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Entre Parêntesis

Tudo o que não digo em voz alta e mais umas tantas coisas.

19
Fev25

O adeus a Pinto da Costa: uma figura cheia de contraditórios

Este blog anda assim, anacrónico. Está longe do que foi em tempos, sempre em cima do assunto, com textos escritos nos minutos seguintes aos acontecimentos; mas a verdade é que a minha vida está muito longe daquilo que eu alguma vez imaginei. É aceitar e continuar. Por isso, ainda que em contrapasso, venho aqui deixar umas palavras sobre Pinto da Costa.

Há pouco mais de um ano eu estava furiosa: as eleições para a presidência do Porto tinham sido marcadas num dos únicos fins de semana do ano que não passei em Portugal. Eu, que tinha as quotas em atraso e não planeava regulá-las tão cedo, paguei tudo o que tinha a pagar só para ir votar no Villas-Boas - e, quando lançam a data do sufrágio, já eu tinha a viagem para a Islândia marcada.

Lembro-me bem de estar em Vík quando saíram os resultados. A ver a RTP no telemóvel, festejei como se tivesse sido o meu partido a ganhar, porque queria muito que o FCPorto mudasse de rumo. Fiquei mesmo muito feliz. Sou portista desde que me conheço e embora esteja longe da minha fase mais "aguda", continuo a ser sócia e muito simpatizante do símbolo. Daqui a quatro anos recebo a minha roseta de prata, que muito me orgulhará.

Dito isto, é importante frisar que o facto de almejar um rumo novo para o meu clube não quer dizer que despreze tudo aquilo que foi feito no passado. E o passado do Porto - o recente, o médio e longo prazo - tem um nome: Jorge Nuno Pinto da Costa. E a sua presidência foi incrível e gloriosa, mas teria sempre de ter um fim. Há uns dias, a propósito do óbito do nosso eterno presidente, Rui Moreira dizia uma coisa tão verdadeira como interessante; não conseguindo parafrasear, foi algo como: "felizmente para mim [a propósito da presidência da Câmara do Porto], tenho um número limitado de anos em que posso estar no meu cargo, o que não acontece no caso do FCPorto". Continuou explicando que a permanência no cargo tira vida à instituição, assim como a capacidade de atrair novas ideias e pontos de vista, promovendo também coisas menos boas, que todos sabemos que existem em todos os cargos de poder.  

Nunca poderei agradecer ao Pinto da Costa as alegrias que me proporcionou enquanto vencedora da Liga dos Campeões e de duas Taças Uefa, para além de campeonatos nacionais. O futebol tem esta coisa maravilhosa de nos dar alegrias só por uma bola entrar numa baliza. Mas a verdade é que o coração acelera e a dopamina se espalha pelo corpo de forma mágica... e isso é algo que só quem gosta é que sabe explicar. E tal não seria possível sem alguém com visão e ambição no poder e à frente do Porto.

Aquilo que eu gostava que se percebesse é que o facto de se votar pela mudança não é a negação da prestação incrível que Pinto da Costa teve enquanto presidente. Não são duas premissas que se neguem uma à outra - conseguem perfeitamente coabitar. Isto só não acontece em mentes quadradas e que não vêem o FCP como uma empresa, que precisa de ser gerida como tal, e não como uma associação de amigos em que os lucros são distribuídos e não declarados. Para além disso, o Porto também não é uma associação de geriatria: embora perceba que a perda do cargo possa ter impactado negativamente a saúde de Pinto da Costa, também sei que nunca seria benéfico para o clube ter alguém em fim de vida nos seus comandos. Porque a questão é: nós somos portistas ou Pintistas? Qual é o nosso objetivo máximo? 

A falha capital do Pinto da Costa foi a sua saída. O verdadeiro capitão de um barco escolhe o todo em vez de si próprio; olha para as necessidades da organização em vez de observar as suas próprias vontades. E o Porto, que estava em risco de tanta, tanta coisa (financeira, de valores, de podridão interna) precisava de sangue novo - e que pena o Pinto da Costa ter posto o amor pelo seu lugar já tão desgastado acima do amor pelo clube! A ovação que recebeu deitado no caixão, em pleno Estádio do Dragão, poderia ter recebido em vida, enquanto um estádio inteiro lhe agradecia todos os feitos por ele conquistados. Pinto da Costa amava o FCPorto, mas também amava o seu lugar de poder, a sua influência e os seus "amigos" - e o tempo fez com que esta balança fosse ficando progressivamente desequilibrada. Por isto, creio que terá morrido um homem amargurado - algo que teria sido evitado se tivesse sido conduzido da forma correta a uma saída que teria sido colossal e merecida.

Quando recebi a notícia da sua morte fiquei triste - na verdade, até emocionada, com todas as homenagens prestadas. Porque estas discrepâncias são possíveis e existem, pois somos humanos e sentimos muitas coisas, às vezes até contraditórias. Pinto da Costa era um homem com uma eloquência e dom da palavra que eu admirava - mas usava-as muitas vezes no sentido e propósito errados. Pinto da Costa foi um presidente ótimo e histórico, mas precisava de sair ainda antes de ter saído. Pinto da Costa foi, de certeza, corrupto - mas deu mais ao clube do que alguém possa imaginar. Pinto da Costa é uma figura incontornável do futebol e até da sociedade, propulsor do FCPorto mas também do norte do país, pela capacidade que teve de levar o nome do Porto aos quatro cantos do mundo - mas também fez com que os portistas fossem conotados com uma série de adjetivos e ideias menos felizes e, quiçá, injustas para quem do FCP é adepto.

Eu teria votado no Villas-Boas (e todo este processo só fez ver que foi de facto a escolha certa para o clube), mas nunca desprezei o Pinto da Costa e todos os seus anos no meu clube do coração. Que, com a sua morte, se pare finalmente com uma cisão que ele infelizmente ajudou a criar e que não tem razão de ser: porque apoiar um candidato não é negar a grandiosidade de outro. Para um homem tão inteligente, falhou as aulas de lógica mais básicas de filosofia.

Pinto da Costa: a sua ausência será sentida mas o seu legado sempre lembrado. Mas o FCPorto continua - e esse, sim, tem de avançar. Siga!

 

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Foto daqui

08
Dez24

Chávena de Letras: "O Homem que Passeava Livros"

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Este não foi um livro pela qual me conseguisse apaixonar. Desde o início que se denotava uma nota triste, sempre com a velhice e a degradação que ela provoca por detrás de todos os capítulos; o contraste com a vivacidade de Schascha só vem acentuar ainda mais as dificuldades de Carl.

É gira a relação que existe com os livros - em particular com a distinção de algumas personagens icónicas - mas não o suficiente para me ter conquistado. Lê-se bem, apesar dos capítulos relativamente longos para este tipo de obra, mas o gosto com que se fica na boca, em particular no final, não é muito bom - ainda que não seja um final infeliz (o que é curioso).

Lê-se, mas não acrescenta - principalmente se tivermos com a alma mais triste à partida.

20
Nov24

Chávena de Letras: "When In Rome"

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Este livro de Sarah Adams é um rebuçadinho - pequeno, docinho e leve, como se querem estas coisas.

Li-o sem qualquer referência - estava no Kobo a 0.99€ e vi que a classificação aqui no Goodreads era boa e, como tal, fui de cabeça. Estava a precisar de algo fresco e light, depois de alguns livros que me tinham deixado com a alma mais pesada, e este foi mesmo o remédio ideal. Se é a fórmula do costume? É. Se é aquela que resulta? Também.

Uma estrela da música conhece, por vias travessas, um homem "normal" - e adivinhe-se lá como é que isto vai acabar? Não é um livro lento, mas a relação das duas personagens principais é uma espécie de slow burn - e, confesso, às vezes apeteceu-me gritar-lhes para acabarem com o seu sofrimento (e o nosso) e se simplesmente atirarem à espinha um do outro. E é aqui que o livro, para mim, falha um bocadinho - mas são gostos.

A Carolina de 16 anos teria ficado deliciada com este livro; a Carolina de 28 gostou muito e dir-lhes-ia simplesmente para terem falado mais cedo e usufruído mais. Ainda assim, será sempre um estilo que me aquece o coração e ao qual voltarei sempre que precisar de impulsionar a leitura ou de desenjoar depois de algo mais pesado. Aos fãs deste género - meio young adult, meio romance de cordel - aconselho.

15
Nov24

Nobody Wants This é tudo aquilo que eu precisava e não sabia

Não vale a pena escrever muito mais sobre a dureza do processo pelo qual a minha irmã passou - e nós, inerentemente, com ela. Se as coisas eram levadas com leviandade no início, no fim já eram muitas vezes penosas e pesadas e os dias não acabavam. Uma das coisas mais desestruturares para mim durante todo este processo foi a perda das minhas rotinas, que sempre prezei e que no geral me davam paz e até algum prazer. Gerir a nossa vida em prole de alguém muito doente - e, no meu caso, em estado terminal - é estar sempre alerta. Eu nunca estava verdadeiramente descansada ou relaxada; nunca tinha horários definidos e nunca me comprometia a 100% com nada, porque sabia que havia sempre alguma hipótese de não conseguir corresponder, pois a minha prioridade era ela - a qualquer hora e em qualquer lugar.

Deixei de fazer bicicleta de manhã, deixei de cozinhar ao jantar pratos que exigissem mais tempo (nunca comi tantas vezes fora nem tanto fast food como neste período), deixei de ir à fábrica durante muitos dias para poder estar com ela - e agradeço muito, internamente, esta minha escolha de vida por me ter permitido gozar da flexibilidade de estar com alguém que precisava de mim, mais do que qualquer trabalho. Nunca sabia a que horas saía de casa nem quando voltava - e por isso os dias em que chegava cedo, às horas "normais", eram alturas que já saboreava de maneira especial. Ter tempo para jantar à mesa e enroscar-me no sofá durante um bocadinho foi um luxo nestes dez meses - e talvez por isso também ter encontrado uma série boa, leve e com episódios curtos (este pormenor é importante, pois não aguento mais de meia hora no sofá sem fechar os olhos) foi um bálsamo para a minha alma.

Durante vários dias foram-me aparecendo nas redes sociais referências ao "Nobody Wants This", da Kristen Bell e, num dia mais calmo, decidimos experimentar para tentar aliviar a cabeça dos nossos problemas. E não é que foi a solução perfeita? É uma série ligeira, divertida e muito fofinha, com personagens com quem nos relacionamos e com uma história que até podia ser verdade. Se a religião une muitos... separa outros tantos. Será que é fácil uma relação sobreviver a este gap espiritual? É a resposta que fica respondida nesta série que vai ser, facilmente, a minha preferida deste ano (até porque não vi muitas mais).

É claro que fiquei com o coração despedaçado quando acabou. Aqueles dias no sofá foram a terapia perfeita para me desligar dos dias pesados e eu queria mais - queria rir-me de forma sentida, queria ligar-me a algo mais do que ao sofrimento que via diariamente à minha volta. Mas tudo o que é bom acaba depressa e "Nobody Wants This" é o exemplo perfeito disso. Vai ter uma nova temporada... o que, por um lado, é bom... mas por outro arriscam-se, como é costume, a estragar algo de muito bom. Mas mentiria se não dissesse que não estou ansiosa - até porque não é todos os dias que arranjamos boas desculpas para aprender mais sobre o judaísmo, os rabinos e... pronto, sobre o Adam Brody. Aguardemos, irmãos.

 

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06
Nov24

O futebol português tem muito para aprender

Sou sócia do FCPorto há 20 anos. A minha avó, vendo-me a crescer portista ferrenha, decidiu inscrever-me junto do senhor que passava à porta de casa dela a recolher as quotas do meu avô. Foi uma prenda muito feliz. Porque eu era, de facto, adepta fervorosa do Porto e guardo memórias incríveis dos meus tempos de miúda e adolescente, enquanto tentava a todo o custo arrastar alguém comigo para o estádio (e consegui - foi com a minha irmã e o seu namorado que fui ao Dragão pela primeira vez, e ao longo dos anos consegui convencer o meu pai a acompanhar-me umas quantas vezes - ainda que contra a sua vontade - o meu irmão mais velho e até amigos). Mas desde há uns anos que a minha paixão esmoreceu - a podridão do futebol começava a ser cada vez mais evidente aos olhos que já não era da miúda meramente portista mas sim de uma adulta com valores e moral que não concordava com aquilo que via. Nem o Miguel, tripeiro ferrenho e detentor de lugar anual, me demoveu deste desamor - pelo contrário, muitas foram as vezes que fiquei chateada com o clube por me roubar o marido de umas noitadas no quentinho do sofá.

Por isso fez-me sentido deixar de pagar as quotas durante uns largos meses: não me apetecia alimentar aquele negócio de mafiosos. Mas, no início deste ano, o Villas-Boas candidata-se oficialmente e eu decidi voltar, num gesto de cidadania e sentido de dever para com o meu clube. Confesso, até, que fiz também por uma questão de continuidade: primeiro porque me custa prescindir de uma das prendas que me deixou mais feliz e que me foi dada pela minha querida avó, e segundo porque estou a cinco anos de receber a roseta de prata e não queria agora morrer na praia. Regularizei a minha conta corrente, esperei pelas eleições e pumba: foram marcadas na única semana do ano em que estive fora do país! A única!!! Mas os meus concidadãos-portistas souberam o que fazer e elegeram a pessoa certa para um cargo que estava a apodrecer. Devemos muito ao Pinto da Costa enquanto clube, mas é preciso saber parar - e ele não só não soube como saiu mal, o que foi uma pena.

A questão é que o Pinto da Costa não era o único problema - ele não era a única fruta podre na fruteira que é o FCPorto. E não é por se tirar a peça maior que tudo vai mudar - é preciso uma mudança longa e algo penosa para se alterar a cultura de um clube (ou de uma empresa ou de qualquer organização que tenha pessoas), que envolve a saída de muita gente mas também alterações de base que são normalmente muito difíceis de instituir. 

A ideia de que os portistas são arruaceiros, mal-educados e "broeiros" não vem de razões alheias. São preconceitos generalizados que nascem de um fundo de verdade qualquer... ainda que não se aplique necessariamente para o todo e que sejam injustos a maior parte das vezes. Sinto que o Pinto da Costa e sua prole tiveram uma quota parte muito grande de culpa sobre a imagem que se passa sobre os portistas e, de uma forma geral, do pessoal do Norte - e acho que, indo devagarinho na direção contrária, o Villas-Boas está a levar o clube num bom caminho. O gesto do Pêpe é um bom exemplo disso. (Em confronto, podemos lembrar-nos de todas as vezes que o Sérgio Conceição foi mal educado com os árbitros, que faltou a conferências de imprensa e outras coisas que tais - e tantos outros exemplos feios que há no futebol, a começar pelo anti-jogo que praticam e os nomes que se chamam uns aos outros).

Mas aquilo que eu almejo mesmo para o meu Porto é que consiga dar uma volta de 180º como deu o Sporting. E esta é a razão deste meu post, que surge numa altura completamente aleatória e um pouco descontextualizada, mas que tinha de ser escrito hoje depois do que se passou ontem no jogo contra o Manchester City. O Sporting passou de ter como presidente uma figura anedótica (não sei quanto a vós, mas eu divertia-me imenso com o Bruno de Carvalho - as conferências de imprensa eram dos momentos mais divertidos do meu dia) para ser um clube com uma gestão cautelosa e amistosa, sem levantar ondas de maior. Não sou fã do Varandas, mas acho inquestionável o rumo para onde leva o clube verde e branco - e isso provou-se ontem, no último jogo do Amorim em Alvalade.

As saídas a mal de inúmeros treinadores do Porto (incluindo o Villas-Boas, depois de se ter pronunciado sobre a sua "cadeira de sonho", do Mourinho que mal festejou depois de ganhar a Champions, ou mesmo do Conceição, cujos relatos da reunião com o novo presidente são dignos de curta-metragem) é algo que me deixou desgostosa e calejada - de tal forma que eu nem sabia que havia forma de fazer as coisas de modo diferente! Aquilo a que tanto o Amorim, como o Sporting, o Varandas e o Manchester United se predispuseram a fazer foi das saídas mais limpas que vi no futebol moderno em Portugal: sem zangas, sem portas a bater e sem lavagem de roupa suja nos meios de comunicação social. É só um homem que quer um futuro num clube maior e que tem o direito de ir atrás do seu sonho; é só um clube que o respeita. É só um treinador que, no momento que achou correto, foi claro como a água com a imprensa e explicou a situação que lhe foi apresentada e a sua visão - sem ironias, sarcasmos ou figuras de estilo que destorçam as suas palavras. É só um clube que aceita, que prepara uma saída em grande para uma pessoa que foi essencial na mudança e um momento em que todos saem a ganhar (ainda que sabendo que a perda é muito grande) e para mais tarde recordar. 

Que sirva de lição. Esta era a imagem que eu gostava de ter do Porto daqui a uns anos.

 

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(foto daqui)

12
Abr24

Chávena de Letras: "A Gorda"

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Decidi ler este livro depois de ter ouvido Isabela Figueiredo no podcast da Mariana Alvim, o "Vale a Pena". Simpatizei com a voz da escritora, gostei da forma como falou; já conhecia o livro, mas tinha medo de ter uma escrita demasiado intrincada. Ouvir aquele episódio foi a força que precisava para me arriscar na aventura de conhecer mais uma autora portuguesa.

Confesso que foi difícil avaliar "A Gorda"; a avaliação que será mais fidedigna são provavelmente umas 3.5 estrelas. Queria ter gostado mais deste livro, mas achei a história algo confusa, com uma narrativa caótica do ponto de vista de organização. Na verdade também não adorei a linguagem em alguns pontos, embora Isabela Figueiredo tenha no geral uma óptima escrita, algo poética até - mas, de vez em quando, dá-lhe umas "facadas" de calão que me apanharam desprevenida e que eu não achei particular graça.

O mote do livro é bom - ser gorda não é só uma questão de balança. Molda a vida, a forma de estar e de ser, muitas vezes de forma profunda; as inseguranças estão profundamente enraizadas, a ideia de não merecer mais. Esse retrato é bem feito pela autora, nomeadamente na relação (para mim, tóxica) que Maria Luísa tem com o seu namorado de longa data (e aparentemente amor para a vida toda) assim como uma dependência algo excessiva dos pais. Isto não é retratado como uma coisa má - fica encarregue ao leitor fazer esta interpretação. E eu vou mais longe: não gostei nada da leviandade com que foi retratada aquilo que para mim é uma violação.

Também não compreendi a divisão dos capítulos nem a relação com as divisões da casa - por mais que me esforce não chego lá.

Há, por isso, demasiadas pontas soltas e muitos detalhes que se tornam "pormaiores" quando vistos num todo. Foi um livro que ficou aquém das minhas expectativas.

06
Fev24

Chávena de Letras: "As Coisas Que Faltam"

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Eu gostava muito de ter gostado mais deste livro - mas não consegui. Queria gostar porque sendo uma autora recente, queria muito apoiar este pontapé de saída; queria porque sinto que "conheço" a Rita dos podcasts e, de certa forma, desenvolvemos uma relação emocional e queremos fechar um círculo perfeito. E continuo a apreciar a força que é preciso ter para se publicar em Portugal e a capacidade que é preciso para se escrever um livro. Acima de tudo, acredito que a prática conduz à perfeição - e que este é um início para algo ainda melhor.

Não que este tenha sido mau, que não foi. Mas, primeiro, talvez este não seja o meu tipo de livro - isto não é um romance, é uma narrativa de personagem (?), uma história centrada na vida da Ana Luís, em que é ela o objeto principal da história; mas, acima de tudo, sinto que não me consegui relacionar com a história nem ambicionar continuar a ler. Não me é fácil encontrar adjetivos que classifiquem a esta personagem principal, mas talvez "desenxabida" sirva o propósito; ou amorfa, talvez. O que não tem nada de mal, mas não é um tipo de pessoa que me puxe - e, talvez por isso, também a obra não me tenha agarrado. Sinto que a vida passava por ela e que, apesar de haver ambição, não havia a iniciativa nem a garra para fazer mudar o rumo da sua própria história.

Percebo o moto da narrativa e, quer seja intencional ou não, acho que o vazio que a personagem principal sente é de facto refletido no livro. Falta algo. Há, de facto, "Coisas que Faltam" neste livro - mas para mim são detalhes importantes, que deixam mais que o dissabor da personagem na boca. Acho que é possível não adorar uma personagem mas gostar do livro - e não foi bem o caso.

A escrita da Rita da Nova é corrida, simples e sem grandes floreados, com alguns detalhes de que gostei e outros que nem tanto; às vezes era corriqueira demais, outras meio poética (exemplo: "Engraçado como o vazio pode ser tão pesado. Achar-se-ia que não, já que o vazio é só ar, e o ar é só nada, e o nada não existe, logo não pesa - mas só quem se habituou a esperar sabe reconhecer essa pressão, que nos impede de respirar como deve ser"). Isto na voz da mesma personagem, que no meio disto tudo era pintalgada por uma voz um pouco infantil, uma mistura que me pareceu mal envolvida e trabalhada (exemplo: "Seria incapaz de imaginar o meu pai com a minha mãe, a ideia deixava-me ligeiramente enojada, como se eles fossem feitos de ingredientes diferentes, daqueles que não se deve misturar porque dão dores de barriga") . A parte final, das cartas, sofre o mesmo problema - aquela linguagem não me pareceu nada "casar" com aquilo que conhecíamos da mãe até então.

 

Destaque muitíssimo positivo para a capa, que está muito bonita e trabalhada até em relevo - mas que, na minha opinião, não casa com o interior.

De qualquer das formas, é uma autora que quero manter debaixo de olho.

29
Jan24

Crónicas do SNS 1#

As coisas que faltam

Assisti sempre de longe aos dramas da saúde pública. Saudável, felizmente, tenho passado pelos pingos da chuva sem ter problemas de maior. Uma dor aqui, um mau estar ali, duas operações pelo meio, mas nada de tão sério que me obrigasse a recorrer aos hospitais de peso do nosso país. Para além disso, tenho a sorte de poucos: de ter acesso ao SNS mas de, até agora, não precisar dele. Desde que me lembro de ser eu que fujo de médicos e hospitais como o diabo foge da cruz, interagindo o mínimo e indispensável com esta classe e com estes lugares, a bem da minha saúde mental. Mentiria se dissesse que esta minha fobia - que em tempos teve direito a muitos ataques de pânico - não tem vindo a suavizar com o tempo. Hoje escrevo na sala de espera de um hospital - e ainda que não seja de ânimo de leve que o faço, as mãos não tremem, a garganta não custa a engolir e não tomei nenhum ansiolítico antes de vir. Em parte por não ser eu a visada de tantas vindas ao hospital - mas também porque, se não havia crescido até aqui, agora é hora de crescer.

Sendo novata nos corredores do hospital de São João, faço muitas perguntas, questiono tudo, olho com atenção para os detalhes na esperança de obter respostas, reparo nas pessoas e nos pormenores. E percebo que um hospital não é só um sítio triste por ter pessoas doentes, mas acima de tudo por ter pessoas desamparadas. Sozinhas. Porque se eu tenho algumas questões, elas têm muitas mais: não percebem o sistema de senhas, não sabem para onde ir, têm dificuldade em deslocar-se sozinhas até ao fundo do corredor fazer uma pergunta ao balcão onde, provavelmente, nem sequer terão resposta. A solidão, a velhice e a atrapalhação inerentes à idade misturadas com a tentativa meio frustrada de implementação das novas tecnologias é muito triste de se testemunhar. Faltam respostas - e exaspera-se por quem as dê.

As novas tecnologias vieram agilizar processos: é suposto serem mais fáceis, mais ágeis, mais rápidas. Mas isto parte do pressuposto de que 1) se sabe funcionar com elas e de que 2) elas trabalham convenientemente.

O sistema de admissão é feito, hoje em dia, em máquinas. Das seis que lá estão, julgo que só duas funcionam. Das duas que trabalham, poucos sabem mexer com elas - ou então poucos são aqueles com quem elas gostam de trabalhar. Às oito da manhã, dois voluntários vestem a bata amarela que os caracteriza e tentam ajudar quem chega; escrevi "tentam" pois, apesar da hora madrugadora, já exasperam com a falta de resposta das máquinas, que não permitem os doentes fazerem a admissão, mandando-os para o balcão onde estão zero funcionários e oitenta pessoas para serem atendidas. Quando questionado sobre a hora de abertura do balcão, um funcionário returque: "acho que é às oito, mas vá lá perguntar". Só faltava tirar senha. Seria a número 81, mas sem saber a que horas o balcão iria abrir. 

No ecrã das chamadas às consultas aparece uma mensagem de erro. Em dúvida, quando perguntamos se o ecrã está a atualizar devidamente, dada a mensagem que aparece, dizem-nos que "é assim". Na verdade, o facto de não estar pintado de negro - como tantos outros espalhados por todo o hospital - já é uma sorte.

No meio disto tudo, os pedidos de ajuda são sucessivos. Acredito que ao fim de umas horas de trabalho, de tão repetidas as questões, as respostas já não saiam com um sorriso de bónus. Mas a verdade é que as pessoas com consultas às 17h não têm de ser mais aptas ou informadas para as tecnologias do que aquelas que as têm às 8h da manhã, em que a paciência do pessoal do balcão ainda está renovada após umas horas de sono. O resultado disto são respostas ásperas, rudes, muitas vezes a roçar o mal-educado - e assistir a isso é duro, vendo as pessoas a sair guichê ainda mais trôpegas do que lá chegaram. 

Sinto que falta o básico nos nossos hospitais. É como se tivessemos uma pirâmide em que a base está assente em alicerces de palhota. Não falta eficácia, não falta pessoal qualificado, não faltam máquinas, não falta competência nas pessoas de quem está é realmente necessária: isso, apesar de essencial e eventualmente desfalcado e com muitas falhas, está lá e funciona. Connosco tem funcionado. Mas falta a parte simples: faltam placas informativas atualizadas, faltam cartas que elucidem mais e confundam menos, falta calor nos corredores, falta cimento em alguns tetos, faltam monitores e máquinas funcionais, faltam mapas do hospital, falta... tanta coisa. 

Diria que no SNS falta tudo, menos aquilo que é realmente importante. O que podia ser o suficiente, se o menos importante não fosse aquilo que faz um hospital - e um sistema nacional de saúde - andar para a frente.

21
Jan24

Chávena de Letras: "Ontem à noite no Telegraph Club"

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Este foi um livro em que me custou um bocadinho a entrar - não mergulhei imediatamente na narrativa nem o livro me agarrou de início. Foi pouco a pouco que comecei a perceber a Lilly e onde a obra me levava - e no fim já seguia com a onda, emocionada e a vibrar com a história como se fosse minha.

A meio do livro fui ler sobre a autora, porque pensei: "é impossível que quem tenha escrito isto não tenha estado na pele da personagem principal". Acertei. A dor presente no livro, a incerteza, a confusão, o sentimento de que algo está certo mas que para os outros está errado... É um livro que ensina a ter empatia por todos os que nascem a gostar do sexo "errado"; porque se hoje não é um caminho fácil, antes era um caminho dificílimo, que implicava escolhas terríveis. Neste "Ontem à noite no Telegraph Club", para além da questão da sexualidade, há ainda o factor da raça: Lilly é chinesa e vive numa América dos anos 50, cada vez mais hostil para com os asiáticos, numa época em que a China de transformava numa potência comunista e oposta à visão americana. Juntar "lésbica" ao rol de entraves que um chinês tinha na altura era uma escolha que só os mais arrojados se atreveriam a tentar - mas Lilly era uma "chinesa bem-comportada". Será que as duas coisas são de convivência possível? Será que não é redutor sermos só uma coisa, termos uma faceta?

Sobre a obra: adorei o facto do romance ser linear, não ter triângulos ou outros fatores típicos de entraves neste tipo de narrativas mais jovem. Aqui, o grande obstáculo era o contexto - e esse já é mais do que dissuador para todos os envolvidos - a autora foi inteligente por perceber isso. Não percebi a necessidade de determinados flashbacks da família de Lilly, a não ser a oportunidade de entrarmos num contexto mais completo. E Shirley... É uma red-flag desde o início! Que vontade tinha de a esganar a ela e a Lilly por se deixar levar... Mas enfim, tudo encontra o seu caminho.

Gostei muito. Acima de tudo pela empatia que cria com todas as pessoas que, por gostarem de alguém que não era suposto, têm de sair de um armário cuja porta tem definitivamente muitos espinhos.

14
Nov23

Chávena de Letras: "No Início eram Dez"

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Creio que este foi o segundo livro de li de Agatha Christie - mas o primeiro não me deixou marcas. Este, que não tem nenhuma das suas personagens mais icónicas, talvez deixe - li-o num ápice, como há muito tempo não me lembrava de ler um livro. É viciante, praticamente impossível de o deixar a meio. Óptimo para alguém que esteja a passar por um "reading slump" porque é daquelas obras que nos agarra do início ao fim, com personagens que nos despertam emoções diversas e uma escrita coloquial mas de tão fácil leitura que até parece ser uma coisa fácil de se fazer.

Há, de facto, várias razões para lermos Agatha Christie passado todos estes anos: porque mentes como a dele há muito poucas. É um génio do thriller, ainda que os seus livros consigam não ser pesados nem macabros como os thrillers contemporâneos que agora se vêem nas mostras das livrarias.

Aconselho muito.

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