo que ele pareça saber fazer. O David come tudo, abre a boca a tudo e não faz cara feia a nada. O David só não gosta de dormir, mas até para isso é pacífico: dez voltas no carrinho e ele sucumbe ao sono. O David é o meu sobrinho mais nenuco, mais redondo e simétrico, literalmente tirado de capa de revista.

A forma como sentimos as coisas depende muito da fase da vida que estamos a passar e eu sei que esta paixão que ganhou o meu coração também se deve ao facto de me ter agarrado a este bebé, com unhas e dentes, para me salvar deste verão desgraçado. Os meus dias mais felizes foram aqueles em que acordei, fui para a cozinha e já lá estava ele, a sorrir para mim mal passava a linha da porta. Foi quando passei meia hora com ele, só nós dois, a refinar o único método de locomoção que ele conhece: rebolar pela cama fora. Foi quando lhe dei os iogurtes da manhã e da tarde e não sujámos nem um bocadinho da babete. Foi quando fomos juntos para a piscina e ele se marimbou para a água mais fresca que o normal e deu às pernocas gordas. Foi até quando me apercebi que ele tinha um cocó gigante até às costas e tive de o limpar - com muito custo - e o enfiar no lavatório para me certificar que não ficava com vestígios colados ao rabo - e foi, claro, quando lhe ia enfiar a fralda e ele, sem aviso prévio, fez xixi sem avisar e com a fralda de fora.

Hoje tenho mais dez anos no lombo do que quando fui tia pela primeira vez e tenho a plena noção de que este foi o sobrinho por quem mais me perdi de amores até agora. Por andar triste e ele me alegrar todos os segundos que passa comigo, por ser mais velha e adorar recém-nascidos, por ele ser o bebé mais simpático e sossegado que conheci até hoje e me dar esperanças na classe das "crianças-que-afinal-não-são-birrentas". Não tem nada mais do que os outros, mas é simplesmente especial. Talvez por ser o único que nasceu comigo com idade para ser tia - ou por me ter apaixonado por aqueles bochechas e aquele sorriso desdentado como nunca aconteceu com outro bebé.

Amanhã o David vai embora - ele, o meu irmão, a minha cunhada e o meu sobrinho - e eu sinto que uma fatia grossa do meu coração vai com eles. Nas últimas "partidas" tenho conseguido conter-me mas sei que amanhã vai doer mais do que o costume - que o nó na garganta vai doer mais, que as lágrimas vão correr sem lhes dar ordem. A minha luz destes três meses vai embora e eu nem sei onde me meter.

 

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29
Jul15

Eu já tive uma casa no Algarve

Eu já tive uma casa no Algarve. Era linda, pequenina; era a melhor casa do mundo. Apesar de não a visitar, como a deixei, há praticamente dez anos, podia desenha-la na perfeição, decoração incluída. Lembro-me da cozinha minúscula, onde não cabiam mais de três pessoas; lembro-me do jardim interior, um quadrado com um metro e meio de lado que não servia para nada mas que acrescentava uma mística à casa; lembro-me da ventoinha da sala, que de cada vez que se ligava dava a sensação de que ia voar; lembro-me do meu quarto, do quadro com as bolas de bilhar e dos dois guarda-fatos, um de cada lado, com uma espécie de toucador no meio; lembro-me da piscina, pequenina mas perfeita, para usar sempre que o calor não deixava respirar; lembro-me do quarto exterior, essa coisa que nunca vi em casa alguma e que fazia daquela a coisa mais gira deste universo - lembro-me dos dois beliches, da casa de banho horrenda e do cheiro a praia que lá morava; lembro-me do alpendre onde estendíamos a roupa, tapado por umas plantas de folhas fúxia que agora não me lembro do nome; lembro-me dos sofás, típicos de casa de praia, com um estampado de florzinhas cor-de-rosa; lembro-me da televisão da sala, que só dava os quatro canais e também do tabuleiro de xadrez que estava imediatamente por debaixo dela, onde, numa manhã, o meu pai me ensinou a jogar damas. 

Podia passar o dia nisto, a descrever-vos cada pormenor daquela casa. Já lá fui depois de a termos vendido, mas estava diferente - perdeu a simplicidade de uma casa de férias, deixou de ser a minha casa. Pintaram-na com mil e uma cores, em vez da simplicidade do branco; deram nomes aos quartos (o do fogo, o da água, o da terra) e anexaram o quarto exterior, dos beliches, à casa, fazendo com que se perdessem para a eternidade todas as noites de loucura que aquele quarto proporcionou. Ainda assim, e porque de cada vez que cheiro o Algarve as saudades apertam, gosto sempre de lá passar, ver que ainda é viva e que, ao menos, alguém é feliz nela. 

Ainda lhe guardo a chave principal, não deixei que a deitassem fora quando fechamos, pela última e derradeira vez, aquela porta de madeira branca. Mesmo quando falamos entre nós, quando temos a típica conversa do "se eu ganhasse o euro milhões", eu digo que não - não queria ter outra casa no Algarve. A casa que eu queria, já a tive, já existe e era aquela.

Eu já tive uma casa no Algarve e tenho muitas, muitas saudades. E hoje, se pudesse fugir, era para lá que ia. Hoje, mais do que as saudades, queria mesmo ter um sítio para onde escapar, um lugar seguro. Mais perto do sol, mais perto do mar quente, mais perto da praia que me faz feliz, mais perto do sossego de alma que só o Algarve me traz.

 

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06
Dez14

Snake original de volta aos nossos telemóveis

Ainda aqui há tempos falei nas saudades que tinha daqueles joguinhos mais simples tipo snake, que jogávamos no nossos antigos telemóveis, que pesavam como calhaus, mas que têm um lugarzinho especial no nosso coração.

Pois que, enquanto pesquisava jogos novos para me entreter nos minutos mortos, encontrei um jogo snake igualzinho ao original! Tem até a possíbilidade de escolherem por entre os vários telemóveis antigos, sendo que o jogo se adapta às (pequenas) diferenças que existiam entre eles. E, claro, joga-se clicando no teclado "original", através dos números do antigo telemóvel que escolhemos. Uma maravilha. Como diz a outra, "bateu forte cá dentro". 

Matem as saudades, descarregando esta aplicação (para android, não sei se há para iOS).

26
Jun14

Matar as saudades do bom futebol

Quando vi que ia haver um jogo de despedida do Deco pensei logo que tinha de ir. Mas depois vi que era um jogo do FC Porto de 2004 contra o FC Barcelona de 2006 e aí pensei MESMO que tinha de lá estar. Vão lá estar jogadores como o Messi, Ronaldinho Gaúcho, Eto'o a jogar pelo Barça e o Mourinho como treinador do FCP, e jogadores como Vitor Baía (oh meu deus!), Paulo Ferreira, Ricardo Carvalho, Jorge Costa, Costinha, Maniche e Derlei (ai as saudades).

Os bilhetes, para sócios, não são muito caros e eu não podia perder a oportunidade de ver em campo os jogadores que me fizeram aprender a gostar de futebol, na época em que ganhamos a liga dos campeões. Ver o Deco e o Vítor Baía a jogar vai ser um sonho realizado. Já sinto o espírito de miúda de 10 anos apaixonada por futebol a crescer dentro de mim. 

Dia 25 estou por lá, para matar saudades do meu estádio azulinho, que o ano passado (graças a uma época desgraçada) nem visitei. Vai ser bom reviver esta paixão antiga!

 

17
Mai14

Este início de verão...

Estes dias quentes mas, ainda assim, frescos (e não, isto não é uma contradição: aqui no Porto há uma coisa muito comum chamada vento, que estraga tudinho) fazem-me lembrar de há um ano atrás, quando comecei a ir tomar cafés e a passar alguns inícios de noite fora de casa.

Subir esta rua de minha casa, que me deixava com a língua de fora quando chegava ao topo. Desviar-me dos morcegos que pareciam vir diretamente na minha direção. Andar de camisa mas levar um camisolão, porque sabia que à noite fazia frio. Levar sapatilhas, embora mais quentes, porque sabia que andar demasiado nas sabrinas me faria bolhas descomunais. E vir de noite em modo completamente alerta, a pé, a passar da meia noite, por ruas que só tinha passado dentro da segurança de um carro, embora já cá viva há mais de uma década.

Agora é mais fácil. Não há problemas com as horas, os sapatos ou o sentido de alerta apurado para ter a certeza que não está o lobo-mau aí no virar da esquina. A coisa mudou de forma: agora sou eu quem levo a malta de volta a casa, em vez de serem eles a levarem-me a mim, já com uns quilómetros nos pés.

As coisas mudam ao longo dos tempos. Felizmente, outras ficam. Estou agora de saída para o café com a malta do costume, os de há um ano atrás. Só que agora vou de carro.

13
Mai14

Os professores

Uma das maiores diferenças que notei do secundário para a faculdade foram os professores. A diferença é só e simplesmente astronómica. Confesso que, no meu caso, por estar num pólo à parte do resto da faculdade, acho que as coisas se extremizam e cada um faz o que quer, mas ainda assim as diferenças continuariam a ser visíveis.

Não há conversas de circunstância, "tudo bem?'s" sinceros, ajudas extra, mãos nos ombros ou qualquer tipo de compaixão. São-nos completos estranhos. Não sabem o nosso nome nem nunca o vão saber, até porque fazem questão que assim seja, porque não são cá colegas de escola. Podemos ser cordiais ao máximo nos emails, e eles respondem-nos em letras minúsculas, sem um "olá", uma despedida ou um ponto final. Podemos ter aulas, mas se há trabalhos a apresentar, têm de ser apresentados no tempo útil do professor, mesmo que isso nos faça faltar. Podemos passar a manhã na faculdade, chegar a casa já depois das horas úteis do almoço, mas já devíamos ter ido ao email: está lá uma mensagem a dizer que há uma aula extra a essa tarde e que, se faltarem, vai haver consequências - pena que, na altura em que lês essa mensagem, já a hora da aula passou. Podes chegar atrasada à aula, a professora não reclamar, mas marcar-te falta na mesma e ignorar-te por completo, como se uma falta na folha de presenças invalidasse a tua presença naquela sala. Podes estar motivado e com todas as tuas forças, mas é garantido que em meia dúzia de palavras, num dia mau, eles deitam o teu dia e a tua alegria pelo cano abaixo.

Tenho saudades de falar com os meus professores, de ouvir conselhos, raspanetes e histórias de quem sabe claramente mais do que eu. Dos abracinhos rápidos, dos beijinhos, das mãos pelos ombros de forma maternal ou paternal de quem, genuinamente, gostava de nós. E sabe o nosso nome. E se preocupava. E não de quem acha - e está - acima de nós, e que potencia essa distância de todas as formas que consegue.

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