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Entre Parêntesis

Tudo o que não digo em voz alta e mais umas tantas coisas.

03
Nov24

Se fosse médica queria ser paliativista

Se eu fosse médica, quereria ser paliativista.

É claro que nunca o quis ser. Não há figura que me meta mais medo na vida do que um médico. Não vos sei dizer porquê: se por um lado têm o poder de nos tratar, têm também o poder de nos infligir dor para atingirmos a cura; são transportadores de notícias que nos aliviam o coração, mas muitas vezes comunicam-nos informações que nos tiram o chão; precisam muitas vezes de nos tocar para melhorarmos, mas acham-se frequentemente donos do nosso corpo, sem qualquer pedido de autorização; são o mais próximos que nós temos de Deus, mas têm - alguns - a mania que são deuses, intocáveis, inquestionáveis e indomáveis. E esta figura ambígua sempre me causou angústia. O meu medo não era ir ao médico propriamente dito - era ouvir o seu diagnóstico, aquilo que tinham de me fazer (o maior deles: onde e o quê que tinham de cortar?), perceber onde é que tinham de me tocar para resolver o problema.  

Hoje olho para trás e desejo profundamente que os últimos dez ou onze meses sejam uma fase já encerrada da minha vida, em que as entradas e saídas de hospitais eram semanais, muitas vezes diárias. Foi a chamada terapia de choque: passei de fugir dos médicos para estar sempre a correr atrás deles. Ainda assim, a figura do "doutor" não é algo com a qual já tenha feito as pazes. Porque se por um lado vi um outro lado da medicina, por outro lado os vilões que sempre temi continuam lá: vi-os, com a minha irmã, a olharem para o doente como algo que precisa de tratamento, independentemente do quanto lhe dói ou lhe custa. Como se não fosse um ser humano como eles. E ao dia de hoje ainda não os consigo ver como aliados... talvez nunca consiga. Para mim, com toda a dose de irracionalidade que isto tem, estarão sempre do lado do mal - ainda que vistam frequente e justamente a capa de heróis.

Mas sobre os maus da fita não vale a pena escrever. Este texto tem que ver com os bons - com os médicos que hoje têm o meu eterno respeito, admiração e gratidão. Médicos que não têm a obsessão pela cura, mas que estão em permanente atenção com o doente. Como se sente, aquilo que deseja, onde dói. Foi dos exercícios de maior altruísmo que vi na vida. Porque ser médico e curar é fácil - é aquilo que todos almejam, é a parte "boa" de ter estudado medicina; mas ser médico e encarar a morte como parte do processo natural da vida é só para alguns. E esses são especiais. São paliativistas.

E por isso, estranhamente, foi nos Cuidados Palitivos que encontrei o conforto e confiança na medicina que nunca antes tinha sentido. Foi com medo que trespassei pela primeira vez aquela porta de madeira (quem não?). Racionalmente já tinha feito as pazes com o local que parece ser o mais assustador do hospital (tirando os cuidados intensivos e a unidade de queimados, talvez?), com aquele nome e com a ideia do que lá vamos encontrar. Desde o início desta jornada do cancro que tratámos os paliativos como algo normal e que faziam parte do processo. Eram paliativos: para prolongar a vida, para dar qualidade aos dias que tínhamos pela frente, mas fora do sonho da cura.

Não vou mentir: o primeiro contacto foi penoso. Ainda fora da unidade, quando a minha irmã estava hóspede noutro serviço, vivi uma das conversas mais difíceis da minha vida, num dia que é hoje um borrão na minha memória, em que recordo apenas alguns detalhes dolorosos que tornaram aquelas 24 horas num dos piores dias da minha vida. (A verdade é que, hoje em dia, tenho difículdade em fazer um ranking: foram tantos os momentos maus, de profundo desespero, que já não consigo escalá-los.) Mas ouvir duas médicas a dizerem-nos a verdade daquilo que viam, sabiam e conheciam... foi duro. Muito duro. Faz parte daquilo que é ser paliativista: ser realista, ajustar a esperança àquilo que é realmente possível. Foi um reajuste de expectativas e de longevidade difíceis de engolir - ainda hoje, já tendo a minha irmã falecido, as lágrimas afloram quando relembro esse momento. Uma das coisas que mais me marcou foi ver, pelo canto do olho, o marido de outra paciente agachado no chão, a chorar, enquanto ouvia aquilo que estavam a dizer à minha irmã: porque as cortinas escondem a imagem, mas o som não fica contido por aquela redoma de pano. Todos ouvimos, todos sofremos, todos percebemos aquilo que nos estavam a dizer: o tempo era curto.

E o grande desafio de acompanhar alguém com uma doença terminal é ter a capacidade de mudar o chip rapidamente, não deixando a pessoa afogar-se em pensamentos que a levarão para o fundo do poço; temos de pensar e agir de forma célere, encontrando o outro lado da moeda que às vezes parece ter só uma face. Eu sabia que não podia ficar muito tempo a marinar naquela depressão, até porque o relógio não corria a nosso favor. E, depois de umas horas de choro e meditação em casa, percebi: não importa a quantidade de tempo, importa a qualidade. Eu não queria saber de expectativas de tempo, não queria saber de progressões da doença, não queria saber quanto pesava a minha irmã; queria era saber se a energia dela permitia que vivêssemos um dia bom, diferente, riscando coisas da nossa bucket-list. E, ultrapassada a fase do confronto com a realidade, esta é a segunda (e derradeira) parte de ser paliativista: mostrar o que ainda há para viver, lutar e dar qualidade de vida para lá chegar. Os médicos com quem tive a oportunidade de conviver tinham uma estranha capacidade de serem radicalmente frontais e dizerem as coisas mais duras, conseguindo simultaneamente ser doces, compreensivos e empáticos. Um mix mágico e raro - tão difícil de encontrar que não sabia ser algo passível de ser misturado. E quando vivenciei tudo isto na pele pensei: "se um dia fosse médica, era isto que queria ser".

Depois do baque inicial, conseguir mudar de perspectiva deu-me uma paz que não havia tido naqueles meses de pura luta. Não se tratava de baixar os braços: pelo contrário, era combater pela continuidade de dias bons. E ter à nossa disposição médicos que lutam connosco por essa qualidade de vida, que se preocupam realmente com o doente, que o vêem como um todo... é um luxo que eu não sabia que existia. Finalmente encontrei um médico que não tem de infligir dor para curar... porque o objetivo não é a cura. É a vida. Por mais curta que possa ser.

Num dos muitos dias que passámos na unidade - um dia por acaso especial, pois o meu irmão fez um concerto para os doentes que estavam lá internados - o enfermeiro-chefe disse-nos que os Cuidados Paliativos eram a unidade com mais vida do hospital. E isto pode soar estranho, mas a verdade é que ali a vida vive-se com outra intensidade: a intensidade com que todos os momentos devem ser vividos, atribuindo-lhes o seu real valor. As pequenas coisas deixam de ser pequenas: passam a ser o bálsamo dos nossos dias. E isso sim, é viver. 

É óbvio que esta passagem pelos Cuidados Paliativos moldou a minha vida. São locais que deixam marcas. Mudou a forma como olho para a medicina e como encaro os médicos. Trouxe ao de cima o quanto eu gosto de cuidar dos outros - o que é muito estranho, porque nunca gostei de toques, mas dei por mim a levantar e deitar pessoas estranhas e a dar-lhes a mão só para terem uns minutos de conforto. Alterou a minha forma de ver e lidar com a morte - foi a primeira vez que testemunhei a passagem de alguém - mas, acima de tudo, mudou a maneira como olho a vida. Conheço agora a sua efemeridade, a sua aleatoriedade e acho que percebo alguma coisa (do alto dos meus vinte e nove anos) sobre o seu valor. 

É uma realidade que preferia não ter conhecido - mas, tendo em conta que não tive escolha, estou agradecida à vida por me ter colocado tão boas pessoas no caminho e a oportunidade de aprender tanto. Não é algo que vá esquecer, nunca. O Serviço de Cuidados Paliativos do Hospital de São João será eternamente um local associado à dor de ir perdendo a minha irmã - mas também à oportunidade de viver mais um dia com ela. Será, sempre, uma família que não esqueceremos.

 

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Este texto é dedicado a todas as pessoas que frequentam os Cuidados Paliativos: os pacientes, os familiares, os médicos, os enfermeiros, os "extras" (psicólogos, padres, nutricionistas) e os auxiliares.

É para a minha irmã, que lutou como uma heroína e de quem tenho muitas saudades.

É para a Dra. Teresa, que terá a minha gratidão eterna.

É para a Diana, para D. Conceição, para a D. Lídia, para a D. Fátima, para a D. Cremilde, para o Sr. Bernardo e para todos os que fizeram companhia à minha irmã, partilhando o seu quarto mas também um pouco de si, e que marcaram não só aquela unidade mas, acima de tudo, aqueles que cruzaram o seu caminho.

26
Out24

O fim de uma luta, o término de uma vida e o início de outra

A minha irmã morreu na terça-feira.

Foram oito meses de luta. Talvez, lendo isto, pensem: "caramba, foi tão rápido". Mas a verdade é que passou muito, muito lentamente. Sei que os relógios me vão contrariar, mas ninguém me tira da cabeça que alguns dos dias que vivi tiveram cerca de 129 horas. Eram intermináveis. Aquele pesadelo nunca mais terminava. A notícia boa nunca vinha, o alento nunca chegava. Os momentos maus foram imensos, incontáveis, indescritíveis, de uma dor que não consigo pôr em palavras. Mas, caramba, como desfrutei dos bons! Como vivi com ela! Como fiz dos momentos mais pequeninos as joias mais preciosas..!

E foi isso que me permitiu usufruir de uma tranquilidade que nunca achei possível aquando da sua morte. A minha irmã morreu em casa e eu soube que ela ia morrer. Eram três da manhã quando acordei repentinamente e o meu corpo se ergueu como se tivesse uma mola nos pés, sabendo claramente ao que ia. Quando fui até ao seu quarto percebi que ela já não estava no mesmo plano que eu. E é com muito orgulho que digo que, ainda que com ajuda dos meus irmãos, fui eu que decidi todos os pormenores das cerimónias que iriam celebrar a sua vida - e que bonito que foi! Porque mesmo na tristeza profunda, na dor e no luto pode haver beleza. A minha irmã estava linda e em paz da última vez que a vi, com o sorriso que lhe era tão característico. 

E da mesma forma que cuidei da minha irmã sem "se's" ou "mas" - ignorando opiniões alheias e não perdendo tempo naquilo que era ou não suposto ser o meu papel - foi assim que encarei os últimos dias do corpo dela em terra. Sei que as flores dos funerais são normalmente brancas, mas posicionei estrategicamente todos ramos coloridos que lhe haviam traziado em cima e à frente do caixão. Quis ir para as cerimónias fúnebres com roupas de cor (era, provavelmente, a única pessoa da igreja com um vestido vermelho às flores - um ultraje!, terá pensado a beata e outros tantos, mas não é isso que alguma vez me tirará o sono à noite). Quis ler no seu funeral uma homenagem, porque não queria que aquele fosse um momento igual aos outros. A minha irmã era, para mim, sinónimo de cor e sol; de algo especial e marcante. E eu tentei fazer com que estes últimos momentos fossem um reflexo disso. Não fazia sentido ir de preto quando aquilo que ela me ensinou foi a ver o arco-íris todo; não fazia sentido chorar quando ela me proporcionou dos momentos mais felizes da minha vida.  

Muitos acharão que a minha forma de estar durante aqueles dois dias eram uma capa, uma defesa. Sei que pensam que o meu sorriso era um muro que acabaria por desabar em casa ou nos dias seguintes. Mas saibam que foi tudo genuíno - o que não implica que, quando eu me aperceber que não posso ligar à minha irmã para contar um evento da minha vida ou que quando vir o seu lugar da mesa vago aquando de uma celebração ou aniversário, não irei desabar. Mas a minha postura leve e pouco chorosa daqueles dias foi o espelho da paz de espírito que vai na minha alma; a paz de quem acredita que fez tudo, tudo, tudo o que podia ter feito. E a serenidade de saber que tinha de a deixar ir. Porque esse talvez seja o supremo ato de amor - largar a mão, pôr a nossa vontade de parte e dizer: vai. 

Não fazia sentido eu não partilhar isto aqui no blog - primeiro por respeito às pessoas que têm acompanhado os parcos desenvolvimentos que aqui deixei e que clara e facilmente perceberam que algo muito destruturante se estava a passar na minha vida, mas também por respeito à história deste que acaba por ser o livro aberto da minha vida. Há treze anos que aqui escrevo, que partilho alegrias e depressões, e sentia-me na obrigação de aqui registar a maior tristeza desta minha jornada de vinte e nove anos: a minha irmã morreu. A Joana. A minha, e eterna, mana.

Esta luta - sem dúvida a maior da minha vida - acabou, o que não significa que isso se reflita no fim de um capítulo aqui no blog. O poder e o impacto do cancro e da partida da minha irmã foram cravados a ferro quente na minha alma e isso não são feridas que se possam ignorar. Há ainda um texto importante, já meio escrito, que quero partilhar... mas eventualmente, ao longo do caminho, surgirão outros, onde certamente a saudade será o ponto central. Talvez, também, seja pertinente explicar a forma como cheguei até aqui - é provável que soe a cliché, mas posso tentar descrever a maneira como percorri o caminho de forma a ir fazendo um luto pacífico, usufruindo do percurso e não me focando simplesmente na crueldade deste destino. Quiçá partilhe o elogio fúnebre que lhe escrevi. E que, pelo meio, volte ao meu registo habitual (ainda há o roteiro de uma viagem à Islândia para terminar). 

Quinta-feira, depois de todas as cerimónias oficiais, ainda fomos enterrar as suas cinzas. No entanto, foi o primeiro dia depois de todas "obrigações" e protocolos habituais que um evento destes acarreta. E, mal acordei, surgiu logo na minha cabeça uma música de que nem sequer gosto particularmente mas que não me deixou o cérebro em paz: Sérgio Godinho não parecia cansar-se de me cantar ao ouvido de que "hoje é o primeiro dia do resto da tua vida". Uma vida que eu não queria estar a viver mas que vou ter de aprender a navegar.

Porque a verdade é que uma vida se perdeu no dia 22 de Outubro de 2024, mas eu não quero que a minha se perca também no meio do luto e de uma dor sem fim. Sei que não é isso que a minha irmã quereria para mim. Por isso, quero viver por mim e por ela. Quero saborear, ainda que sinta que estou a comer uma goma ácida. Só o futuro o dirá, mas é possível que fique para sempre com um amargo de boca. Que isso, no entanto, não me impeça de testar novos sabores, de comer a minha comida preferida e de sempre, sempre, sempre ir comendo. Vivendo. Seguindo. Lutando. Agora com a garantia de que ela está comigo. Sempre. Para sempre. Porque a morte, sendo o sinónimo de tudo o temos de mais temível e terrível nesta vida, leva muita coisa mas não tem a capacidade de quebrar um amor destes.

 

"Em fim de uma escolha faz-se um desafioEnfrenta-se a vida de fio a pavioNavega-se sem mar sem vela ou navioBebe-se a coragem até dum copo vazioE vem-nos à memória uma frase batida

Hoje é o primeiro dia do resto da tua vida"
 
 

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Joana Gonçalves Lemos, o primeiro amor da minha vida

27/01/1979  //  22/10/2024

13
Out24

O que o cancro nos ensina

A Carolina de 28 anos via o cancro como uma doença dos outros. Era uma coisa distante, que eu sabia que existia, que imaginava ser difícil, mas que (ainda) não me tocara. Partilhava a pena, a esperança, a vontade de que as coisas fossem diferentes e que aquelas pessoas não tivessem que passar por tanto... mas não sabia nada. Até ao dia em que aconteceu. Até ao dia em que aprendi que na gíria médica não se diz cancro, mas que os nomes são mais pomposos, difíceis e específicos para quem entende da matéria, que podem ir de neoplasia a melanoma (entre tantos outros que não me lembro ou prefiro esquecer), mas que para nós, leigos, querem todos dizer aquela palavrinha curta mas que tem claramente forma de monstro. Até os meios de comunicação social lhe fogem, chamando-lhe "doença prolongada". Mas, quando ele aparece, não há volta senão enfrentarmos aquelas seis letras. Cancro. 

Ontem, num scroll do instagram, apareceu-me um trecho de uma entrevista do Manuel Luís Goucha a uma convidada que tinha vencido esta doença e que dizia que não tinha aprendido nada com ela. Na secção de comentários batiam-se palmas àquela afirmação e apregoavam alto contra a romantização de tudo o que envolve o cancro.

Não tenho o direito de me opor à opinião de alguém que viveu aquilo na pele. Mas posso falar como cuidadora de primeira linha de não um, mas dois casos, que foram diagnosticados no espaço de três meses. E aquilo que tenho para vos dizer é o seguinte: eu aprendi muito. Aprendo, todos os dias. E mais importante do que aprender coisas práticas - a gíria, os exames, o nome dos medicamentos, os corredores do hospital, a fazer pensos, a colocar catéteres ou manusear sistemas de soro - foram os ensinamentos de base. Foram mudanças nas minhas crenças de vida. Sei que isto vai soar muito cliché, mas é a mais pura das verdades: foi a forma como vivo - porque tenho um relógio a bater o seu tic-tac constantemente no meu ouvido e que me obriga a aproveitar as pequenas coisas da pessoa de quem cuido. Nunca uma ida a um shopping soube tão bem, nunca um banho com música e karaoke foi tão nostálgico e feliz, nunca um sorriso foi tão valorizado. Sei que este não é um sentimento que vá durar para sempre; que no futuro - um futuro que, desculpem, eu não quero imaginar - a minha vida voltará a normalizar e os banhos voltarão a ser a rotina obrigatória e rápida que eram antes e que a ida a um shopping uma mera tarefa a riscar da lista. Eu sei que esta sensação de finitude não dura para sempre. Mas até a finitude levar quem eu amo, eu sinto-a na pele. E obrigo-me a viver e a aproveitar cada coisa pequena, e a valorizá-la como um diamante.

Mas, para além disso, acho que há um ensinamento que vai mudar o rumo da minha vida e que não creio que vá esquecer. A ideia era, no futuro, fazer um texto só sobre isto, mas parece-me pertinente abordá-lo agora. O que mais se alterou, aos meus olhos, foram as pessoas. Não a forma como olham para mim ou para as debilidades daqueles que eu amo, mas a maneira como eu as olho a elas. Se há um ano dizia, com facilidade, que detestava pessoas, acho que hoje não posso dizer o mesmo. 

Descobri empatia em lugares que achava não existirem; olhares compassivos, pessoas que querem realmente ajudar. Também percebi que há dias maus para todos nós e que temos de os respeitar - mas que se calhar aquilo que vemos no trânsito, nas bancadas de futebol e na generalidade das notícias é um alter-ego que todos temos e que, em alguns lugares ou situações, toma posse de nós. Porque no fundo - ou talvez não tão lá no fundo - há muitas pessoas boas. Gentis. Amáveis. Com preocupação genuína pelo outro. Que, dentro das suas possibilidades e regras, nos ajudam. Guardo, nas minhas muitas passagens pelo Hospital de São João, muitos exemplos de gestos que, ainda hoje, me comovem: desde o segurança das urgências a ir buscar uma máscara específica para colocar na minha familiar, aos colaboradores que me davam praticamente livre passe quando eu dizia "paliativos" de cada vez que tirava senha de visita (um beijinho especial para a Anabela), aos médicos que me deram a mão e me abraçaram em momentos em que as lágrimas me corriam inevitavelmente pela cara. 

Em resumo, aquilo que vos posso dizer é o seguinte: não sei ao certo o estado em que entrarei nos 30 anos, daqui a cerca de seis meses. Hoje em dia não tenho hipótese senão viver um dia de cada vez, sempre num cansaço que roça o extremo mas que se contraria devido a uma força e energia que, não sabendo ao certo de onde vêm, terá a sua génese no amor e dedicação profundos que dediquei a esta causa e à pessoa de quem cuido. Mas sei que, comparando com a miúda de 28 anos que entrou nesta jornada às cegas - ainda que enquanto acompanhante -, aprendi muito. Vou ser - já sou - uma pessoa diferente. Mais magoada com a vida, algo amargurada quiçá, com menos fé no divino. Com mais experiência e um leque de conhecimentos muito mais vasto nos mais variados temas. Com outras crenças. E, como tal, diferente. E se isso não é uma aprendizagem, o que será?

19
Set24

A fotografia no corredor

Não sei precisar a quantidade de horas que passei em hospitais este ano. Provavelmente umas largas centenas. 

Os caminhos já se fazem quase às escuras e, a maior parte das vezes, a cabeça está em sítios que não nos permitem que vejamos o que está em nosso redor - fugimos dos obstáculos como robôs, seguimos como se os pés só conseguissem parar na meta. Mas há uma excepção: um corredor de fotos no São João que me faz sempre, sempre olhar para a mesma sequência de fotos. A torrente de pensamentos entra em pausa, os pés ajustam a trajetória para mais perto da parede e a cabeça roda sempre para ver melhor; para, a cada dia que passa, apreciar mais um detalhe.

É um casamento em circunstâncias particulares - más, para sermos mais claros. Quiçá em fim de vida? Não sei, não conheço a noiva. E ela, não me conhecendo também, dá-me força todos os dias e reforça o meu novo mote de vida: a de que pode haver momentos felizes no centro do furacão das vicissitudes da vida; de que a partilha e o amor podem não nos salvar, mas dão-nos força para querer viver. Que, mesmo sem (ha)ver uma luz ao fundo do túnel, podemos ter luz no caminho incerto - e sem prazos - que é a vida.

 

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03
Jul24

Uma familiar chata nas trincheiras do cancro

É sobejamente conhecida a minha difícil relação com os médicos. Tragam as aranhas, os ratos, o escuro, os palhaços e as bruxas: não há nada que eu tivesse mais medo, em miúda, do que indivíduos de bata branca. Na verdade não é medo: é pânico. Era irracional, profundo; uma dor que ultrapassava a parte física e que transpunha a alma. Era inimaginável, sufocante. De tal forma que só a ideia de entrar num hospital me deixava nauseada e era incapaz de fazer a distinção entre o médico-profissão e o médico-pessoa. Um médico era um médico - e era sempre o vilão da minha história.

A minha racionalidade não era suficiente para ultrapassar o medo - e muito menos para ter a frieza de perceber que os médicos são sempre a nossa salvação nos momentos de maior aperto. Em alturas em que a nossa saúde parece de aço e a atenção aos males dos outros não é o nosso forte, não imaginamos que nalgum dia - mais cedo ou mais tarde, a verdade é essa - as vidas dos nossos entes queridos vão estar nas mãos daqueles que outrora receamos. Vá... detestámos. Pronto, está bem, eu digo a verdade: odiámos.

Agora, seis meses depois do desabar do mundo da minha família, passei mais tempo em hospitais do que achei que passaria durante a vida inteira. São tempos de aprendizagem profunda: sobre a importância de aproveitar a vida, sobre fé e esperança, sobre os médicos e a medicina, sobre as pessoas, sobre a bondade, sobre a tolerância à dor que cresce a cada dia que passa, sobre  medicamentos - as suas maravilhas e as suas consequências. Nunca quis ser médica nem enfermeira nem nada que tivesse que ver com saúde - longe de mim ter alguma coisa que ver com aquele mundo que tanto detestava! Mas hoje em dia dou por mim a querer muito ser médica - quero perceber o que me dizem, o que receitam, o que escrevem. Quero ajudar, quero fazer parte da cura. Quero saber explicar aos outros, quero entender os olhares, quero perceber a gravidade dos problemas - sem pena, sem paninhos quentes, sem positividades tóxicas. Gostava de saber fazer diagnósticos em vez de simplesmente acreditar nos diagnósticos dos outros. Gostava de não ser refém dos conhecimentos de alguém.

Por isso ouço. Ouço como se estivesse na aula mais importante da minha vida. Retenho tudo o que me dizem. Decoro o nome estranho do cancro, da proteína que indica uma boa receptividade à imunoterapia, do medicamento difícil de pronunciar, a lista de todos os sintomas de alerta, os exames que são mesmo necessários ou só aqueles que fazem parte do protocolo. Era mais feliz há seis meses, quando nunca tinha ouvido falar de uma PET, do PDL-1 ou do pembrolizumab; mas hoje trago no currículo a bagagem pesada que dois cancros na nossa família nuclear nos fazem carregar. Sei muito mais. Não sou médica - nem iria a tempo de ajudar quem amo se hoje fosse tirar o curso. Por isso agarro-me ao que tenho: ao que ouço, ao que leio, ao que me explicam. E também à lógica, à racionalidade e ao sentido crítico. Faço muitas perguntas. Sugiro coisas. Exijo que me expliquem. Sou chata. Sou persistente. E luto, todos os dias, pela vida de quem me rodeia.

Mas a verdade é que sinto que, de alguma forma, este meu espírito combativo e absorvente de informação não é bem recebido por grande parte da comunidade médica. Acho que se espera dos pacientes e seus familiares a submissão de alguém cuja vida está nas mãos dos sujeitos de bata branca; não é suposto perguntarmos, mas sim acreditarmos; não é suposto queixarmo-nos, mas sim agradecermos; não é suposto falarmos, só ouvirmos.

Sei que sou uma mulher nova, muitas vezes perante médicos com tantos anos de carreira como aqueles que eu conto de vida - mas por muito empenhados que os médicos estejam, não há nenhum que queira mais a cura do que eu. Não há ninguém com mais foco nem desejo nem dor. Se as minhas pessoas não estão capazes de perguntar, eu pergunto. Se não são capazes de contestar, eu contesto. Se não são capazes de decidir, eu decido. Defendê-las-ei até ao fim, sem me preocupar com egos alheios, machismos exacerbados ou faltas de paciência por parte de familiares chatos. Não aceito "porque sim"'s como resposta; não quero saber o que dizem ou acham de mim depois de sair do consultório, se reviram os olhos, se me acham insolente, insistente ou com a mania. Porque foi esta minha forma de estar que me fez atalhar caminho quando, dois meses depois de um primeiro diagnóstico, apareceu outro que fez tremer os meus alicerces como um terramoto de 9.5 na escala de Richter; foi isso que me deu clareza sobre o que tínhamos pela frente e descanso por não ter de aprender todos aqueles termos pela primeira vez. Eu quero saber, quero ajudar, quero fazer parte da cura. Batalho com o coração, com a cabeça, com a alma; com amor, com inteligência e com instinto. E se um dia disserem que não consegui, pelo menos não poderão dizer que não tentei. Dei tudo. Dou tudo, todos os dias, para que sejamos, até velhinhos, dezasseis à mesa. 

04
Abr24

Quero sair da montanha russa

Estou viva. Estamos todos vivos - e é assim que planeio que estejamos por muitos mais anos. 

De todas as parecenças que não me importaria de ter com a família real, está é a última que colocaria na lista: dois casos de cancro em dois meses, dentro do meu núcleo familiar.

Sem sabermos, em Dezembro, entramos numa montanha russa que ainda não teve fim - e a luz não aparece sequer ao fundo do túnel. Sempre que achamos que o pior loop já passou, vem outra descida abrupta que nos leva o estômago para uma outra parte do corpo onde este não devia estar. A pior parte? É que nem sempre temos cinto de segurança. Já perdi a conta às vezes em que senti que estava a sair da cadeira, a perna já meia de fora e o rabo a escorregar - ou, num cenário ainda mais negro, que estávamos mesmo todos a descarrilar. Não chegamos ainda à parte do vale, em que podemos respirar de alívio porque acabou, sabendo que estamos prestes a sair daquele suplício, daquele banco desconfortável, daqueles sustos consecutivos. Eu já não peço para sair da montanha, porque sei que nalgum dos casos não vamos ter alternativa - só desejo que o caminho esteja limpo e com a manutenção em dia, que a montanha russa seja daqueles de nível baixinho e sem grande adrenalina. Já estou farta de paragens abruptas a olhar para o abismo; não quero ficar de cabeça para o ar nem com o cinto mal posto. Não podendo sair deste parque de diversões do mal, que a viagem seja no equipamento mais calmo.

Porque a verdade é que uma parte de nós parte-se neste processo e eu acredito que não a recuperamos. É como as Horcroxes do Voldemort: pedacinhos da nossa alma que, neste caso, repartimos sem querer e que ficam algures, em alguém ou presos a momentos-chave onde não temos sequer força ou vontade de regressar. Não há nada neste processe que nos acrescente - só nos retira. Não contam os conhecimentos que adquirimos ao longo do processo, a resiliência que construímos ou a força que percebemos que temos. Pondo na balança, não há forma de sairmos a ganhar, porque a memoria não se apaga, a alma não se reconstrói e a dor dificilmente se transforma em alegria. É um caminho de uma só via em que a balança está viciada.

Podia dizer que, com isto tudo, ganhamos perspectiva. Que percebemos que a vida é para ser vivida - e rapidamente, porque porra!, ela muda num estalar de dedos. Mas para além desta filosofia de vida colidir com tantas perspetivas mais cautelosas e conservadoras (com as quais, ainda por cima, eu me identifico), a questão maior que eu coloco é: como é que se vive e se aprecia a vida quando os nossos estão num sofrimento atroz? Como é que se enche a alma com coisas boas quando esta está partida, furada, em alguns dias feita em cacos? Como é que se criam objetivos quando a estrutura base da nossa vida está constantemente a ser abanada, qual sismo intenso e cheio de réplicas? A conciliação da urgência de viver com a inevitabilidade de sofrer é muito dura. Mais uma das coisas duríssimas com que temos de lidar quando entramos neste caminho com as pessoas que amamos.

Enfim. Quem me dera que chegasse ao fim, esta montanha russa. Quem me dera aprender a gozar a paisagem, ainda que a carruagem siga a grande velocidade. Aliás, mais: quem me dera que pudéssemos todos sair e incendiar o parque todo. No final de contas, sempre disse que não gostava de parques de diversões.

29
Jan24

Crónicas do SNS 1#

As coisas que faltam

Assisti sempre de longe aos dramas da saúde pública. Saudável, felizmente, tenho passado pelos pingos da chuva sem ter problemas de maior. Uma dor aqui, um mau estar ali, duas operações pelo meio, mas nada de tão sério que me obrigasse a recorrer aos hospitais de peso do nosso país. Para além disso, tenho a sorte de poucos: de ter acesso ao SNS mas de, até agora, não precisar dele. Desde que me lembro de ser eu que fujo de médicos e hospitais como o diabo foge da cruz, interagindo o mínimo e indispensável com esta classe e com estes lugares, a bem da minha saúde mental. Mentiria se dissesse que esta minha fobia - que em tempos teve direito a muitos ataques de pânico - não tem vindo a suavizar com o tempo. Hoje escrevo na sala de espera de um hospital - e ainda que não seja de ânimo de leve que o faço, as mãos não tremem, a garganta não custa a engolir e não tomei nenhum ansiolítico antes de vir. Em parte por não ser eu a visada de tantas vindas ao hospital - mas também porque, se não havia crescido até aqui, agora é hora de crescer.

Sendo novata nos corredores do hospital de São João, faço muitas perguntas, questiono tudo, olho com atenção para os detalhes na esperança de obter respostas, reparo nas pessoas e nos pormenores. E percebo que um hospital não é só um sítio triste por ter pessoas doentes, mas acima de tudo por ter pessoas desamparadas. Sozinhas. Porque se eu tenho algumas questões, elas têm muitas mais: não percebem o sistema de senhas, não sabem para onde ir, têm dificuldade em deslocar-se sozinhas até ao fundo do corredor fazer uma pergunta ao balcão onde, provavelmente, nem sequer terão resposta. A solidão, a velhice e a atrapalhação inerentes à idade misturadas com a tentativa meio frustrada de implementação das novas tecnologias é muito triste de se testemunhar. Faltam respostas - e exaspera-se por quem as dê.

As novas tecnologias vieram agilizar processos: é suposto serem mais fáceis, mais ágeis, mais rápidas. Mas isto parte do pressuposto de que 1) se sabe funcionar com elas e de que 2) elas trabalham convenientemente.

O sistema de admissão é feito, hoje em dia, em máquinas. Das seis que lá estão, julgo que só duas funcionam. Das duas que trabalham, poucos sabem mexer com elas - ou então poucos são aqueles com quem elas gostam de trabalhar. Às oito da manhã, dois voluntários vestem a bata amarela que os caracteriza e tentam ajudar quem chega; escrevi "tentam" pois, apesar da hora madrugadora, já exasperam com a falta de resposta das máquinas, que não permitem os doentes fazerem a admissão, mandando-os para o balcão onde estão zero funcionários e oitenta pessoas para serem atendidas. Quando questionado sobre a hora de abertura do balcão, um funcionário returque: "acho que é às oito, mas vá lá perguntar". Só faltava tirar senha. Seria a número 81, mas sem saber a que horas o balcão iria abrir. 

No ecrã das chamadas às consultas aparece uma mensagem de erro. Em dúvida, quando perguntamos se o ecrã está a atualizar devidamente, dada a mensagem que aparece, dizem-nos que "é assim". Na verdade, o facto de não estar pintado de negro - como tantos outros espalhados por todo o hospital - já é uma sorte.

No meio disto tudo, os pedidos de ajuda são sucessivos. Acredito que ao fim de umas horas de trabalho, de tão repetidas as questões, as respostas já não saiam com um sorriso de bónus. Mas a verdade é que as pessoas com consultas às 17h não têm de ser mais aptas ou informadas para as tecnologias do que aquelas que as têm às 8h da manhã, em que a paciência do pessoal do balcão ainda está renovada após umas horas de sono. O resultado disto são respostas ásperas, rudes, muitas vezes a roçar o mal-educado - e assistir a isso é duro, vendo as pessoas a sair guichê ainda mais trôpegas do que lá chegaram. 

Sinto que falta o básico nos nossos hospitais. É como se tivessemos uma pirâmide em que a base está assente em alicerces de palhota. Não falta eficácia, não falta pessoal qualificado, não faltam máquinas, não falta competência nas pessoas de quem está é realmente necessária: isso, apesar de essencial e eventualmente desfalcado e com muitas falhas, está lá e funciona. Connosco tem funcionado. Mas falta a parte simples: faltam placas informativas atualizadas, faltam cartas que elucidem mais e confundam menos, falta calor nos corredores, falta cimento em alguns tetos, faltam monitores e máquinas funcionais, faltam mapas do hospital, falta... tanta coisa. 

Diria que no SNS falta tudo, menos aquilo que é realmente importante. O que podia ser o suficiente, se o menos importante não fosse aquilo que faz um hospital - e um sistema nacional de saúde - andar para a frente.

20
Set22

O enraizar de um hábito

A primeira foto que tenho de um pós-treino no meu telefone foi tirada no dia 20 de Setembro de 2021 - faz por isso hoje, precisamente, um ano. Aqui há dias, enquanto suava a minha alma em cima da bicicleta, pensei que estaria a fazer um ano da primeira vez que tinha subido para cima daquele selim - e, quando fui vasculhar os arquivos, percebi que era hoje.

Foi o Miguel, claro está, que me instou a experimentar. Era Setembro, época de recomeços - e particularmente especial para nós, com o papo cheio das férias e de ressaca após meio ano de uma preparação de casamento particularmente stressante - e estávamos ambos algo desagradados com a nossa forma física. Ele já tinha arrancado no seu processo e eu morria um bocadinho de cada vez que o via em cima da bicicleta, a pingar como uma torneira, deixando ali todas as quilocalorias que queria matar. Eu sentia-me muito frustrada e triste porque não tinha força de vontade para aquilo, porque não queria voltar para o inferno de um ginásio mas não sabia o que havia de fazer; no passado tínhamos feito treinos estilo cardio em casa, mas passado uns meses os joelhos queixavam-se e os resultados não eram tão visíveis como o desejado, pelo que também não tinha o ímpeto necessário para começar. Continuávamos a jogar padel, já de forma mais consistente, mas muito longe de alcançar qualquer meta visível.

Ele ia insistindo comigo para subir para a bicicleta. Um dia, dois, três. Um sábado lá me deu a volta - emprestou-me uns calções de ciclismo velhinhos e cronometrou quinze minutos. Eu pedalei, sem peso e sem rumo e, com os bofes de fora, fiz o esforço de chegar até ao fim do tempo acordado. No fim, festejou comigo por eu ter pedalado durante aquele quarto de hora como se tivesse acabado de fazer um Iron Man (eu sei, tenho sorte no marido que escolhi). 

Apesar das dores no rabo, não achei que aquilo fosse assim tão mau. E segunda-feira - porque nós temos a mania que os inícios devem ser sempre às segundas - comecei a minha mudança. Nos primeiros dias fiz 20 minutos, depois 25 e fixei-me na meia hora dali em diante. Inicialmente ia mexendo no peso da bicicleta de forma mais ao menor arbitrária, gerindo as dores nas pernas e a respiração. Em Dezembro o Miguel - outra vez ele, claro - ofereceu-me um smartwatch que, honestamente, fez toda a diferença nesta fase da minha vida. Criou-me metas, deu-me métricas para me guiar. Ainda hoje saio derrotada de uma semana em que não faça cinco vezes algum tipo de exercício (nem que seja uma caminhada de quinze minutos); já sei que estive demasiado parada e sentada se não cumprir com a meta dos 10 mil passos diários e que um treino teve um rendimento mais baixinho se não atingir a média das 200 calorias. Foi, mesmo, o melhor investimento que ele podia ter feito por mim, pela minha saúde e pela minha motivação. Tenho lá a minha vida ativa registada e adoro a política do envio de notificações motivacionais ("só faltam mais dois dias de treino para atingir o seu objetivo!", "mais dois mil passos e chega à sua meta diária!", "ganhou o badge não-sei-quantos por ter subido mil degraus num só dia - as suas pernas são melhores que um elevador topo de gama!") que, por muito  parvo que pareça, funciona na perfeição.

No início do ano, creio eu, comecei a fazer treinos do Youtube (do canal do GCN) - assim não pedalo em vão, tenho uma sequência e um objetivo. Descobri que aquilo que melhor funciona comigo são treinos de intervalos e intensidade - e agora que já os sei quase de cor, alterno simplesmente o peso que ponho na bicicleta e aumento e diminuo a velocidade consoante aquilo que me sentir capaz naquele dia. Se no início utilizava só metade da roda do peso (180º), algures a meio deste ano passei a utilizar 270º - sempre sentada. Apesar de haver segmentos que se faziam em pé, não tinha pernas para aquilo. Até que há uns dois meses consegui - e agora já ultrapasso os 360º quando estou de pé e me obrigo a dar à perna. Estas evoluções foram vividas com muita alegria, ânimo e festejo - porque são realmente vitórias impressionantes para alguém que nunca gostou de fazer exercício e que tanto sofreu com isso ao longo dos anos. Na verdade, cada treino é tido como uma vitória - e em todos tiro uma foto para registo e mando para o Miguel, a pessoa que mais me motivou a conseguir e chegar até aqui.

Foi uma evolução feita com calma e passo a passo - não sou (nem nunca fui) de testar os limites do corpo. Se calhar até teria evoluído mais rápido se tivesse puxado a corda e provado a mim mesma que era capaz - mas também é provável que tivesse desistido rapidamente com as dores do dia seguinte e com o esforço mental que era necessário para me arrastar para a bicicleta todas as manhãs. Porque a verdade é que, nos primeiros tempos, não havia hormonas que me safassem - era penoso ir para a bicicleta, sair da bicicleta e, de uma forma geral, sobreviver ao resto do dia (e subir as escadas para o meu escritório? Parecia uma velhinha!). Continuei por pura teimosia e por querer consolidar um hábito e não por me sentir bem antes, durante ou depois do treino - acho que ainda hoje, um ano depois, as endorfinas não funcionam comigo. Agora, com o hábito enraizado, subo para a bicicleta por medo: por medo de engordar e por medo de perder um hábito que, de facto, só me trouxe saúde.

Os primeiros a notar as diferenças foram os outros - para mim, eu estava igual. Mas a minha capacidade de fazer arranques enquanto jogava padel e de conseguir chegar, finalmente!, às bolas mais perto da rede começaram a tornar mais óbvio que a minha forma física estava a melhorar - isso e umas pernas mais delgadinhas, como nunca antes tive. O emagrecimento só veio depois. Atingi o meu pico de peso em Novembro, quando já treinava - na altura estava a tentar emagrecer só com exercício e não sei até que ponto é que não fiquei mais pesada, precisamente, por estar a ganhar massa muscular. Como disse no último post, foi em pouco mais de três meses que perdi quase dez quilos - mas a verdade é que já andava a preparar o corpo e a mudar os meus hábitos nos seis meses anteriores, o que foi indispensável para aquele processo. 

Não sei muito sobre a criação de hábitos mas creio que um ano já é o suficiente para dizermos que um hábito está enraizado. Mas isto é como a confiança: demora-se anos a ganhar mas segundos a perder. Passei as minhas férias aterrorizada, com medo de não conseguir voltar à cadência de treinos que tinha conquistado. A rigidez com que vivi o segundo trimestre deste ano, com uma dieta muito restritiva e a treinar seis vezes por semana, era demasiada para uma vida social minimamente ativa e para um dia-a-dia relaxado, mas a verdade é que depois do impacto inicial (que foi duríssimo) o nosso corpo se habitua; difícil é depois encontrar um meio termo. A manutenção é o segredo de qualquer dieta bem sucedida, mas é também a parte mais difícil - porque mal começamos a dar ao corpo aquilo que ele gosta (nomeadamente calorias a mais e o rabo alapado no sofá), ele não quer outra coisa. Quanto mais comemos, mais queremos comer; quanto mais dormimos, mais queremos dormir. Às vezes temos a tendência de nos "fazermos as vontades", de ouvirmos o nosso corpo - aquilo que é tantas vezes necessário em inúmeros casos - mas caímos em erro, continuando determinados ciclos que deviam ser quebrados.

Mas apesar dos meus medos, consegui voltar ao meu regime de exercício com bastante facilidade. Já voltei a planear os meus treinos no início da semana (faço sempre um plano mental, à segunda-feira, para saber os dias em que faço bicicleta tendo em conta a minha disponibilidade matinal e os dias em que vamos jogar padel) e o resto dos hábitos continuam: ponho o treino do GCN no tablet, uma série no telemóvel, ativo o treino no relógio e pedalo - tudo de manhã, se possível ainda antes das 8h. Já cheguei a treinar ao final da tarde, mas só mesmo se for estritamente necessário - a minha força anímica esvai-se durante o dia com todo o stress e problemas do trabalho, pelo que dificilmente conseguiria enraizar um hábito destes ao final da tarde, entre a obrigação de fazer tarefas domésticas e as oscilações de humor e energia que dependem do decorrer do dia. Para além disso, desde há uns meses para cá que tento fazer um ou dois treinos de braços (musculação) por semana, para complementar o cycling (e o padel), uma vez que estou a dar muito mais atenção aos braços do que às pernas.

Duzentos e tal treinos depois, cá estamos - mais magra e mais saudável (noto menos cansaço no final de tarefas que puxam pelo corpo, por exemplo) mas, acima de tudo, muito orgulhosa de mim. Eu não sou só alguém que nunca gostou de fazer desporto - sou, ainda hoje, alguém com marcas profundas ganhas na escola e ginásios alheios, que me magoaram profundamente. São cicatrizes que, levianamente, tentamos pôr para trás das costas e deixar de dar importância, mas que não deixam de ser um peso só porque as escondemos e menosprezamos. Conseguir manter um hábito destes durante um ano é uma superação muito mais mental do que física. Ter encontrado um desporto que não me mata por dentro, sem ter olhos alheios postos em mim que sirvam de ponto de referência ou comparação foi uma lufada de ar fresco que nunca antes tinha sentido e a solução para um problema que achei que não era solúvel. Que dure muitos mais anos e que eu saiba equilibrá-lo com estilo de vida saudável - e que nunca, nunca mais tenha de pôr os pés num ginásio.

 

Setembro 2021.png

26
Abr22

Algumas considerações sobre estes dois meses em que não escrevi

1. Na verdade, escrevi, mas ainda não publiquei: tenho o post sobre as Maldivas a marinar há semanas, mas há uma inércia qualquer que me impede de o terminar. Vou tentar dar a volta à questão o mais rápido que conseguir.

2. Apanhei Covid, na altura em que já não está na moda ter Covid - foi o meu marido que trouxe o bicho para casa (por isso, apesar de ter apanhado, sinto que estou isenta de culpas) mas passamos os dois muito bem. Na verdade, sinto que estava a precisar daquela pausa para parar com uma rotina que me estava a desgastar há uns longos meses. Foi bom para pôr a casa em ordem, fazer arrumações a fundo que iam sendo adiadas ad eternum e descansar. 

3. Foi também óptimo para cumprir escrupulosamente com a dieta, que comecei seriamente no início de Março. O Miguel alinhou comigo neste regime e tem sido muito mais fácil fazer isto com um parceiro do que a solo: primeiro porque as refeições estão sempre alinhadas e eu não tenho de resistir ao vê-lo comer batatas fritas ou coisas do género; segundo porque temos sempre uma vozinha que nos ajuda a não desistir, mesmo nos dias em que a tentação de pecar é muita; e terceiro porque quase entramos em espírito de competição, ao estilo "quem consegue chegar aos 60kg em primeiro". Do meu lado, tendo em conta o peso que atingi no final do ano passado, já consegui dizer adeus a cinco quilos. Para além da dieta, tenho feito exercício cinco vezes por semana, em média (o que, tendo em conta que estamos a falar de mim, é uma completa LOUCURA!). E não parei durante o Covid! Foi sempre a pedalar - o que resultou, provavelmente, na melhor semana de sempre na nossa dieta, apesar de estarmos fechados em casa.

4. Fiz 27 anos, o que me faz estar tão perto dos 30 como dos 25. Estou um bocadinho assustada.

5. Voltei a ler. Estou tão, tão, tão contente com isto! Li três livros nos últimos dois meses - um mais técnico, um romance e um de banda desenhada (o primeiro de toda a minha vida) - e agora só quero que isto pegue para conseguir voltar a agarrar este hábito. Mais tarde coloco aqui as minhas reviews e falarei de uma das táticas que me fez voltar a ler. Oxalá conseguisse alguma para voltar a escrever com regularidade...

6. Apareci na televisão, numa reportagem sobre a minha fábrica, cujo resultado final gostei mesmo muito! Se tiverem curiosidade em conhecer um pouco do processo de tecelagem e do local onde trabalho, podem ver o programa aqui. A reportagem começa no minuto 1 e tem uma segunda parte, que surge por volta dos 11:45min. 

7. Dois anos depois, voltei a tocar piano num recital. Foi tudo muito bonito até ao momento em que me sentei no piano de cauda do estúdio, para tocar o Canon in D do Pachabel; mas quando me deparo com o teclado, os meus dedos fizeram um bailado nunca antes visto. Tendo em conta tudo isto, e sabendo que o difícil naquela situação era acertar nas teclas, a coisa até nem correu muito mal - mas, na verdade, podia ter saído muito melhor. Toco muito menos do que tocava antes e perdi o hábito de atuar em público. Mais uma coisa a trabalhar nos tempos vindouros... Ate lá, vou ver se gravo uma versão decente e sem nervos para partilhar.

8. Já tenho férias marcadas - whowooooo! Foi uma decisão que demorou a ser tomada, mas já está - agora não dá para "des-decidir". Por muito que goste do nosso país, sinto uma "fome" enorme de mundo e quero muito colmatar estes dois anos de privação e aproveitar estes tempos com o Miguel. Mais uma vez a escolha recaiu sobre um cruzeiro que passará por Itália, Grécia e Malta. Nunca fui à Grécia, por isso será o "check" deste ano.

9. E custe o que custar, venha o que vier, eu sei que terei de voltar a escrever. Há dias, aquando da marcação do cruzeiro, tive uma dúvida sobre um dos sítios onde parámos numa das viagens anteriores e voltei atrás nos meus posts. E estava tudo lá, com detalhe e precisão, de tal forma que quase me permite viajar de novo, ainda que sentada no meu lugar. E nesse momento pensei, e soube, que tenho mesmo de continuar a fazer isto: não só roteiros e crónicas de viagem, mas escrever de uma forma geral. Tenho saudades - mas elas não compram horas extra no meu dia, não arrumam a casa nem fazem a sopa. Passaram-se três anos de namoro e ainda não consegui reorganizar a minha vida com todas as "novas" rotinas e hábitos - mas ainda não perdi a esperança. Tenho saudades - e, no fundo, espero que também tenham saudades minhas.

 

RecitalAbril22-17.jpg

01
Nov20

Uns são filhos (os supermercados) e outros são enteados (os feirantes)

Há uns dias vi o vídeo do Gustavo Carona (podem ver aqui) e não podia estar mais de acordo. O Covid é um problema sério, que não podemos ignorar - e não é nos hospitais que ele vai ser resolvido. É nas ruas, é nas nossas casas, é nas empresas. Está literalmente nas nossas mãos - essas, que carregam tanta coisa invisível, e que hoje tomam uma importância extrema no que diz respeito ao transporte do vírus ou à sua eliminação (se as lavarmos e desinfetarmos bem e corretamente).

Concordo também com ele no facto de isto não se poder tornar numa luta política - não interessa quem está no poder. De direita ou esquerda, uma coisa eu sei: não queria estar naqueles calcanhares. Não tendo qualquer empatia com as pessoas em questão (e não comungando com muitas das suas convicções políticas), eu não queria ser primeira-ministra, não queria ser ministra da saúde, não queria ser a diretora geral da Direção Geral de Saúde. E há que respeitar as posições que estão a tomar - porque nenhuma vai ser boa e nenhuma vai ser fácil e todas serão controversas.

Mas há aqui um erro generalizado que está a revoltar a população: chama-se falta de coerência. Não deixam as pessoas ir ver um jogo de futebol, ao ar livre, num estádio com espaço para mais de 50 mil indivíduos; mas deixam que exista público na fórmula 1. É para ricos, não é? Também deixam que se vá às touradas. É para chiques, não é? E o Avante? É para camaradas, pois claro.

A mim não me afetam as restrições - dou-me bem com regras e sou boa a respeitá-las. Não me importo de não sair do concelho, não me importo do dever cívico de um recolher obrigatório (embora não possa exercer o meu trabalho em casa, sendo obrigada a fazer a minha vida normal), não me importo de usar máscara na rua, não me importo de esperar na fila do supermercado para não sermos 5628 pessoas à volta da mesma peça de fruta.

Mas importo-me com os contra-censos que mencionei acima. Revoltam-me mais estas cedências estúpidas - em prol de favores, de dinheiro, de tudo o que não devia contar - do que as próprias pessoas envolvidas nestes atos, que apesar de inconscientes só estão lá porque à partida a cancela não estava fechada. E sei que não me revolta só a mim: revolta-nos a todos, porque não é preciso ser nenhum génio para perceber as incongruências que existem.

Sobre as medidas que saíram ontem para os concelhos com risco elevado (que incluem as cidades onde moro), mais uma vez, acato e respeito o que foi decidido - mas a última medida, que proíbe que se façam feiras e mercados, mexe comigo até aos ossos. O Covid afetou-nos a todos: psicologicamente, pelo medo e pelo tempo de confinamento; fisicamente, principalmente àqueles a quem o bicho já pegou e sofreram consequências físicas; e financeiramente, para quem perdeu o emprego, para quem viu os seus postos de trabalho ou empresas em lay-off, para quem perdeu inúmeras oportunidades de negócio num ano que se queria promissor. Serão muito poucos os que beneficiam disto - eu olho à minha volta e não vejo ninguém. Mas a mim ninguém me obrigou a deixar de trabalhar - mas aos feirantes, que vendem bens de primeira necessidade, acabaram-lhes com o negócio. O Continente pode operar, o Pingo Doce, o Mercadona e o Mini-Preço também; mas uma feira ao ar livre, sem ar-condicionados, sem carrinhos que são manipulados por milhares de pessoas e sem tapetes rolantes podem trabalhar. Aqueles que o estado segura e promove; as Sonae's e Jerónimo's Martins desta vida, que mais do que dinehiro, movem influências. Mas os feirantes - pessoas como nós, sem as contas cheias de zeros e sem amigos na assembleia -, que acordam todos os dias às tantas da madrugada para andarem com as tralhas às costas, de sítio para sítio, para se fazerem à vida e terem o seu ganha-pão, têm de ficar em casa.

Eu, podendo, deixava de ir a super-mercados - ia sempre à feira. Estar antes das oito da manhã a fazer compras ao ar livre é terapêutico para mim - e a qualidade daquilo que compro é infinitamente melhor. A minha sopa não é a mesma se não for feita com as coisas que compro vindas da terra, ainda sujas, ali da Póvoa do Varzim.

Mas a D. Carolina já não me pode vender batatas, alho-francês, courgete ou agrião.

A senhora das flores já não vai estar lá com aqueles raminhos bonitos que dou semanalmente à minha mãe.

Já não posso ir comprar a manga do Algarve à D. Carla, nem a uva sem grainha ou o melão doce que me deixa sempre experimentar antes de comprar.

Não posso ir comprar os fidalgos da minha mãe à senhora que me chama sempre "meu amor".

O senhor das árvores de fruto já não me vai dizer que trouxe, finalmente, os pêssegos-paraguaios carecas para eu plantar no quintal.

Por isso hoje, mais do que pelas multidões na Nazaré, concertos ou filas para o que quer que seja, estou triste - e revoltada! - pelas pessoas que todas as semanas me enchem os armários, o frigorífico e a alma. Pelas pessoas que me tratam com empatia, que me aconselham aquele fruto em vez daquele, que me deixam pagar na semana seguinte se se apercebem que não trouxe trocos suficientes. Tudo o que não acontece num supermercado, onde eu - como todos - sou tratada como um número e constantemente enganada por cupões e cartões e cadernetas autocolantes. 

É incoerente, triste e, acima de tudo, revoltante. 

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