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Entre Parêntesis

Tudo o que não digo em voz alta e mais umas tantas coisas.

30
Abr23

E tu, já reclamaste do IVA hoje?

Não me considero reacionária ou contestatária por natureza; sou participativa e acho muito importante sê-lo, politicamente, para a saúde de qualquer país - mas também percebo quem não o faz, porque às vezes não há tempo e muito menos paciência para os joguinhos de que somos alvo (enquanto povo), não tendo outra alternativa senão estar constantemente a pensar mais além para perceber segundas (e terceiras e quartas e quintas) intenções e ler por entrelinhas as artimanhas em que aparentemente todos os políticos estão metidos. Não estou satisfeita com o estado em que vivemos mas não me queixo muito porque, honestamente, não tenho nenhuma sugestão melhor para dar; as eleições nunca caem para o lado que eu quero, mas tendo em conta que o respeito pela escolha do povo de uma nação é a base da democracia, deixo-me seguir e ir lidando com aquilo que, no meu ponto de vista, os outros mal escolheram. Isto para dizer que nunca fui a uma manifestação, nunca fiz greve (esta tinha graça!) nem parte de um protesto coletivo, mas que sempre fui votar e que em meios mais privados não deixo de dar a minha opinião (às vezes de uma forma demasiado aguerrida).

Mas passemos ao tema em concreto: confesso que quando Espanha baixou o IVA em alguns produtos eu achei uma boa ideia. E é, se fôssemos todos pessoas decentes e com boas bases, como aquelas que descrevi num texto que aqui deixei há dias. Mal se começou a aprofundar a ideia em Portugal eu vi logo que ia dar asneira e dei a mão à palmatória sobre as vezes em que, em algumas discussões, achei que esta seria uma boa medida. 

Entretanto a lei entrou em vigor. E eu repito que disse: não sou contestatária, mas sou participativa. E, acima de tudo, gosto muito de ser coerente - e de ver coerência. E transparência. E se eu tento sempre apoiar os pequenos negócios - porque eu própria tenho um -, esta medida veio mostrar a podridão em que a sociedade se encontra, dos grandes aos pequenos negociantes. Acho que os supermercados têm uma margem menor para trafulhices neste campo, porque o seu peso obriga a que as instituições responsáveis estejam de olho bem aberto para apregoar que aquilo que o governo decreta está a ser bem feito; mas nos pequenos negócios - padarias, mercearias e etc., o cheiro a podre sente-se de longe. 

Numa semana fiz duas reclamações - numa delas, ainda dei uma aula de matemática para explicar como se deviam fazer as contas ao preço de uma regueifa. Se caiu em saco roto? Certamente. Se eu senti que tinha de o fazer? Também. Porque comigo as cantigas que tenho ouvido não me enchem os ouvidos: "veja aqui no talão como diz «produto com isenção de IVA» ", "ah, mas o preço das coisas é que aumentou, isto não fica nada é para mim" e "o patrão disse que não valia a pena baixar o preço das carcaças, também é só um cêntimo...". 

Quando às vezes dizem que Portugal devia ser como a França, que sai em peso para a rua, causa motins e se faz ouvir a toda a força, eu não concordo. A pasmaceira deste cantinho à beira-mar plantado faz parte da nossa beleza e, acima de tudo, da segurança que sentimos quando pomos um pé fora de casa. E eu acredito que há ferramentas para nos fazermos ouvir - tanto aquelas previstas pela lei como algo tão simples como chamar o gerente da loja e explicar, educadamente, que não temos a palavra "burro" escrita na testa. Mas sei que não as usamos porque sentimos sempre que não vai valer a pena. Não vale a pena o tempo que perdemos, não vale a pena a revolta que sentimos no peito e aquela sensação que nos acompanha e potencialmente nos estraga o resto do dia.

E é por isso que eu, com 28 anos e à frente de uma empresa (e, por isso, obrigação de saber como funciona o IVA e de fazer as contas), sinto-me na obrigação moral de reclamar. Primeiro por ser nova, ter sangue na guelra e paciência, tempo e disposição para me chatear caso chegue a esse ponto; segundo por saber do que falo e poder fazer as contas à frente de quem me contestar. Este post serve como incentivo e pedido para fazerem o mesmo - para que, com 25, 50 ou 70 anos, se predisporem também a deixar um recado verbal ou uma nota no livro de reclamações; a informarem-se sobre o funcionamento basilar da nossa economia, porque vai certamente afetar o vosso bolso. Eu acredito que se formos muitos a sermos vocais sobre a nossa insatisfação e a demonstrar que sabemos do que falamos, alguma coisa há-de mudar. A união faz a força - mas não tem de ser na rua, nem tem de ser à força.

Acima de tudo, aquilo que eu sinto neste caso em particular não é só a nossa típica inércia às injustiças de que somos alvo, mas também falta de capacidade para perceber que estamos a ser enganados. Falta-nos literacia económica e financeira que possa alavancar bons e válidos argumentos. O IVA, o IRS e o funcionamento do estado em geral deviam ser algo ensinado nas escolas básicas - e como não o é, a maioria das pessoas fica-se pelo mero conhecimento da sigla. Acho que tudo isto é uma boa desculpa para pesquisarmos e percebermos o funcionamento das coisas - e, depois, predispormo-nos a ajudar na aplicação da lei. Porque isto, como quase tudo, sai do nosso bolso - e, como diz o ditado, "grão a grão enche a galinha o papo"; mas à mesma velocidade o nosso se esvazia. (E acreditem que o patrão da cadeia "O Molete", que diz que "não vale a pena baixar o preço da carcaça porque é só um cêntimo", está com o papo bem recheado).

Acho que o slogan do Compal Essencial, quando surgiu na televisão, atravessou gerações: "e tu, já comeste fruta hoje?". Apliquem-no ao IVA também. Façam as contas. Reclamem. No limite, se não o fizerem com a esperança de mudar alguma coisa, façam-no para demonstrar que neste jogo do Quem é Quem, não somos nós que temos "burro" escrito na testa, mas que facilmente damos a pista para que os outros descubram a sua: "ladrões".

01
Nov20

Uns são filhos (os supermercados) e outros são enteados (os feirantes)

Há uns dias vi o vídeo do Gustavo Carona (podem ver aqui) e não podia estar mais de acordo. O Covid é um problema sério, que não podemos ignorar - e não é nos hospitais que ele vai ser resolvido. É nas ruas, é nas nossas casas, é nas empresas. Está literalmente nas nossas mãos - essas, que carregam tanta coisa invisível, e que hoje tomam uma importância extrema no que diz respeito ao transporte do vírus ou à sua eliminação (se as lavarmos e desinfetarmos bem e corretamente).

Concordo também com ele no facto de isto não se poder tornar numa luta política - não interessa quem está no poder. De direita ou esquerda, uma coisa eu sei: não queria estar naqueles calcanhares. Não tendo qualquer empatia com as pessoas em questão (e não comungando com muitas das suas convicções políticas), eu não queria ser primeira-ministra, não queria ser ministra da saúde, não queria ser a diretora geral da Direção Geral de Saúde. E há que respeitar as posições que estão a tomar - porque nenhuma vai ser boa e nenhuma vai ser fácil e todas serão controversas.

Mas há aqui um erro generalizado que está a revoltar a população: chama-se falta de coerência. Não deixam as pessoas ir ver um jogo de futebol, ao ar livre, num estádio com espaço para mais de 50 mil indivíduos; mas deixam que exista público na fórmula 1. É para ricos, não é? Também deixam que se vá às touradas. É para chiques, não é? E o Avante? É para camaradas, pois claro.

A mim não me afetam as restrições - dou-me bem com regras e sou boa a respeitá-las. Não me importo de não sair do concelho, não me importo do dever cívico de um recolher obrigatório (embora não possa exercer o meu trabalho em casa, sendo obrigada a fazer a minha vida normal), não me importo de usar máscara na rua, não me importo de esperar na fila do supermercado para não sermos 5628 pessoas à volta da mesma peça de fruta.

Mas importo-me com os contra-censos que mencionei acima. Revoltam-me mais estas cedências estúpidas - em prol de favores, de dinheiro, de tudo o que não devia contar - do que as próprias pessoas envolvidas nestes atos, que apesar de inconscientes só estão lá porque à partida a cancela não estava fechada. E sei que não me revolta só a mim: revolta-nos a todos, porque não é preciso ser nenhum génio para perceber as incongruências que existem.

Sobre as medidas que saíram ontem para os concelhos com risco elevado (que incluem as cidades onde moro), mais uma vez, acato e respeito o que foi decidido - mas a última medida, que proíbe que se façam feiras e mercados, mexe comigo até aos ossos. O Covid afetou-nos a todos: psicologicamente, pelo medo e pelo tempo de confinamento; fisicamente, principalmente àqueles a quem o bicho já pegou e sofreram consequências físicas; e financeiramente, para quem perdeu o emprego, para quem viu os seus postos de trabalho ou empresas em lay-off, para quem perdeu inúmeras oportunidades de negócio num ano que se queria promissor. Serão muito poucos os que beneficiam disto - eu olho à minha volta e não vejo ninguém. Mas a mim ninguém me obrigou a deixar de trabalhar - mas aos feirantes, que vendem bens de primeira necessidade, acabaram-lhes com o negócio. O Continente pode operar, o Pingo Doce, o Mercadona e o Mini-Preço também; mas uma feira ao ar livre, sem ar-condicionados, sem carrinhos que são manipulados por milhares de pessoas e sem tapetes rolantes podem trabalhar. Aqueles que o estado segura e promove; as Sonae's e Jerónimo's Martins desta vida, que mais do que dinehiro, movem influências. Mas os feirantes - pessoas como nós, sem as contas cheias de zeros e sem amigos na assembleia -, que acordam todos os dias às tantas da madrugada para andarem com as tralhas às costas, de sítio para sítio, para se fazerem à vida e terem o seu ganha-pão, têm de ficar em casa.

Eu, podendo, deixava de ir a super-mercados - ia sempre à feira. Estar antes das oito da manhã a fazer compras ao ar livre é terapêutico para mim - e a qualidade daquilo que compro é infinitamente melhor. A minha sopa não é a mesma se não for feita com as coisas que compro vindas da terra, ainda sujas, ali da Póvoa do Varzim.

Mas a D. Carolina já não me pode vender batatas, alho-francês, courgete ou agrião.

A senhora das flores já não vai estar lá com aqueles raminhos bonitos que dou semanalmente à minha mãe.

Já não posso ir comprar a manga do Algarve à D. Carla, nem a uva sem grainha ou o melão doce que me deixa sempre experimentar antes de comprar.

Não posso ir comprar os fidalgos da minha mãe à senhora que me chama sempre "meu amor".

O senhor das árvores de fruto já não me vai dizer que trouxe, finalmente, os pêssegos-paraguaios carecas para eu plantar no quintal.

Por isso hoje, mais do que pelas multidões na Nazaré, concertos ou filas para o que quer que seja, estou triste - e revoltada! - pelas pessoas que todas as semanas me enchem os armários, o frigorífico e a alma. Pelas pessoas que me tratam com empatia, que me aconselham aquele fruto em vez daquele, que me deixam pagar na semana seguinte se se apercebem que não trouxe trocos suficientes. Tudo o que não acontece num supermercado, onde eu - como todos - sou tratada como um número e constantemente enganada por cupões e cartões e cadernetas autocolantes. 

É incoerente, triste e, acima de tudo, revoltante. 

28
Out20

A vitória não foi (só) de Ângela - foi da democracia

Fiquei mesmo, mesmo, mesmo contente por saber que foi aprovada por maioria, na Assembleia da República, a medida que permite a procriação medicamente assistida num caso post mortem.

Na altura em que a reportagem sobre a Ângela e o Hugo foi para o ar eu fiquei bastante sensibilizada. De um ponto de vista profissional achei a construção da peça jornalística incrível: storytelling no seu melhor. E fui de imediato assinar a petição que já corria o país fora - porque não é algo que afete ninguém negativamente, porque ninguém está livre de ser o próximo. Porque podia ser uma luta minha, de uma amiga ou de outra pessoal qualquer que só quer perpetuar o amor e os genes de alguém que já não o pode fazer em vida.

Mas, felizmente, esta não é uma dor minha. Assinei a petição, fiquei comovida com a história, mas não era algo que fizesse parte da minha lista de causas ou que estivesse no meu top of mind. Mas depois de ver que a medida tinha sido aprovada fiquei, acima de tudo, contente pelo feito de Ângela - muito mais do que a própria medida em si.

Fiquei feliz pelo fôlego e a esperança que um acontecimento destes dá à democracia. Num tempo em que crescem os radicalismos, no mesmo tempo em que as nossas liberdades individuais estão a ser postas em causa por um bem maior - a saúde de todos - devido a um mal gigante - a pandemia - é bom lembrar a essência de sermos livres, de podermos escolher. Acima de tudo, de termos palavra. De sermos ouvidos.

Ângela tinha um sonho - que calculo que para 99% das pessoas que estivessem na posição dela, teriam como inalcançável. A luta deve ter sido dura. Não deve ter sido fácil conseguir chamar à atenção de um jornalista, nem de se expor da forma que fez (sendo que a reportagem desceu quase à esfera intima do casal). Mas conseguiu. Trouxe a sua causa à ribalta, reuniu as assinaturas necessárias para que fosse ouvida no órgão máximo da nossa democracia. A sua causa, a sua voz, a sua vontade e a sua crença tiveram a capacidade de mudar uma lei. De fazer a diferença na sua vida e, quiçá, na vida de outras pessoas na mesma posição que ela.

Conseguiu.

Independentemente daquilo que queiramos, que sonhemos... quer concordemos ou não com esta medida em particular. Não há como negar que este feito é uma lufada de esperança, a prova de que vale a pena ir à luta mesmo que esta pareça perdida. Que nos faça pensar - e lutar se assim for preciso. Oupa!

16
Mai20

A importância dos humoristas

Em particular do Ricardo Araújo Pereira e do Bruno Nogueira

Algures em tempo de campanha para as últimas eleições (parece que foi noutra vida, não é? As arruadas com centenas de pessoas que não precisavam de estar a dois metros de distância uma das outras, enquanto entregam flyers sem luvas e sem pensar quantos micro-nano-bichos alguém pode ter lá deixado após um espirro acidental e  coisas do género) eu já queria ter escrito um texto sobre a importância dos humoristas. Aliás: desta nova vaga de humoristas que se consolidou nos últimos anos, que conseguem o mix difícil de não só nos fazer rir como nos chamar à atenção para a realidade. O que eu quero dizer é que há uma linha que separa o Fernando Rocha do Ricardo Araújo Pereira (RAP) e outra que separa o Salvador Martinha do Bruno Nogueira. Não quer dizer que uns sejam melhores que outros, mas são claramente diferentes. Provavelmente o que os distingue é que uns têm como objetivo fazer-nos rir; os outros querem que nos ríamos perante assuntos sérios.

Na altura, o mote do meu post era o impacto do "Gente que Não Sabe Estar", em que o RAP comentava (e gozava) a atualidade política e fazia entrevistas aos principais líderes partidários - tudo isto sempre com o seu toque de ironia e sarcasmo característicos. Pensei muitas vezes na preciosidade que ele tinha em seu poder e, por outro lado, o quão arriscado é deixar uma coisa tão importante nas mãos de um só indivíduo, que também terá a sua preferência política e poderá influenciar os outros sem que estes oiçam a outra parte. Isto porque, para mim, um programa destes tem muito mais impacto do que qualquer grande entrevista, debate ou outros formatos clássicos - e chatos - que se fazem nestas alturas. Chega às massas. As pessoas sabem que se vão rir e não vão adormecer; identificam-se com o que se diz em vez de sentirem que lhes estão a vender banha da cobra; percebem o que é dito e não se perdem no meio dos chavões lançados pelos políticos. Isto para além de conseguir fazer com que percebamos como é que são aquelas pessoas que nos querem representar, para além das suas ideias políticas. Têm sentido do humor, são boa onda, sabem rir-se de si próprias e safar-se quando as questões não são sobre o orçamento de estado? Isso importa. Hoje pouco se vota em partidos, esquerdas ou direitas; tendemos a personificar a política e é-nos essencial perceber quem são essas pessoas. E é por isso que para mim estes programas do RAP em tempos de eleições fazem mais pela política do que 99% dos outros programas e propagandas. Daí a sua importância.

Mas não só na vertente política o humor tem importância. Sempre o teve do ponto de vista do entretenimento: vai ser eternamente um escape e a forma de relaxar de muitos. Mas nesta altura de pandemia penso que foi mais que isso: foi uma tábua de salvação para a sanidade de muitos. E, neste caso, falo especificamente dos diretos feitos pelo Bruno Nogueira no seu Instagram, sob o nome "Como é que o Bicho Mexe". A "série" acabou ontem e uma amiga minha, que a acompanhava religiosamente, dizia-me: "e agora o que vou fazer à noite? Aquilo era essencial para mim! Quando o cansaço começava a bater e os pensamentos maus chegavam, por causa dos medos e da pandemia, lá vinha o direto do Bruno para eu me rir e esquecer tudo". E é verdade.

Já aqui tinha falado sobre esta ideia do BN no post em que nomeava algumas das coisas boas que surgiram graças (e durante) a pandemia. Não era espectadora habitual porque as horas do direto não eram compatíveis com o meu horário de sono - mas vi alguns momentos marcantes, como o Vhils a "construir" o Zeca Afonso na parede de sua casa no 25 de Abril, a Maria João Pires a tocar Debussy no seu piano de cauda e as homenagens que várias pessoas fizeram no dia da mãe às suas mães. E sinto que para além de uma mera forma de entretimento, estes foram episódios quase educativos, mostrando uma cultura muitas vezes não tão tocada ou popular. O Bruno deu a conhecer muita gente que estava nas margens - e mostrou algumas facetas de outras que já conhecíamos mas que se revelaram perante uma pequena câmara no conforto de sua casa, onde aparentemente ninguém os está a ver. Independentemente do número de vezes em que se disse e mencionou "cona", "caralho", "foda-se", "pila" entre outros vocábulos (até deste ponto de vista enriquecedores ao nível do vernáculo), o que BN fez foi importante. Para a cultura, para o entretenimento mas, acima de tudo, para as pessoas.

Isso viu-se ontem quando, após ter dado o mote para as pessoas que assistiam aos diretos colocarem luzes de Natal nas suas varandas, ele saiu à rua para testemunhar com os próprios olhos o impacto do programa que fez. Aliás: da companhia que fez às pessoas. O resultado foi uma mistura entre o hilariante e o emocionante, com milhares de pessoas às janelas e outras tantas na rua (eles iam dizendo ou mostrando onde estavam a passar), assim como a formação de autênticas comitivas atrás do carro adornado com luzinhas, onde ia com o Nuno Markl ao volante. Por vezes mal o conseguíamos ouvir, tal era a potência das buzinadelas e dos berros das pessoas que passavam. Foi uma espécie de procissão, vá, mas a um ritmo mais acelerado e mantendo a distância de segurança. No meio disto tudo a Georgina Rodriguez - a mais que tudo do Ronaldo - comenta, o Bruno liga e do nada dá duas de conversa com o CR7 (já deitado na sua caminha); um carro descaracterizado pela polícia coloca-se atrás deles, fazendo-os pensar que a brincadeira ia acabar, mas que queria só dar o ar da sua graça naquele último programa; o Cal Lookwood, o radialista do pólo norte que ficou famoso em Portugal graças ao Nuno Markl, também disse olá do outro lado do mundo (as maravilhas da tecnologia!); até uma ambulância que passou ligou o altifalante só para dar uma palavra de apreço. Tudo isto com 150 mil pessoas a ver - números que muitas vezes não são atingidos por programas de televisão em canal aberto.

O que aconteceu ontem foi uma demonstração de apreço como não me recordo de ver; foi o exteriorizar da importância que uma simples pessoa pode ter na vida de tantas, principalmente durante estes dois meses difíceis que todos vivemos. Não é fácil ter noção do impacto que estas coisas têm nas pessoas - no caso do RAP, que falei em cima, é impossível quantificar ou ter a certeza sobre aquilo que acho e sobre a importância que teve naquele período político - mas é certamente emocionante perceber que um número incrível de pessoas gosta e valoriza o trabalho de alguém, ao ponto de se dar ao trabalho de sair à rua ou pôr luzes de Natal na varanda em forma de agradecimento. Não sei como é que o Bruno Nogueira se aguentou ao longo daquelas duas horas loucas em que tudo aconteceu; também não sei se, durante estes dois meses, essa comunidade que se formou à volta dele percebeu como é que o bicho mexe. Aquilo que eu sei é que isto vai ficar na memória de muitos e revela bem a importância que o humor e a cultura têm na nossa vida.

 

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10
Mar16

O novo Presidente da República

Gostei mesmo muito de ver a reportagem que a TVI fez sobre a campanha de Marcelo Rebelo de Sousa (que passou no domingo e na segunda). Só hoje tive oportunidade de a ver e vale cada minuto. Já o disse e repito: a TVI pode ter todos os defeitos do mundo, ter apresentadores escandalosos, programas popularuchos e reality shows indecentes - mas tem reportagens muito boas, com temas pertinentes, testemunhos poderosos e uma edição espetacular. E a última, sobre o novo Presidente da República, não foi diferente.

Apesar de ter escrito aqui que não queria Marcelo a presidente (não por ser um potencial-mau-presidente, mas sim porque se perderia um bom professor, comentador e um rol de características que apreciava nele e que vão ter de se desvanecer enquanto estiver nesta posição), foi nele em quem votei. Por várias razões: primeiro, porque se aproxima do quadrante político com que simpatizo; segundo, porque estava cansada da campanha e da lavagem de roupa suja daquelas duas semanas, em que o que menos se ouviram foram ideias políticas mas sim ataques pessoais entre candidatos; e, por fim, porque queria que isto se resolvesse à primeira volta, que gastar dinheiro noutra volta às urnas, quando todos sabíamos que ele ia ganhar, pareceu-me altamente desnecessário.

E, depois de ver a reportagem, não me arrependi do meu voto. Para além do interessante que é ver o "behind the scenes" de uma campanha presidencial, deu para perceber um bocadinho mais da pessoa que ele é, dos tiques de "pessoa normal" e a forma coloquial como levou esta campanha avante. A mudança de Cavaco Silva para Marcelo Rebelo de Sousa no cargo da Presidência da Républica vai ser, para mim, semelhante à mudança do Papa Bento XVI para o Papa Francisco no Vaticano. No fundo, uma transição de algo muito tradicional, formal e rígido para outra coisa mais leve, próxima do seu povo, sem tantas manias e altivismos. Alguém que sabe ser um de nós. E, neste caso - e espero eu! - alguém mais ativo na vida política do país.

Que Marcelo tenha a coragem de ser coerente com todos os comentários que fez ao longo dos anos e que tenha mão nisto. Que seja ativo, que tenha a capacidade de tomar decisões duras quando tal é preciso e que não sirva só de corpo presente, como aconteceu nos últimos dez anos. Acho sinceramente que pode fazer a mudança. Já que se sacrificaram tantas facetas de Marcelo em prol desta, que o faça bem. Estou esperançosa.

24
Jan16

Eu não queria Marcelo a presidente

Na verdade, o que eu quero dizer é que não queria sequer que Marcelo Rebelo de Sousa se candidatasse - porque sabia que, mal ele o fizesse, ganharia as eleições num clique. Não por não gostar dele - aliás, pelo contrário.

Passei muitos anos a vê-lo na televisão. Os domingos à noite eram reservados para o meu pai ouvir o "professor veneno", como era "carinhosamente" apelidado cá em casa. No início, não gostava - que criança é que gosta de ouvir falar de política e de coisas que não percebe à hora de jantar? - mas, com o passar dos anos, comecei a apreciar as suas opiniões. Em parte, claro, porque também me identificava com o quadrante político a que ele pertence (não é segredo que eu caio muito mais para a direita do que para a esquerda, pois não?); mas também porque as achava pertinentes e incicivas, verdades ditas muitas vezes na altura certa. Mas, acima de tudo, porque por detrás daquela capa, via alguém com imenso sentido de humor, com energia e boa disposição; alguém sem aquela carga meio pesada típica das pessoas metidas na política. Alguém com quem, sinceramente, gostaria de conversar e privar, por achar que é alguém extremamente interessante. 

No último ano as coisas mudaram bastante; deixei de gostar de o ouvir. Não mudei a minha opinião enquanto à pessoa que ele me parece ser, mas as opiniões suavizaram-se muito e percebi que já estava a construir a sua cama para o cargo que pretendia vir a ascender. Eram paninhos quentes a mais; as opiniões fortes ficaram para o passado, os possíveis comentários mais negativos passaram a ser mais neutros. Como comentador, deixou de ter a autenticidade que apreciava nele e isso chateou-me.

Ainda assim, não deixo de ver nele as características que antes apreciava. E tenho pena que ele vá ser eleito, porque acho que um Presidente da República tem de corresponder a certos requisitos e ter uma postura que vai fazer com que essas características de Marcelo não se enalteçam - pelo contrário, que se escondam ainda mais. Acredito que, em relação a Cavaco Silva, vá ser um PR mais informal, mais light e bem-disposto - mas acho que há piadas que depois não se podem fazer, posturas que não se devem ter, coisas que não se podem dizer. Há toda uma carga formal que este cargo traz que, independentemente da pessoa que o representa, tem sempre de ser suportado.

Não sei o que vamos ganhar em relação a um PR, mas sei que vamos perder um bom comentador, um bom professor universitário e, creio, alguém que já não vai poder demonstrar o seu bom sentido de humor e disposição a torto e a direito. É uma pena.

 

Adenda: com medo de ser mal interpretada, não quero com este texto dizer que Marcelo não será um bom presidente - pelo contrário. Também não quero dizer que não votei nele. Quero, simplesmente, afirmar que tenho pena que ele tenha preferido ser Presidente da Républica em detrimento de toda uma outra vida (pessoal e profissional) que tinha e que me parecia bem melhor do que aquela que ele vai ter a partir de Março deste ano. 

07
Dez14

Os malandros dos jornalistas

No meio de toda a polémica gerada pela detenção e posterior prisão preventiva do Eng. José Sócrates e do excesso de informação - total e completamente desnecessário - com que fomos bombardeados nos primeiros dias, o que me incomodou mais não foi saber o que é que o ex-primeiro-ministro almoçou, quem o visitou ou o número de prisioneiro que lhe atribuíram. Foi a visita do Dr. Mário Soares.

Não sendo fã do ex Presidente da Republica e não concordando com o que afirmou após a visita a José Sócrates, penso que o maior erro aqui foi por parte dos jornalistas, por terem dado tão grande ênfase a uma figura pública que, na minha opinião, apresenta sinais de alguma perturbação própria da sua provecta idade. É verdade que se trata de uma figura importante no domínio político, alguém de interesse nacional e que serviu o nosso país durante parte da sua vida - nos tempos em que ainda estava em condições de o fazer – algo que, na minha opinião, já não se verifica.

Muito se tem falado em humilhação em praça pública por aquilo que tem sido dito (e desdito, repetido e esmiuçado) sobre a detenção de ex primeiro-ministro, mas ninguém parece falar na vergonha que foi terem dado da palavra – e a atenção, diretos, reportagens, seguidas de entrevista – a alguém de quase 90 anos que já não parece medir a importância das palavras que profere. Isso sim, foi um explorar teatral com quem – goste-se ou não – nos merece respeito e que em nada contribuiu para a informação sobre o acontecimento. Pareciam estar ali à espera de mais uma grande manchete, com uma frase dita por alguém de relevo, ainda que já não no seu melhor estado... mas que daria, ainda assim, uma notícia fabulosa!

E assim foi, Dr. Mário Soares não os desiludiu. Emocionado e irritado saiu do Estabelecimento Prisional de Évora dizendo que tudo isto é um caso orquestrado por “malandros que estão a combater um homem que foi um primeiro-ministro exemplar". Mais: apelida este caso de uma “bandalheira”, uma “infâmia” e que José Sócrates é um homem digno e uma grande figura de estado.

Uma coisa é certa: algo não está bem com o nosso ex Presidente da Republica – não sabemos se é a memória, o discernimento ou a razoabilidade. Mas isso, tendo em conta as suas últimas aparições, já não era novidade para ninguém. Novidade foi o facto de um batalhão de jornalistas estar à espera destas pérolas como um cão esfomeado espera um osso, não percebendo depois que o osso é oco e o conteúdo, para além de ser pouco, já passou de validade.

28
Set14

O rumo da política portuguesa

Nunca fui simpatizante do PS.. Mas, além do mais, nunca fui à bola com as pessoas que dirigem o partido - a começar pelo Sócrates, que devia dar aulas de "como burlar o estado em milhões e sair ileso", passando pelo Seguro que sempre foi um incapaz e a acabar agora com o recentemente eleito António Costa. Porque no fundo aquilo que nós vemos é isso: a pessoa. Há toda uma maquina a funcionar ali, quer da parte pessoal como do partido, mas o que nós vemos é quem dá a cara para a câmara e o corpo às balas.

E o quê que eu vejo em António Costa? Um traidor, uma pessoa com falta de princípios. Como já referi, não sou socialista, mas acho que se fosse hoje não tinha votado como a maioria, mesmo que soubesse que Costa tem melhor espírito de liderança. Costa era amigo num segundo, e inimigo noutro; armou uma crise enorme no próprio partido, que só serviu para o descredibilizar (ainda) mais perante os olhos do povo; deu uma facada nas costas ao próprio colega, quando ele tinha acabado de ganhar as eleições europeias (contra uma coligação!), ainda que por uma margem baixa; não se candidatou como e quando devia, mas achou por bem interromper o seu mandato - ou seja, um compromisso para com a cidade e os moradores de Lisboa - e o do seu colega de partido. É só indecente, e revela uma falta de princípios básicos que, diria, é algo indispensável num político (é por essa falta de princípios que estamos como estamos).

O PS - e os seus militantes e simpatizantes - votaram hoje na continuidade do jogo feio e sujo que já é típico na política portuguesa. De facto, temos o que queremos - e ainda pedimos por mais.

17
Jan14

Hoje estou de poucas palavras

Simplesmente, subscrevo (e não são muitas a vezes em que subscrevo a Pipoca). Há dias em que tenho vergonha de Portugal.

 

Como se fosse preferível uma criança viver numa instituição sem amor, do que com um casal (de mulheres ou de homens) que é capaz de lhe proporcionar uma vida digna, carinhosa, como deve ser e tão rica em sentimentos e afeto como qualquer outra. E mais não digo.

12
Jan14

Mein Kampf no top de vendas

Foi notícia que o Mein Kampf está no top de vendas em vários sites livreiros em todo o mundo. Isto parece ter chocado tudo e todos, mas a mim não me surpreende nada.

A segunda guerra já foi há setenta anos - já não há cá muita gente que se lembre dessa época: o que se penou, o que se perdeu, o que se sofreu, a revolução do mundo. As pessoas não sabem como era, não sabem como foi, não sabem o que se sucedeu, e é uma reacção natural querer-se explorar o assunto o mais próximo possível da fonte. E, para além disso, o fruto proibido é sempre o mais apetecido! O facto do livro que Hitler escreveu ser proibido em vários países (ou era, pelo menos na Alemanha a proibição continua) não faz com que as pessoas não queiram saber mais (e isso não quer dizer que se identifiquem com a ideologia - porque nenhum livro devia ser proibido, nenhum conhecimento devia ser negado) - muito pelo contrário. Eu, desde que comecei a dar as guerras, sempre tive curiosidade em folhear o Mein Kampf - não porque goste do Hitler (que não gosto), não que seja nazi (que não sou), mas sim porque faço por ser uma pessoa culta e curiosa!

Posso estar errada, mas não me preocupa esta procura assoberbada do livro. Pelo contrário, fico feliz. Isto não é a conquista de uma ideologia racista e que levou a um genocídio - isto é a conquista do conhecimento, da curiosidade, do fim da censura explicita e do fim de um tabu muito presente nos dias de hoje (e esta do tabu fica para um post diferente): porque mal alguém fala de Hitler, se na mesma frase não tiver as palavras "assassino", "louco" ou "psicopata", arrisca-se a ser apedrejado física ou virtualmente de forma particularmente violenta. 

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