Um ano da melhor decisão da minha vida
Há um ano tomei uma decisão. Uma das mais importantes da minha vida. Tomei-a com toda a convicção de quem faz algo em que acredita - independentemente do medo de arriscar naquilo que sempre mais a assustou: uma relação amorosa. Dei o passo consciente de tudo aquilo que ia ter de enfrentar, o que fez com o momento que muitos vêem como o mais romântico de uma relação (o início, o primeiro beijo) fosse, para mim, um autêntico salto no escuro. Não sabia para onde ia, mas sabia que queria saltar. Não foi instinto, não foi um golpe de paixão, não foi um impulso. Foi decisão. E, por muito pouco romântico que pareça, ter a certeza de que queremos fazer algo deste género vale muito mais do que um beijo apaixonado, dado de rompante, de quem não vê o dia de amanhã com a pessoa a quem acabou de tocar com os lábios.
Falhei quando achei que estava consciente do que vinha a seguir.
Falhei por achar que era aquela "A" decisão. Foram muitas "AS" decisões que tomei ao longo deste ano - e algumas foram muito, muito difícieis. Descobri que pesar amores, compara-los, dói muito; que relativizar, pensar a longo prazo e tentar imaginar a vida no futuro com a pessoa que amamos tem tanto de maravilhoso como de assustador (por todos os danos colaterais que implica). E soube, pela primeira vez na vida, que cabe muita dor dentro da felicidade.
Falhei por achar que a minha boa capacidade de gerir o tempo iria dar conta do recado e do desafio que tinha pela frente. E passei a saber que há algo muito difícil de fazer numa relação - e que foi, sem dúvida, o maior desafio deste ano: gerir o tempo que temos para nós, com o outro, com a nossa família e com os nossos amigos. Que percentagem dar para cada lado? Com quem ir almoçar no fim-de-semana? Com quem ir passar férias? E, no meio disto tudo, de não nos esquecermos de sermos nós mesmos; de não darmos tudo aos outros e ficarmos sem nada para nós. Durante muitos destes 12 meses o piano, a escrita, a leitura e outras atividades que gosto de fazer foram postas de parte em prol da minha relação e de tudo o que gira à sua volta.
Mas, acima de tudo, falhei redondamente quando achei que isto não era vida para mim. Que, a partir do momento em que o descobri, podia ter a escolha de não o ter como meu. Porque quando a vida nos dá um presente assim, nem sequer temos o direito de o desperdiçar. É como ver que nos saiu o Euromilhões e deitar o boletim fora: mais do que estúpido, seria um desrespeito para com o destino e a sorte que nos calhou na rifa.
Sorte. Digo-o todos os dias. Tenho - e tive - muita sorte. Por ter encontrado alguém que me fez alterar a minha perspectiva de vida, por este ser um homem por quem me apaixono diariamente, que gosta e cuida de mim, com quem consigo falar sobre tudo, que me respeita, ouve e mima - e de ele próprio saber que tudo isto é recíproco. E isto bastaria para haver química, amor e carinho - mas podia não ser o suficiente para vivermos os dois pacíficamente, como se partilhássemos casa há uma vida. Acima de tudo partilhamos valores, princípios e lemas de vida. Acreditamos nas mesmas coisas. Temos, sem querer, a mesma forma de viver.
Há uns dias, depois de pousar o meu livro na mesinha de cabeceira e me preparar para dormir, disse-lhe: "já viste a sorte? Se eu gostasse de fumar um charro sempre que chegasse stressada a casa ou de ir beber uns copos com os amigos à noite... se calhar a nossa relação não era igual". Ele respondeu: "gostava de ti na mesma. Talvez menos um bocadinho". Esse bocadinho pode não ser um pormenor. Lá está: o amor e carinho podiam estar lá, mas a facilidade de convivência podia não ser a mesma que temos hoje. Porque partilhamos pilares que ambos consideramos essenciais.
Acreditando na lei das probabilidades, nunca acharia isto possível. Encontrar alguém de quem eu goste. Encontrar alguém que goste de mim. Que por acaso não bebe álcool. Que por acaso não fuma. Que por acaso vê a família como o diamante mais precioso que há na vida. Que por acaso tem uma casa onde cabemos os dois, em que há espaço para cada um conseguir vestir a melhor versão de si próprio. Que por acaso gosta das minhas comidas. Que por acaso gosta de cães. Que por acaso gosta de miúdos (e roubou o coração aos meus sobrinhos).
Que, por acaso, se sentou ao meu lado numa pós-graduação na faculdade.
Que, por acaso, era a peça que me faltava para ser feliz.
É caso para dizer que há acasos felizes. O dia 7 de Abril de 2019 não foi um deles: foi uma decisão (que implicou muitas e que vale todas elas). Foi a mais acertada que fiz até hoje, aproveitando o melhor acaso da minha vida.