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Entre Parêntesis

Tudo o que não digo em voz alta e mais umas tantas coisas.

09
Nov23

Amigos, amigos - redes sociais à parte?

Eu devia coibir-me de escrever estas coisas, pois, tendo em conta o curso que tirei, era suposto a gestão de redes sociais ser uma das minhas valências. E é, se tivesse mais paciência para elas - coisa que, na verdade, não tenho, a par de muita falta de gosto pela área. Faço o mínimo indispensável para poder promover os meus textos e tudo o que seja necessário e pertinente a nível profissional. De resto, confesso-me preguiçosa.

E isto também acontece porque há algumas dinâmicas nas redes sociais que me passam ao lado. O LinkedIn, por exemplo: é suposto eu aceitar toda a gente, fazer uma pré-seleção tendo em conta o ramo de trabalho ou "estar em rede" só com pessoas que eu conheço? E o Goodreads - qual a política que devemos seguir? Cingimo-nos aos nossos amigos ou alargamos o círculo? É que, de tanto aceitar pessoas que desconheço totalmente, tenho uma mistura de estilos e de gostos infindável, que em muitos casos não corresponde ao meu gosto pessoal no que a livros diz respeito, e que até tem feito com que eu tenha perdido o interesse naquela rede social. É tanta tralha livresca em frente dos meus olhos - coisas que amigos de amigos lêem, e gostam, e comentam, e atualizam, e criticam - que eu acabo por me perder, desligar a aplicação e centrar-me na minha prateleira de livros por ler, em vez de andar à procura de mais papel onde gastar o meu dinheiro.

Sinto que, provavelmente, não há uma resposta certa para estas questões - cada um adopta a sua política, aquela que acredita fazer mais sentido para si, passando ao lado de tudo o resto. No Facebook e no Instagram também tivemos de o fazer - há quem aceite amigos, conhecidos e desconhecidos, assim como há quem tenha contas totalmente privadas que nem a lista de amigos deixa aceder. Eu, curiosamente, tenho políticas diferentes nas duas redes (sim, eu ainda uso Facebook - não se esqueçam que lá no fundo eu sou uma velhinha de 82 anos): no Facebook só tenho gente, no mínimo, conhecida, enquanto que no Instagram tenho a conta aberta (também porque a adotei como sendo uma plataforma de divulgação do blog), de modo a que qualquer um me possa seguir. Tenho linhas que separam o publicável do não-publicável e uma série de códigos de conduta internos que nem sei bem descrever mas que sei que estão lá.

Mas no LinkedIn e o Goodreads não. Não são sites novos, já têm o seu estatuto e vários anos de implementação - mas eu continuo a navegar um bocadinho na maionese. Na rede-social-do-emprego a única coisa que tenho bem definida é que não aceito pessoal do Zimbabué, Suriname e arredores, assim como pessoas cuja escolaridade se resume à "faculdade da vida"; de resto, vou pelo tato. Aceito uns, deixo outros a marinar durante tempo indeterminado enquanto penso indefinidamente sobre aquela conexão-cibernética e outros... bem, se for um astronauta, calculo que não deva ter muito em comum comigo, por isso opto por não aceitar. O que me leva à seguinte questão: faz então sentido aceitar um amigo que seja médico ou jardineiro, se não há nada em comum nas nossas áreas de trabalho? Isso não é equiparável àquela ideia do astronauta, cujos pontos de ligação profissional são parcos (quiçá nulos)? Porque afinal aquilo tem como finalidade criar uma rede de trabalho, com alguma estrutura e que faça sentido, ou é tudo ao molho e fé em Deus? É tudo muito ambíguo na minha cabeça.

Já no Goodreads, muito por culpa da pandemia de livros que estava a tomar de assalto a minha homepage, decidi tomar medidas, apagando mais de metade das minhas amizades. Sei que muitas das pessoas que me enviavam pedidos (que fui sempre aceitando) surgiam a partir daqui, do blog -  e, por isso, deixo já as minhas desculpas antecipadas caso tenham feito parte da minha eliminação colectiva. Poque neste caso defini bem as regras: ficaram pessoas que conheço (as que interessam e que cumprem os requisitos que a seguir menciono), com quem tenho gostos em comum ou que elaboram as suas reviews, não deixando apenas classificações com estrelas ou marcando só os livros que lêem. Foi uma limpeza.

Gosto muito de saber que as minhas críticas ajudam os outros a perceber se um livro será ou não interessante para juntar à sua lista de livros - mas, para garantirem que as vêem, sigam-me em vez de pedirem amizade (porque, como já se viu, sou uma esquisitinha da pior espécie).

 E vós? Como fazem a vossa gestão de redes sociais e que critérios têm? Ajudem esta alma perdida!

31
Mai23

Desistir não é para fracos

Há uns dias a minha cunhada, com a melhor das intenções, disse-me: "mas tu não és de desistir, vais ver que vais conseguir!". Na altura encolhi os ombros e torci o nariz, retorquindo: "não é bem assim, mas...". Não me quis alongar na explicação - a ocasião não era propícia e o tempo era escasso. Mas a verdade é que aquela frase me voltou a trazer uma reflexão que eu já tinha tido há uns largos meses, a propósito de um outro assunto. Mas se da primeira vez guardei as reflexões para mim, achei que à segunda tinha de ser de vez. Hoje venho escrever-vos sobre desistir. Desculpa, Ana, por estar a usar o teu positivismo e força para um propósito completamente diferente - mas dar-nos um mote para pensar a fundo sobre os assuntos também é algo de que nos devemos orgulhar. ;)

Vamos, por isso, pôr as cartas em cima da mesa: eu não acho que desistir seja necessariamente uma coisa má. A palavra está conotada muito negativamente, como se fosse sempre uma derrota; como se tivéssemos de atingir um limite (in)visível em que de facto já não há mais nenhum percurso, atalho ou caminho de cabras por percorrer; como se não acreditássemos à partida nas nossas capacidades. Mas e se for, na verdade, uma assunção muito consciente das nossas limitações? E se fôr uma desistência consciente, para bem de nós próprios e da nossa saúde mental? 

Faz-me aflição de que só nos deixem desistir quando chegamos ao fundo do poço - quando, se calhar, a meio do caminho já sabíamos que não iríamos ter forças para escalar as paredes pelas quais estávamos a descer. Faz-me confusão que, perante a crença de que um negócio não tenha pernas para andar, não seja permitido a um empresário fechar uma empresa mesmo que esta tenha liquidez financeira e que seja, ainda, economicamente viável. Faz-me uma impressão imensa ouvir os PT's a gritarem aos seus alunos para não desistirem, que só falta mais um minuto de prancha, porque de certeza absoluta que aguentam uma vez que os limites estão só nas suas cabeças. 

Se é verdade que às vezes temos força para ultrapassar aquilo que achamos que são as nossas limitações, outras também há em que desistir é mesmo a opção certa. Qual é a linha que separa? Qual é o limite do positivismo tóxico e da esperança que se transforma em fé desmedida? Acho que só cada um de nós, no seu interior, consegue descobrir. E nunca é linear - vai haver situações em que de facto seríamos capazes de ir mais além e noutras em que teremos de perceber e respeitar os nossos limites.

De um ponto de vista externo, eu sou capaz de detetar algumas situações em que a linha é ultrapassada: lembro-me de ver, nos últimos jogos olímpicos, o vencedor de um triatlo a atirar-se para lá da meta e a vomitar-se todo, caindo praticamente desmaiado logo após a fita ter sido traçada - para mim, aí, foi ultrapassado o limite do razoável. Recordo-me de ver na televisão milhares de trabalhadores da fileira têxtil a reclamarem por salários em atraso de empresas que abriram falência - e eu sei que se as decisões tivessem sido tomadas antes, com a frieza e antecedência devida, muito daquilo podia ter sido evitado. Porque "desistir" faz parte deste caminho que é a vida, da mesma forma que "começar", "recomeçar" e "tentar" também. Porquê atribuir-lhes conotações tão diferentes? Se não desistíssemos de nada não havia ciclos fechados e outros tantos não poderiam ser criados ou recomeçados.

A conversa com a minha cunhada vinha a propósito de uma fase complicada que atravesso ao nível de trabalho. Como desistir está, de facto, no meu vocabulário, esta foi uma opção que equacionei - mas que, depois de ponderar, pus de parte. Enquanto fizer sentido para mim, continuarei neste papel em que me imiscui e que acarreta responsabilidades que nem sempre são fáceis de gerir, muito menos em períodos de crise. Mas, curiosamente, aquele comentário bateu mais forte pois veio dois dias após uma desistência pública que me custou particularmente: no último recital de piano, das dezenas em que já participei, foi a primeira vez em que desisti de tocar a peça. Desisti a meio. Já a tinha recomeçado, depois dos atropelos iniciais (normais, devido ao nervosismo que uma apresentação pública destas implica); mas na segunda vez, após perceber que me estava a perder completamente, parei de tocar e soltei o pedal. As cordas do piano pararam de vibrar e só se ouviu silêncio. Respirei fundo de forma a ganhar coragem para defrontar a pequena plateia que ali estava, saí por detrás da pauta e expliquei que já tinha experiência suficiente para perceber que aquele não era o dia certo para tocar aquela peça, que não me ia sair. Provavelmente teria sido mais fácil continuar a tocar, melhor ou pior, e chegar ao fim - mas eu não queria apresentar algo que não era o reflexo do meu estudo e do meu esforço. Eu toco bem - e não queria tocar mal só para dizer que não desisti. Fi-lo com dor, esforço e uma ponderação de micro-segundos - mas foi a decisão certa a tomar. O meu sistema nervoso é uma limitação real, que me afeta não só naquela situação mas em tantas outras na minha vida, e eu sabia que não era por tentar dez vezes que a situação iria melhorar. 

Por muito que não gostemos de admitir, nós temos limites. Adoramos esticar a corda, celebramos de cada vez que os ultrapassamos... mas tendemos a esquecer a dor do estiramento, de todas as vezes que correu mal por não (n)os termos respeitado. Porque aquilo que fica na memória acerca do campeão de triatlo é a medalha que trouxe ao peito e não as (prováveis) inúmeras vezes que acabou a vomitar nos treinos. Mas será que esta balança está equilibrada? Será que vale tudo?

A primeira vez que quis escrever este texto foi a propósito de uma aventura no Gerês, da última vez que lá fui acampar com o meu irmão e companhia. Numa das nossas saídas decidimos ir à barragem e alugar uma mota de água; eu pus-me logo de parte, disse que preferia ver de longe, que dispensava andar. Eu tenho um problema claro com a falta de controlo - e, neste caso, embora até pudesse ser eu a conduzir a mota, não me sinto segura em aparelhos que acho por si só inseguros e que atingem velocidades que, na minha cabeça, são desproporcionais e arriscadas. (O facto de ter ficado traumatizada com veículos aquáticos motorizados, na minha viagem aos Açores, não ajuda à causa). Nunca tinha experimentado a mota, mas não era algo que compensasse sequer o risco de tentar. Mas a verdade é que me chatearam tanto para eu ir dar uma volta de três minutos que eu cedi e fui ao pendura, agarrada ao Miguel.

A verdade é que, quase um ano depois, me recordo de pouco: lembro-me de o agarrar como se a minha vida dependesse disso, de ir quase sempre de olhos fechados e a gritar-lhe aos ouvidos para ele abrandar (sendo a resposta dele: "mas eu não posso ir mais devagar...!", o que era provavelmente verdade). A volta foi muito curta, mas quando saí da mota as pernas não se aguentavam sozinhas. Tremia por todos os lados, sentia o desmaio ao virar da esquina e um mal-estar generalizado. E, lá no fundo, ainda a parte física não tinha sequer estabilizado, e já se começava a cozinhar uma sensação profunda de fúria para comigo mesma: porque raio é que eu fui? Porque é que, por pressão externa, cedi a algo que sabia que não ia ser positivo para mim? Porque é que estraguei as próximas horas - que se passaram com todas as consequências de uma descarga de adrenalina e uma quebra de tensão - se já sabia que não ia gostar? Para fazer a vontade aos outros? Para dizer que fui?

Na altura, como faço sempre, "escrevi" vários trechos mentalmente sobre este tópico - mas nunca os passei para aqui. Mas hoje achei que seria pertinente. Porque a desistência está altamente relacionada com os nossos limites - tanto os que imaginamos como aqueles que realmente temos. E não há problema em conhecermos os nossos limites, respeitá-los, aceitá-los e impormo-nos em prol deles. Não há problema se os conhecermos de raiz e não subirmos, pura e simplesmente, para cima da mota de água - assim como não há problema em perceber as coisas a meio do caminho, descobrirmos limites que até então desconhecíamos, e desistir a meio de um projeto se acharmos que ele não tem viabilidade futura. 

Para mim, a capacidade de erguermos a cabeça e de assumirmos que desistimos é tão legítima e poderosa como a de continuarmos a andar em frente, indiferentes ao medo, às más línguas e a contextos infelizes. Os dois caminhos são válidos, ambos têm valor. Só nós é que podemos ver qual é a linha que separa - e só nós, em cada um dos nossos trilhos individuais, é que temos o poder de deixar de atribuir de forma literal uma desistência a uma derrota. Porque não são sinónimos. Porque uma desistência pode valer mais do que muitas medalhas; pode valer mais do que uma salva de palmas. Na verdade, pode valer-nos muita saúde mental e qualidade de vida - tal e qual como ir à luta. 

18
Abr23

Eu não quero ser como a Kodak

Escrevo porque gosto. Também escrevo porque acho que tenho jeito - e fazer coisas que nos saem bem naturalmente é meio caminho andado para gostarmos de algo, não é? Mas a verdade é que nos últimos anos perdi o hábito de me agarrar ao teclado e deixar tudo aqui - as minhas emoções, os meus pensamentos, as minhas opiniões. Nunca escrevi noutro sítio ou noutro formato - simplesmente deixei de escrever. Completamente.

Isso aconteceu por razões várias, que hoje não vale a pena enumerar. A questão é que estou a esforçar-me para retomar. Porquê? Porque acho que a escrita está a tornar-se, lentamente, numa das derrotas da minha vida. Explicando: nunca esteve nas minhas previsões fazer deste o ramo a minha vida, mas também nunca achei que este meu lado fosse (e ficasse) tão desvalorizado. Escrevi neste blog diariamente, durante muitos anos; fazia-o não só porque gostava (e porque, em algumas fases, precisava de deitar cá para fora) mas também porque sempre acreditei que a prática leva à perfeição e que este percurso me ia levar a algum lado. À minha volta, nesta comunidade e noutras, testemunhei caminhos de sucesso a serem traçados: o nascimento de diferentes projetos, a criação de marcas, o avanço para colunas de jornais em vez de simples posts num blog e até a publicação de livros. Eu achei que a minha consistência e o algum talento que os outros pareciam vislumbrar em mim me iriam levar por um trilho semelhante. Que algumas portas se iriam abrir. Mas esse dia nunca chegou - tive um ou outro rebuçado que me foi adoçando este longo caminho de 12 anos, mas nada que seja sequer ligeiramente memorável.

A verdade é esta: eu sempre escrevi porque gostava, mas cheguei a um ponto em que queria algo em troca. E não era dinheiro - era reconhecimento. Aliás, essa é também a razão para não escrever em papel; às vezes, quando digo que há cercas coisas que não posso dizer num blog aberto ao público, sugerem-me que o faça à moda antiga, num caderno. Mas eu habituei-me ao feedback dos outros - e essa é a moeda de troca mais básica que se pode ter, mas também uma das mais recompensadoras. O decaimento dos blogs não ajudou neste processo: se no início se recebiam muitos comentários, a partir do momento em que houve cruzamento de outras plataformas e redes sociais tivemos de aprender a contentarmo-nos com meros likes ou, na loucura, com um "favorito" aqui no Sapo. Hoje até isso está quase extinto.

No meio disto tudo a vida aconteceu. As horas que eu gastava a escrever eram muitas e foram surgindo mais prioridades na minha vida. Para além de ter outras coisas para fazer, saí do jornal onde trabalhava e integrei no meu projeto de vida, na área textil - e, aí sim, as palavras deixaram de ser o centro da minha vida. Eu soube-o no momento em que tomei a decisão de me despedir - de tal forma que fiz uma tatuagem para ter a certeza de que eu podia sair do mundo das letras, mas as letras nunca sairiam de mim. E os dias passaram. Passaram semanas. Meses! Houve meses em que uma palavra não foi publicada neste blog. Quão triste ficaria a Carolina de 2014 - a que lutava por consistência, que fazia por escrever todos os dias - se visse uma coisa destas acontecer. E, também por isso, no início deste ano foquei-me em dar a volta e retomar um daqueles que foi um dos meus primeiros objetivos desde que me considero gente. Escrever todos os dias é impensável, mas fazê-lo todas as semanas é exequível - e, melhor ou pior, tenho-me safado. Mas, hoje, questiono-me.

Os blogs que eu seguia estão mortos - alguns ainda por enterrar, mas claramente com funeral à vista. E eu não sei, honestamente, se esta é uma plataforma que esteja para durar. Os influenciadores - quem faz disto vida - adaptaram-se aos novos mercados e aos "spots" de maior destaque e fugiram daqui para fora, para primeiro aterrarem no Facebook, depois no Instagram e agora no TikTok - e algo estará certamente ao virar da esquina para mais uma mutação qualquer. Nenhuma destas plataformas substitui o que está aqui: todas elas escondem o texto quando os caracteres são muitos, os algoritmos atiram logo os posts para baixo quando detetam muitas letras e esta capacidade de narrar a vida com calma e espaço é impossível em qualquer uma das redes sociais que hoje frequentamos.

Mas será que daqui em diante vai haver, de facto, tempo para ler textos grandes? Ou o nosso cérebro vai começar a ficar formatado para vídeos de 15 segundos e a ver a vida contada em imagens, como quem lê banda desenhada?

Eu sei que se fez o funeral de muitas modas e objetos de forma precoce - os livros não deixaram de existir por terem sido criados os leitores digitais, as molduras não foram extintas por se terem inventado aquelas coisas horríveis que mudavam de imagem a cada segundo e até ainda há quem leia jornais em papel! Na verdade ainda existem pessoas que tiram fotos analógicas e que mandam revelar fotos. Mas também sabemos que a Blockbuster fechou, que já é difícil encontrar um leitor de cassetes funcional e, não precisando de ir tão longe, até um leitor de DVD é uma raridade. Há realidades que conseguiram manter-se "mistas", misturando o tradicional e o contemporâneo, há ideias que nunca pegaram... e há outras que destronaram para sempre objetos que estavam perfeitamente consolidados nas nossas vidas. A pergunta é: e os blogs, em que categoria irão cair?

Tenho medo de estar a investir tempo e dedicação em algo que não tem futuro - não só pela plataforma mas também pelo meu estilo de escrita e de posts: porque são grandes, pormenorizados, detalhados, extensos. São, talvez, demasiado. Eu adoro, por exemplo, escrever relatos de viagens - mas apercebo-me de que são poucos os que os lêem e ainda menos os que os utilizam em futuras ocasiões, que é na verdade o meu maior propósito. Provavelmente o melhor era fazer uma série de instastories, pôr tudo num destaque para a posteridade e a coisa resolvia-se rapidamente, como hoje se quer. 

Acho que espaços como este, em que a escrita é privilegiada e o tempo e os caracteres não são contados, poderão continuar a existir: mas serão um nicho, tal e qual como a fotografia analógica. E, honestamente, isso entristece-me: primeiro porque tenho quase metade da minha vida aqui refletida e, segundo, porque seria o consolidar de uma missão falhada. Gostava de ter ido mais além e penso que, eventualmente, este não será o caminho - mas também não acho que ele passe pelo estilo das novas plataformas que estão a surgir, em que regredimos progressivamente para a capacidade de concentração de um peixe e a inteligência de uma formiga. Eu tenho mais do que fotos para mostrar; tenho opiniões para dar, tenho pensamentos para partilhar, emoções que quero deitar cá para fora.

Talvez, um dia, escreva um livro - e talvez alguém lhe pegue, depois de provavelmente muito esforço da minha parte (pois o mercado editorial não é uma guerra em que se deva entrar de ânimo leve). Hoje... não sei. Não sei se há público para o que escrevo - se as minhas opiniões sobre livros valem de algo, se os meus extensos relatos de viagens são úteis ou prazerosos para alguém ou se as minhas reflexões cada vez mais espaçadas vêm acrescentar algo. Não sei se vale o investimento de tempo. Não sei se sou capaz de escrever sem publico. E acho que não quero ser uma Kodak, tão presa no tempo que não se apercebeu de que estava a ficar obsoleta. 

 

Deixem as vossas opiniões nos comentários. Obrigada. 

06
Dez20

As filosofias de vida baratas não resolvem problemas

Ou um pensamento sobre a morte precoce de Sara Carreira e como mexe com todos nós

Quando tomamos conhecimento de uma tragédia como aconteceu à da família Carreira todos sentimos que levamos um chapadão da vida. Não falo da família nem de amigos próximos: esses terão que aguentar com um terramoto, com demasiadas réplicas, que será muito difícil de ultrapassar; muitos - anónimos, aqueles cujas histórias não são dissiminadas pelos jornais nem pelas redes sociais - não se reerguem após uma perda destas (e eu espero que, dentro dos possíveis, todos os que orbitavam à volta da Sara possam voltar às suas vidas, dentro do novo normal, o mais rapidamente possível).

Falo de nós, os que assistimos à distância. Gostando ou não dos Carreira, não há forma de não nos identificarmos e projetarmos em nós e nos que nos rodeiam aquilo que lhes está a acontecer a eles. Alguns, como eu, têm uma idade próxima da da Sara. Outros terão filhos, netos, amigos, irmãos a quem poderia acontecer exatamente a mesma coisa. E no momento em que nos apercebemos disso cai-nos a ficha. Também a nós nos dói, pois percebemos que poderíamos ser nós, dentro do carro; que poderíamos ser nós a receber a notícia. Aliás: podemos. Basta estarmos vivos.

Depois de acontecerem coisas destas, as redes sociais enchem-se - para além dos merecidos votos de pesar - de filosofias baratas sobre a vida, cuja aplicação só é possível numa existência utópica. "Aproveitar cada dia. Não nos chatearmos. Não fazermos planos. Viver o momento."

Eu falo por mim: vivo absorvida pelo futuro, às vezes demasiado dedicada ao trabalho, muitas vezes preocupada com a gestão da agenda e do tempo, algumas vezes chateada pelas pedras no caminho e eternamente stressada com uma vida que gosto e que escolhi, mas que não me dá margem para muitos erros.

Este ano já não é a primira vez que levo estas chapadas de realidade - na verdade, foram mais que chapadas. Enterrar um antigo colega da primária mexe connosco; e ver no leito de morte alguém que nos criou, e cuja vida e a distância nos separou muito embora o vínculo estivesse lá, também dói muito. E, também por isso, há algo que aprendi e que não falho: todos os dias relembro as pessoas que amo do quanto eu gosto delas. E também evito deitar-me chateada com alguém.

Embora não tenha no meu dia-a-dia a ideia constantemente presente de que a vida é um fósforo (acho que isso faria com que endoidecesse), implementei essas duas regras já tendo em vista de que não sei o que o futuro nos reserva e que quero que todos tenham presente aquilo que sinto por eles. Sei pouco sobre a morte - e dispenso saber mais -, mas tenho a certeza que não levamos qualquer tipo de bens connosco quando morremos; confio, no entanto, que uma consciência tranquila e um coração cheio ajudem ao processo, tanto dos que ficam como dos que vão.

Implementei estas duas regras de forma preventiva, para estar bem comigo mesma e garantir que os que me rodeiam também ficam de consciência tranquila caso aconteça algo. Fora este tipo de ações (e outras momêntaneas, que surgem na hora), opto por descartar as frases bonitas e filosofias que surgem no facebook por estes dias. É irrealista para mim não me preocupar com o dia de amanhã, devendo apenas viver o momento - fazer isso é dizer-me para ir contra a minha própria natureza; é pôr mais um peso em cima de mim, porque não consigo não me preocupar, mas porque sei que não devo (e este ciclo vicioso acaba eventualmente por ser maligno); é ser egoísta, tendo em conta que estou numa posição em que as minhas decisões e ações têm consequências sobre os outros e sobre a sua qualidade de vida. Não me podem pedir para não me preocupar quando sei que a tesouraria vai má e eu tenho salários para pagar no final do mês; não me podem pedir para não me preocupar quando há reclamações para resolver. Também por isso não vale a pena dizerem-me para aproveitar o dia quando há dias em que eu sei que o tempo vai estar negro e há problemas graves para enfrentar. De que serve colocar uma pressão extra sobre nós mesmos quando nós já vivemos num ambiente de stress constante? A ideia, para mim, é exatamente o oposta: descomplicar e não empilhar filosofias que não podemos implementar. Dar ouvidos a este tipo de coisas quando temos plena noção de que não as conseguimos cumprir seria o mesmo que ir à igreja todos os domingos e não ser crente: é inútil e desnecessário.

Hoje em dia, penso que muito por culpa das redes sociais, temos uma tendência e uma necessidade de mostrar ao outros que está tudo bem. Apagamos os dias maus do histórico e fingimos que não aconteceu. Há quase vergonha em demonstrar que, às vezes, não se está bem. Ser infeliz ou mal sucedido não é fixe. Não mostramos quando vamos a um tasco em vez de um restaurante fancy, quando a comida sai torrada e não com um belíssimo aspeto, quando temos olheiras e o cabelo por lavar em vez de uma mela maquilhagem e um sorriso pepso-dente.

E, assim, esquecemo-nos de uma parte essencial da vida. Sim, vai haver dias maus. Sim, vai haver preocupações. E sim: no meu caso, não há forma de eu não estar sempre de olho no futuro - porque é assim que eu sou e não vale a pena contrariar. É aceitar e dar a volta ao texto.

Relativizar é uma alternativa - hoje, por exemplo, é fácil percebermos que temos uma vida óptima quando comparamos o sofrimento que aquela família está a enfrentar. Mas esta técnica nem sempre funciona, porque muitas vezes não nos lembramos realmente do quão poderosas podem ser outras dores (nomeadamente a dos outros). No dia-a-dia, as nossas dores são sempre as piores.

E por isso o que eu faço, tal como na minha vida, é dividir o tempo em slots diferenciados, quase como numa agenda. Há uns dias - num daqueles mesmo pesados e complicados - o meu namorado chegou aqui a casa com um ramo de flores, dizendo-me que um dia mau não tem de acabar mal. E esse é o segredo. É aceitar o que foi mau mas, num slot de tempo diferente, tentar virar a moeda. Fazer por ver o outro lado. No meu caso, é saber que por muito mau que o dia seja, de noite poderei deitar-me no peito do Miguel e senti-lo a meu lado; é saber que tenho o abraço da minha mãe pela manhã; é comer um chocolate, embrulhar uma prenda de Natal, sentar-me no sofá e olhar para a minha árvore, brincar com os meus cães, ir à feira. É tornar preciosos os momentos de que gosto, que me fazem feliz, e apreciá-los um de cada vez - tendo consciência do priviégio que é estar a vivê-los. Esse é mais um dos exercícios que, a par de expressar o meu amor pelos outros, ponho em prática diariamente.

O resto? Para mim, são balelas. O resto vem, resolve-se, trata-se, dá-se a volta. E que bom é poder fazê-lo: é sinónimo de que estamos vivos e prontos para a luta. O problema é mesmo o dia em que não estivermos.

31
Mai20

Uma questão de prioridade(s) - e, já agora, respeito

Neste momento apetece-me bater à porta de todos os otimistas (ou deverei dizer ingénuos) que achavam que esta história da pandemia vinha mudar a humanidade. Alguma coisa como: "Truz, truz! O desconfinamento já vos fez acordar para a vida?".

Solidariedade como vimos nestes tempos difíceis é típica nos portugueses: sempre nos socorremos uns aos outros nestes momentos. Mas isso não quer dizer que mudamos; não quer dizer que deixamos de fazer comentários parvos, insolentes, racistas e ofensivos nos comentários das notícias no facebook; não quer dizer que deixamos de nos insultar no trânsito; não quer dizer que daqui em diante o nosso comportamento para com profissionais de saúde e outras pessoas que se arriscam diariamente em prol dos outros seja diferente. O esquecimento faz parte da condição humana - se assim não fosse não tínhamos a capacidade de perdoar e andar para a frente com as nossas vidas, as mulheres não teriam filhos novamente se se recordassem a cada instante das contrações na hora do parto e provavelmente também não voltariam à esteticista se aquele momento em que a banda de cera se descola da pele estivesse bem vivo nas suas memórias. Acredito que há muita coisa nas nossas vidas que vai mudar graças ao aparecimento deste vírus - mas tratam-se de hábitos, não de características pessoais. Essas continuam as mesmas - e com traços típicos do egoísmo humano e da falta de sensibilidade para com o próximo. 

Eu, que não "confinei" por força do meu trabalho, nunca cheguei a ver o mundo pela janela e em modo arco-íris. Mas à medida que as coisas vão voltando à normalidade e que somos obrigados a interagir novamente com mais pessoas no nosso dia-a-dia, e embora nunca tenha acreditado numa mudança nas pessoas, vou-me agora relembrando da massa de que são feitas.

Há dias fui à última da hora ao supermercado, comprar meia-dúzia de coisas que estavam em falta para o jantar - cabia tudo num saquinho de pano que levava ao ombro. Era hora de saída de trabalho, o espaço estava cheio e as filas iam crescendo pelos corredores - de tal forma que abriram três caixas durante o tempo de espera em que lá estive. Fui uma das pessoas que se moveram para uma nova caixa quando o anúncio se ouviu nos altifalantes; a caixa em questão tinha lá pousadas algumas garrafas de vinho, deixadas por um casal de idade que, pelo peso das bebidas e pela sua parca condição física, pediu a um funcionário para as lá deixar. Voltaram pouco depois da caixa abrir, com tantas coisas como as que eu tinha no saco - poucas, portanto. Ambos entre os 70 e os 80 (sendo que a idade não tinha sido branda com nenhum deles), andando com o auxílio de bengalas e claramente perturbados por toda esta logística das máscaras e distanciamentos, tomei a liberdade de os deixar passar à minha frente.

Apesar da distância de segurança consegui ouvir bufar o senhor que se encontrava atrás de mim. E ao meu lado, na fila paralela, um senhor de carrinho cheio ainda me disse: "a fila prioritária é esta onde estou, não essa", apontando para a plaquinha indicativa, sofrendo claramente por um problema que não era o dele. O que respondi não vem ao caso, pois as ações falam por si e o casal já estava a pagar a conta. Mas isto lembra-nos (mesmo a mim, que sempre achei que estes meses fechados em casa não iriam mudar ninguém para melhor) da necessidade de colocar cartazes à porta de todos os espaços públicos, aquando do pico da pandemia, listando todos aqueles que têm prioridade; recorda-nos o porquê de ter de legislar, pedir, obrigar e punir ações que aparentemente seriam de bom senso.

Acredito que estas mesmas pessoas - as que bufam, as que reclamam, as que fazem caras de desagrado tão óbvias que se notam apesar das máscaras - são também aquelas que, neste momento, se insurgem contra as ações racistas daqueles polícias americanos e que colocam posts no facebook apregoando que as "black lives matter". Acho que muita gente não percebe que, atrás das lutas contra o racismo, a xenofobia, a homofobia (entre outros), está uma coisa tão simples como o respeito para com o próximo. Em não olharmos só para os nossos umbigos. E antes de tentarmos lutar pelo que quer que seja, convém que sejamos os primeiros a agir quando as ocasiões nos aparecem à frente - seja em relação a pessoas de outra raça ou simplesmente alguém que precisa de ajuda. A mudança começa em cada um de nós - mais do que gritar no meio da rua com cartazes ou pondo imagens bonitas nas redes sociais.

24
Mar20

O desabafo de uma não-heroína

Hoje acordei a pensar em como gostava de ter um supermercado ou um salão de unhas de gel. No primeiro caso, dentro deste cenário meio apocalíptico em que vivemos, era minha obrigação continuar a trabalhar; no segundo, era obrigada a fechar. Tudo isto por indicações superiores, lavando as minhas mãos de culpas futuras que vão - garanto - cair sobre todos dentro de pouco tempo.

No meio disto tudo, não somos todos heróis. Eu não fico em casa. Mas eu também não sou médica, não sou operadora de caixa, não sou polícia, não faço parte da proteção civil, não sou bombeira, não sou padeira, não sou talhante, não sou peixeira, não sou enfermeira, não limpo hospitais, não sou condutora de autocarros e não desinfeto espaços públicos. Sou, como se dizia antigamente, "industrial". E os industriais - e todos os operários que trabalham nessa mesma indústria - caem num limbo problemático no meio deste caos todo. Têm nas suas costas, segundo o primeiro-ministro, o dever de fazer com que o país não pare; mas têm na sua consciência, ouvindo todos os outros que dizem ser extremamente necessário o recolher obrigatório para conter a propagação deste vírus, e tendo a plena noção de que sendo a indústria uma coisa pouco apta para o teletrabalho, que se estão a pôr a eles, às suas famílias e os seus funcionários em risco (ainda que relativo) para que tudo continue a andar. Devemos proporcionar-lhes todas as condições de higiene necessárias, diz o ministro. Se eles as tomam ou não, já não é minha responsabilidade.

Mas são as minhas costas que me doem. É o meu sistema nervoso. São as mãos que me tremem e a pálpebra que teima em não parar quieta. É o sono que não me dá descanso. É o peso da responsabilidade que é posta em cima de mim: porque por um lado tenho o dever de fazer a economia andar (e felizmente tenho encomendas para satisfazer, compromissos para manter), mas por outro tenho o dever cívico de proteger os meus (família, amigos e funcionários). E neste caso não posso lavar as mãos desta responsabilidade: os decretos não dizem se devo continuar ou parar de laborar. Há um buraco na lei, como quem diz: "decide tu".

Tenho de decidir se quero deixar de honrar os meus compromissos e deixar na mão os meus clientes fiéis, que se assim for provavelmente não voltarão a colocar encomendas depois de tudo isto passar, levando-me à falência. Tenho de decidir se me quero pôr em risco, a mim e aos meus, aos meus funcionários e às famílias deles, em prol de continuar a ter dinheiro para lhes pagar o salário ao fim do mês. Tenho de decidir se quero endividar a minha empresa, com uma taxa de juro baixa mas que mesmo assim vai dar lucro aos bancos, de forma a tentar salva-la no futuro - sem saber se, mesmo assim, continuarei à tona da água. Tenho de decidir se sou forte o suficiente para ouvir opiniões contrárias - de quem, curiosamente, não tem este peso em cima dos ombros. 

Eu não sou heroína de nada - porque ninguém decide por mim. Mas gostava. Porque medo todos temos. O peso da responsabilidade é que não.

26
Fev20

Clubismo e racionalidade: um duo impossível?

Pela primeira vez na minha vida dei por mim a torcer pela equipa contrária. 

Sou portista desde que me conheço. A minha avó fez-me sócia quando ainda não tinha 10 anos e assim me mantenho até hoje - porque sempre gostei de futebol, porque gosto de pensar que estou a continuar algo que foi ela que começou, porque me dá descontos em algumas coisas. Mas, acima de tudo, porque sou muito portista. Já fui muito, muito, muito, muito portista. Hoje sou só muito. E a culpa não é dos campeonatos que não ganhámos ou das desilusões que apanho de cada vez que piso o estádio (acredito que carrego uma sina e que o meu clube perde quando lá vou); acho que cresci, simplesmente. E relativizei.

Penso que já aqui o disse, mas volto a repetir: eu consegui atingir o estágio ideal no que ao futebol diz respeito. Fico muito feliz quando o Porto ganha... mas não me ralo quando perde. (E continuo mega feliz quando o Benfica perde - isso manteve-se). Mas fiquei admirada quando, pela primeira vez em muitos anos, me senti mesmo chateada à custa de um jogo de futebol. E não foi por perder - foi por ganhar. (Se eu algum dia pensei que ia escrever isto!).

Fui ao Dragão assistir ao FCPorto - Portimonense. É facil resumir o jogo: o FCP passou hora e meia a passear pelo campo e, muito de vez em quando, alguns jogadores decidiam fazer pequenos percursos a passo acelerado; já o Portimonense, embora sem grandes chances de golo, manteve-se firme, com garra e vontade, nunca desistindo. Roubando bolas, interrompendo passes, formando uma barreira que, naquele dia, foi praticamente intransponível pela equipa da casa.

E eu passei-me. Fiquei furiosa por ver aqueles jogadores, que ganham milhões - com a minha contribuição, já que sou sócia -, a fazer praticamente nada para ganhar o jogo. Um jogo que, só por acaso, os podia colocar em primeiro lugar. Quando tinham milhares de pessoas a puxar por eles, mesmo quando não o mereciam. (Enquanto lá estava ainda tive tempo para me irritar com o comportamento coletivo que o público tem para com os jogadores quando estes fazem alguma coisa bem - como um bom passe ou um rematezinho à baliza - como se isso não fosse a obrigação deles! Recordei-me de algo que muitos de nós já passamos, enquanto miúdos, quando mostrávamos uma boa nota aos nossos pais e eles nos respondiam que não fazíamos mais do que devíamos. E ali é igual.) Foi de tal modo que dei por mim a torcer para que não marcassem golo, enquanto à minha volta meio mundo praguejava e insultava quem estava em campo, já em desespero de causa por ver o desafio empatado a zero.

Foi o jogo todo naquilo, até que sai um golaço dos pés de um jogador. E aí o FCP passou, para os adeptos, de besta a bestial. Os insultos e a indignação ficaram para trás daqueles 87 minutos. São como crianças em plena birra: para os calar basta dar-lhes aquilo que mais querem e tudo passa. Ficam mansinhos. Já não praguejam - a não ser com o árbitro -, não insultam ou gritam. Porque naquele momento já estava tudo bem. 

E eu ainda mais chateada fiquei. Nem festejei o golo. Fiquei triste que um golpe de sorte tenha dado a vitória a um clube que não a mereceu - mesmo que esse clube seja o meu. E nesse momento parei. Fiquei abismada. A minha racionalidade estava a colocar-se acima do meu clubismo - que, há uns anos, era acérrimo. 

Revi mentalmente o jogo e percebi que a minha irritação e frustração se foram construindo por tudo o que se passava tanto dentro como fora de campo. Irritou-me que os adeptos festejassem loucamente quando o árbitro decidia a favor da sua equipa, não se preocupando sequer se a decisão era a correta; irritou-me a bipolaridade de comportamentos pré e pós golo. E, acima de tudo, chateou-me a falta de luta e de vontade de uma série de jogadores que recebem rios de dinheiro - e que enfrentavam outros que ganham incomparávelmente menos, que estão numa posição altamente desfavorável (tanto no local como na tabela classificativa), e que claramente lutaram com todas as forças que tinham. 

Fui descarregando a minha frustração para cima do meu namorado assim que saímos do estádio. Ele dizia: "mas o Porto ganhou, é isso que importa". E, apesar do meu coração ser azul e branco, na minha cabeça registou-se o pensamento: "é mesmo isso que importa?".

Pelos vistos não é só em matéria de amor que o coração e o cérebro entram em conflito. O futebol dividiu-me a meio. Não sei se sou mais coração ou mais cabeça. Não sei se sou mais paixão ou racionalidade.

Sei que sou Porto, de alma e coração. Só não sei onde é que o cérebro entra nesta equação.

 

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01
Out19

(Tentar) Mudar o mundo com post-its

Sou uma post-it addicted. O meu escritório é neste momento um caos organizado, pintalgado a cores com mensagens que só eu poderei entender como "colmeia alargada", "produzir", "preteridos" ou "materiais out". Aqueles papéis coloridos são a minha forma de organização nesta fase deveras confusa do meu trabalho, em que vejo mais de uma centena de malhas por dia e tento decidir o que fazer, como fazer, quando fazer e onde integrar cada pedaço de pano de uma forma lógica, para mais tarde os poder vender. 

Uso-os também para deixar mensagens e lembretes, tanto lá em casa como no trabalho. Ah, e são essenciais em tudo o que são transições! Quando sobra muito trabalho de um dia para o outro, espeto com post-its em tudo quanto é lado. Ainda pior se for fim-de-semana - sabe-se lá a quantidade de coisas que se esquecem em dois dias de pausa! É a forma de me manter organizada, de não esquecer tarefas e de perceber aquilo que fiz anteriormente; no meio de tantos montes e montinhos que agora crio para segmentar as malhas, chega uma certa altura em que já não sei porquê que separei isto daquilo, ou o que representava o conjunto de folhas que pus a um canto. Por isso: post-its, sempre!

E este hábito já se enraizou de tal forma que muitas vezes dou por mim a pensar "devia andar com post-its na carteira"! Confesso que isto ocorre-me frequentemente quando estou a sair de minha casa, num cruzamento junto a um ATL que lá existe. Nas horas de ponta é um pandemónio, com todos os pais e mães a deixarem os seus filhos praticamente à porta, abandonando os seus veículos nos lugares mais à mão - desprezando completamente o bom funcionamento do trânsito, que a essas horas já é mau só por si. Ele é carros em cima do passeio (que impedem a visão dos condutores que surgem na via perpendicular), carros com quatro piscas em cima da passadeira. E, como uma vez escrevi, não há desculpas para isto. Estaciona-se mais longe, caminha-se mais - mas evita-se que a vida dos outros saia perturbada pelas nossas próprias rotinas e pressas.

A mim apetece-me pegar nos meus papéizinhos e deixar notas.

 

"Se tivesse um filho de cadeira de rodas, não deixaria o carro em cima do passeio".

"Se um dia o seu filho for atropelado por um condutor que não conseguiu ver a passadeira por causa de um carro tão mal estacionado como o seu, gostava ver como reagia".

"Gostava de ser mosca para o ver indignado para com os carros que estão estacionados em cima das passadeiras que o seu filho um dia irá atravessar".

 

Ideias não me faltam. Vontade também não. Mas relativamente à coragem.... não posso dizer o mesmo. Sinto que as reações das pessoas cada vez mais se agudizam e, mesmo não estando a insultar ninguém e sendo uma clara chamada de atenção, tenho medo de represálias. Ainda assim, acho mesmo que os posts-its - estes em particular - podiam ajudar a mudar o mundo. Ou pelo menos pôr as pessoas a pensar nas suas próprias ações, principalmente na estrada.

 

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(há carros que, de tantas asneiras cometidas pelo seu condutor, já estariam pejados de papéis caso toda a gente tivesse as mesmas intenções que eu...)

26
Set19

Eu quero viver fora da gaiola dourada

Desde que vi Narcos que gosto muito de ver documentários sobre narcotraficantes, as suas vidas e as inúmeras peripécias que passam (e que fazem os outros passar) para levar o negócio avante. Não faltam filmes e séries sobre o assunto - e como a televisão está quase sempre ligada no National Geographic ou no Odisseia, não é difícil ir deitando o olho em temas como este.

No outro dia estava a ver um documentário sobre o El Chapo e as suas inúmeras fugas. A certa altura mostram a casa segura em que ele vivia - um autêntico cubículo, com pouco mais do que aquilo que é necessário para viver (uma cama, mesa e cadeiras de plástico, uma mini-televisão) - e eu pensei: "para que raio é que um homem se preocupa em fazer milhões, ainda por cima ilicitamente, se depois tem de viver nestas condições?".

Para mim o dinheiro só faz sentido quando é para ser gasto - principalmente em coisas que nos fazem felizes. De que serve uma carteira recheada se estamos presos, se não somos livres dentro da nossa própria vida?

Poucos dias depois de ver o documentário, cruzei-me com um jogador do Porto num restaurante - a comer sozinho, com os auriculares nos ouvidos enquanto ouvia o resumo de uma partida qualquer de futebol. Só abriu a boca para fazer os pedidos. Tinha uma aliança no dedo - sinal de uma família dividida, que não vive com ele, e cujo fuso horário não ajuda à convivência. Nem um sorriso durante aquele par de horas. E eu voltei a perguntar-me: "para que servem aqueles milhões que eles ganham, a fama, os nomes nos jornais e as camisolas estampadas nas montras das lojas de desporto se depois vivem assim?". Ricos mas isolados do mundo.

Não é que isto seja uma coisa nova. Penso muitas vezes nesta questão de cada vez que vou a um popular restaurante, sempre a arrebentar pelas costuras, e vejo lá o patrão, a correr de um lado para o outro. "Isto é uma mina de ouro", comentamos. E deve ser. Mas muitas vezes não nos lembramos que as minas são, precisamente, locais fechados, onde nos encontramos encurralados e sem grande folga para respirar. Aquele homem pode ser alguém com os bolsos cheios, mas que trabalha de manhã à noite, com apenas uma folga semanal e com 15 dias de férias por ano. De que serve tanto dinheiro se não se pode ir jantar fora com a família - ou, tão simplesmente, jantar em casa com eles, sem o stress do trabalho? Se não se pode ir de férias a não ser na época mais popular do ano? Se nas datas especiais também tiveres de trabalhar? Para mim, serve de pouco.

O meu pai sempre me disse que, no que diz respeito ao trabalho (e mais propriamente aos negócios), o mais difícil é encontrar um equilíbrio. A gestão entre aquilo que ganhamos e a forma como usufruímos é muito, muito complicada. A quantidade de dinheiro que obtemos é normalmente proporcional ao trabalho que temos (e às responsabilidades que somos obrigados a acatar); chega uma altura em que o dinheiro é muito - até porque o tempo é tão pouco que as notas se vão acumulando, por falta de oportunidade para as gastar. Mas e usufruir? Qual é a razão principal para a qual trabalhamos? 

Costumo dizer que este tipo de vidas estão enjauladas numa gaiola dourada. É tudo muito bonito, tudo pintado a ouro: mas as pessoas não deixam de estar por detrás das grades, presas dentro das suas próprias vidas, trabalhos e decisões. E se há coisa que eu sei é que não quero isso para mim.

Quero muito o sucesso da minha empresa. Aliás, luto e anseio pelo meu próprio sucesso - e, admito-o sem problemas, gosto muito de ter dinheiro na carteira e de não ter preocupações de maior. Mas espero perceber quando (e se), um dia, passar por esta ténue linha. Entender que já não estou a lutar para uma melhor qualidade de vida mas, pelo contrário, a pôr um pé na minha própria prisão. Porque nem tudo o que é pintado a ouro é bom. E porque uma vida livre e desafogada pode valer mais do que muitos milhões juntos.

25
Ago19

Pensamentos de uma lista-holic

A linha que separa uma pessoa organizada de um comportamento obsessivo-compulsivo

Mais um ano, mais um campismo de família. Desta vez foi por um triz que se realizou – confesso que a vontade era pouca, muito provocada pela fraca adesão da família durante este ano. Mas cá estamos, desta vez em Vila Praia de Âncora.

O campismo é muito divertido mas implica uma logística um tanto ao quanto complicada. Há uma grande desvantagem neste tipo de férias: independentemente do número de pessoas que venham, a mala do carro vem sempre cheia. É tenda, mesa, cadeiras, colchões, sacos-cama, lancheira, camping-gas, coisas para lavar a loiça... tanta coisa que o risco de nos esquecermos de algo é muito elevado.

Cresci com um pai extremamente organizado, que antes de qualquer viagem me aparecia no quarto com uma lista, dentro de uma pequena mica, que passava a ditar em voz alta: “cuecas, meias, cartão de cidadão, dinheiro, máquina fotográfica, pasta dos dentes (...)”. Eu ia anuindo com a cabeça ou, pelo contrário, apontando o que faltava.

Passaram alguns anos e o bicho da organização passou a morar em mim. E, como diz o ditado, a necessidade aguça o engenho: a verdade é que a lista do meu pai, apesar de muito completa, é dirigida a homens (tinha falta de coisas tipicamente femininas, como artigos de higiene ou roupas que só mulheres usam) e só contemplava objetos para viagens normais. O campismo exige todo um outro nível de planeamento. Por isso fiz-me ao piso e desenvolvi a minha própria lista – uma folha A4, dividida por categorias (objetos de campismo, roupas, comidas, higiene, eletrónicos e outros), para que nada faltasse. Sinto-me, honestamente, muito orgulhosa do meu feito!

Por isso, por achar que as listas têm uma beleza própria e por achar piada ao meu próprio sentido de organização, partilhei há dias uma imagem da minha lista no instagram. Recebi várias mensagens com emojis a chorar a rir e outras tantas, mais direta ou indiretamente, a dizer que eu era maluca. E eu fiquei a pensar naquilo.

O que distingue uma pessoa organizada de outra com um transtorno obsessivo compulsivo? Sim, eu sou organizada; sim, dá-me prazer ver tudo organizado por categorias, enfiado em compartimentos próprios. Gosto que as coisas tenham sítios para estar, adoro saber onde posso encontrar tudo. Não gosto de caos. Não gosto que faltem coisas que sinto que vou precisar – daí a necessidade de uma lista vasta neste tipo de férias.

A questão é que não me dá um chilique ou calores quando as coisas estão fora do sítio. Não fico stressada se vir que me faltou alguma coisa. Sei lidar tranquilamente com isso. E penso que é essa a linha que separa uma coisa da outra: não só a forma como fazemos as coisas, mas acima de tudo como reagimos às contrariedades, ao oposto daquilo que gostamos e desejamos.

Sou uma orgulhosa lista-holic, gabo-me da minha organização. Para os que acham o contrário, também dou bem por maluca. Uma maluca organizada, se faz favor.

 

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