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Entre Parêntesis

Tudo o que não digo em voz alta e mais umas tantas coisas.

21
Mar23

28 anos, quatro músicas e um desejo

(este post era para te saído ontem, dia 20 de Março - vamos fingir que recuamos uns minutinhos no tempo, sim?)

Faço hoje 28 anos e estes marcos dão-me para introspeções - ainda mais que os dias costumeiros. Os últimos anos da minha vida têm sido de aprendizagens profundas, muitas vezes cravadas a fogo num coração que, apesar de bem protegido por uma carapaça forte, não deixa de ser dócil, mole e frágil.

Há um antes e depois de 2018 na minha vida, ano marcado por dois grandes acontecimentos: o do aparecimento do Miguel e o desaparecimento do meu avô, que levou à minha entrada no mundo da indústria. Nesse ano arranjei uma base sólida emocional como nunca antes tinha sentido, mas simultaneamente atirei-me de cabeça pelas águas movediças da indústria, do patronato e da incerteza constante. Na altura ia a meio dos meus 23 anos. As hipóteses de futuro eram quase infinitas: um primeiro amor e uma primeira relação, a par de uma herança em forma de trabalho e de projeto de vida. Tinha muitas ideias, esperança no futuro e na mudança que estava a acontecer. 

Fast forward para hoje: 28 anos, cinco depois do ano de maior mudança. A vida agudizou-se, extremou posições. O lugar seguro continua cá - agora já sem dúvidas e sem medos, que foram substituídos pela maior das certezas de que escolhi a pessoa certa para estar ao meu lado. Mas o pântano também apurou as suas armadilhas, mostrou-me bem que não estou num navio de cruzeiro, mas num barco a remos onde tenho de puxar pelo cabedal para o fazer andar em frente. Estou sempre à espera de dias melhores, de sossego, mas não sei até que ponto sonho com uma situação idílica; olho para trás e vejo que não tive muita sorte - pandemia, guerra, crise inflacionária - mas será que alguém teve? Será que há de facto períodos em que o coração não mora constantemente nas nossas mãos, em que são mais as noites que dormimos do que temos de insónias? Ou será que foi esta a vida que escolhi sem saber ao certo ao que vinha?

Qualquer que seja a resposta, uma coisa é certa: os últimos meses não foram fáceis. Os últimos anos, por razões várias, também não - a base está lá (estamos todos vivos, temos todos trabalho) mas o desgaste foi maior do que previsto. Faço hoje 28 anos, mas creio que podia estar a fazer 48 e a sentir-me de igual forma: cansada, desgastada, triste e com pouco alento.

Eu não sei se acredito no destino e em todas essas coisas meio-místicas, mas a sensação que tenho é de que algumas coisas veem ter connosco nos momentos em que precisamos. Pode parecer parvo, mas a verdade é uma: nas alturas em que estou mais triste e me deito no sofá a recuperar forças, a probabilidade de estar a passar algum dos filmes do Twilight é grande - não interessa se é no AXN, na Fox Life, no NOS Studios ou no TVCine, mas normalmente estão lá . Não são grandes filmes, mas tenho com eles uma relação emocional tão forte que me aquecem sempre o coração. 

Ultimamente os dias maus têm sido mais que os dias bons. Não costumo ligar a TV na maior parte dos dias (por isso não dou sequer hipótese do Robert Pattinson me entrar pelo ecrã adentro), mas música oiço sempre - quer seja na rádio ou no computador, enquanto trabalho. O Miguel diz, com razão, que a música tem uma capacidade transformadora e empoderadora - quer seja pela vibe que nos transmite ou pela mensagem que tem. Há uma troca de frases muito engraçada em Castle - uma das minhas séries preferidas de sempre - que nunca mais me esqueci: a Beckett pergunta ao Castle "- How do you know you're in love?", ao que ele responde "All the songs make sense". E não é que é verdade? É um bom teste para sabermos como estamos ao nível do coração - mas vai para além disso, pois quando aguçamos o ouvido há muitas canções que passam a fazer muito sentido. E, nos últimos tempos, eu tenho estado atenta ao que ouço.

Janeiro ficou marcado pela "It Ain't Over 'Til It's Over". É uma música da minha infância - a minha memória leva-me logo para dentro do Volvo branco da minha irmã, enquanto andava com ela por aí, provavelmente com a minha cadela Isis a acompanhar-me no banco de trás. A música não passou uma, mas duas vezes seguidas na rádio, tal foi o impacto nos ouvintes, que mandaram mensagens a pedir para repetir a malha. E eu, deliciada, até parei o carro ao sol, para a absorver.

So many tears I've criedSo much pain insideBut baby, it ain't over 'til it's over

It Ain't Over 'Til It's Over, Lenny Kravitz

 

A vida continuou - e em Fevereiro entortou mais um bocadinho. E, na Rádio Comercial, numa daquelas manhãs difíceis, passava a homenagem que fizeram a Jorge Palma, com vários artistas a cantar a sua "A Gente Vai Continuar".

Enquanto houver estrada pra andarA gente vai continuarEnquanto houver estrada pra andarEnquanto houver ventos e marA gente não vai pararEnquanto houver ventos e mar

A Gente Vai Continuar, Jorge Palma

 

A verdade é que as manhãs são as mais difíceis. Dou muitas vezes por mim meio letárgica, aprisionada no meu escritório, sem saber o que fazer e como sair de situações que muitas vezes me ultrapassam. O comboio continua a andar, mas às vezes faltam as perspetivas claras de futuro. No limite, até a esperança. Mas a verdade é que eu entrei num comboio em movimento, que ainda tem combustível no tanque, e enquanto houver estrada para a andar... a gente vai continuar. A lutar. A procurar um propósito. À procura de um constante refill nesta energia que nos faz andar.

Quando vim para a fábrica sabia que tinha muitos desafios pela frente - o facto de ser mulher, de ser nova, de ser neta e filha do patrão, de ter de provar que o meu valor e a minha vontade de superação são muito maiores que um simples fator hereditário. Nunca é isso que me deita abaixo - mas fazem parte de um conjunto de pequeninas pedras que, num todo, muitas vezes atrasam o percurso. E, há dias, estranhei a nova música da Carolina Deslandes que passava na rádio; fiz cara feia, como quando experimentamos uma comida nova, que à partida não nos agrada muito, mas depois dispus-me a ouvir. E ela cantou:

Cuidado com a Carolina
Que vem de punho cerrado
A saia da Carolina ardeu no meio do mato
A história da Carolina é que ela agora veste fato

A Saia da Carolina, Carolina Deslandes

 

Caraças, não foi isto escrito para mim? Não sou eu que visto fatos para ir para feiras e reuniões importantes? Não sou eu que estou tipicamente num cargo de homens, tentando quebrar estereótipos, vícios e hábitos enraizados há sessenta anos? Sou, pois. 

Entretanto, também há um par de dias, passa na rádio uma música que o ano passado me aqueceu muito a alma e o coração, que diz assim:

Vou viverAté quando eu não seiQue me importa o que serei?Quero é viver

Quero É Viver, Sara Correia

 

Porque, de facto, é o que eu quero. Quero usufruir da companhia do Miguel, do ombro dele no sofá; do ritual de fazer a sopa, de fazer comida que ambos gostamos e de ver wrestling à terça feira à noite e ao sábado de manhã, enquanto comemos a nossa regueifa. Quero estar com os meus pais e com os meus irmãos em momentos de partilha. Quero conhecer o mundo. Quero estar com os meus cães, deixar que me sujem as calças e dar-lhes mimo até que se fartem de mim. Quero continuar rituais felizes: quero ir lanchar um cachorrinho ao Gazela, seguido de uma natinha quentinha em Santa Catarina; quero ir às 11h da manhã ao Natário, em Viana, devorar uma bolinha de berlim acabada de sair do forno; quero  comer a minha rufadinha à sexta-feira de manhã. 

Gostava de continuar o projeto que me deixaram nas mãos, gostava de sentir que continuo a fazer um bom trabalho para a sociedade enquanto alguém que emprega e que se esforça por agradar, gostava de me sentir mais útil e capaz em muitos momentos. Mas o que eu quero mesmo é viver para além de todos os problemas - algo que não tenho consigo fazer. Quero usufruir do caminho, e não continuar a andar na estrada só por andar. Quero usar saia quando quero e o fato quando assim o desejo.

Hoje faço 28 anos e o que eu quero mesmo... é viver. E aprender a saborear a vida, mesmo tendo (quase) permanentemente um sabor amargo na boca.

Que venha finalmente a Primavera.

 

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19
Nov18

Salvador Sobral: o coração mudou mas a alma continua a mesma

Foi quase uma histeria quando vi "Matosinhos" na listagem dos próximos concertos do Salvador Sobral. "Liga, marca, anda lá!", dizia-me a amiga que acabava de me mandar a publicação, quase tão ansiosa como eu. E eu liguei para o teatro - uma autêntica prova de amor, porque fazer chamadas para pessoas que não conheço está no meu top de coisas que menos gosto de fazer nesta vida.

"Já está esgotado, menina", disseram-me do outro lado da linha. "Mas como assim, ele anunciou há minutos no facebook!", respondi atónita. Pelos vistos as pessoas foram passando e comprando bilhetes, quando viam a cara dele a passar nos ecrãs do teatro. "Estou aqui a ver e só resta um lugar, mas como queria dois só a posso pôr em fila de espera", contou-me depois de todas as explicações. É o lugar solitário, vítima de todas as pessoas que compram lugares em número ímpar e das outras que se recusam a ir sozinhas a espetáculos. "Reserve-mo!", disse logo. "Mas não eram dois?", respondeu a senhora um bocadinho confusa. "Passa a ser um".

E assim fui sozinha ao concerto do Sobral, com o último bilhete disponível de toda a plateia - mal sabendo que no dia anterior haviam de marcar outra data extra, mas sempre com o orgulho de ter comprado para o primeiro espetáculo. Aliás, esta foi uma das coisas que ele frisou: é parvo marcarem datas extra para os dias anteriores à data original, pois quem fica a perder são os "fãs a sério", que correram a comprar bilhetes para o primeiro espetáculo. "Já vim cá ontem, estou cansado, e este espetáculo vai ser uma porcaria - o que é injusto para vocês, que foram os primeiros a comprar", dizia ele em tom de brincadeira.

Mas a verdade é que o "novo" Salvador, mesmo cansado, tem muito mais energia que o antigo - e é incrível ver essa evolução, ver o quanto estava guardado por detrás daquela doença. Se achavam que ele era estranho antigamente, com todos aqueles gestos de mãos e formas de cantar, nem se aproximem de um concerto dele neste momento - em que ele salta, grita e faz trinta por uma linha para expressar aquilo que quer. A música não lhe sai só pela voz - sai-lhe pelos poros, nos movimentos, nos olhos, na expressão. Acho que é o músico que conheço que mais transparece aquilo que canta. Sente. E isso, embora seja estranho (infelizmente), é incrível. Se há coisa que detesto nas grandes bandas é tocarem só por tocar - já não se sente a alma, nem neles nem nas músicas que tocam. Parece que só ouvem o dinheiro a cair nas contas bancárias de cada vez que enchem um estádio, sem sequer saberem em que cidade estão, e prontos para passar para outra.

Não sei se o Salvador adora os fãs - ainda se nota alguma "amargura" por tudo o que aconteceu na Eurovisão e eu sinto, pelo que vi pela plateia, que a "seleção natural" ainda não está totalmente feita e há muita gente que ainda só vai mesmo ouvir a "Amar Pelos Dois". A ascensão mediática não lhe foi fácil, ainda para mais com algumas das coisas que ele foi dizendo e toda a situação de saúde pela qual passou. Mas uma coisa é certa: ele adora cantar e isso sente-se a léguas. E é ótimo que ele ainda continue a dar espetáculos pequenos e mais intimistas, como fazia na época pré-festival - pela proximidade com as pessoas e pela acessibilidade financeira que este tipo de espaços proporcionam. Mesmo eu tendo ficado na última fila do teatro, senti-o bem pertinho, e isso - para quem gosta mesmo - não tem preço.

Este concerto foi o abrir de portas do novo álbum - ele cantou várias músicas novas, entre portuguesas, castelhanas, inglesas e até francesas - e acho que só podemos esperar coisas maravilhosas. Desde letras e melodias bonitas, a uns ritmos um bocadinho diferentes (lembrou-me o Jamie Cullum a fazer rap e percussão no piano), até ao espaço já conhecido que ele dá aos seus músicos para darem asas à sua arte e terem um pouco o foco centrado neles. Por saber que será um concerto bem diferente, mas por não o querer perder por nada deste mundo, já tenho o meu bilhete para o Coliseu do Porto, onde ouvirei o álbum inteiro e já com as músicas no ouvido.

Isto porque eu não sou não sou dada a paixões - as cenas espontâneas, efémeras e super intensas não são muito a minha praia. Eu quando gosto, gosto a sério - algo para valer, de forma racional e duradoura. Sempre disse que Portugal tinha ganho a Eurovisão... mas eu ganhei o Salvador e não o vou largar tão cedo.

 

Por falar em Salvador, já ouviram a maravilhosa canção  que ele e a Luísa Sobral têm no novo álbum dela? Oiçam, por favor!!, a Só Um Beijo no Spotify. Vai ser só a melhor coisa da vossa segunda-feira.

19
Abr18

Desconcerto... desconcertante

Na terça-feira fui ver o Desconcerto, com a Luísa Sobral, o Miguel Araújo, o António Zambujo e o César Mourão. Não sabia ao que ia - acho que ninguém sabia. Na verdade, com estes quatros nomes em palco, uma pessoa nem precisa de saber para o que vai - sabe simplesmente que vai ser bom. E foi.

O espetáculo consistia num conjunto de momentos, pré-pensados, que davam origem a músicas, compostas e feitas completamente de improviso (ou com apenas pouquíssimos minutos para pensar no assunto). O primeiro "número" consistiu, por exemplo, em fazer uma canção sobre a mala de uma das senhoras da plateia - o César Mourão (que era, no fundo, o cicerone de todo o espetáculo) vasculhou a mala em causa e foi sacando algumas informações acerca da vida pessoa, enquanto a Luísa e o Miguel iam compondo uma música com aquilo que iam ouvindo e o Zambujo pensava na melodia. 

Esta ideia é espetacular se não houver erros de casting na escolha das pessoas da plateia; o espetáculo passa a viver muito daquilo que elas dizem, do à vontade que têm, do seu sentido de humor e disponibilidade. E, infelizmente, houve alguns... chegou a apetecer-me gritar coisas como “inventa qualquer coisa, mulher” ou “sorri, estás no palco com a nata da música portuguesa neste preciso momento!”. Mas contive-me (com esforço...).

Acima de tudo, aquilo que senti - e que me fez adorar aquelas duas horinhas - foi que a grande diferença deste para um concerto normal era a proximidade artista-publico. Nós estávamos lá dentro, era como se fôssemos da família. Já tinha ido a espetáculos de todos eles (exceto do Mourão, porque comédia não é propriamente a minha praia, embora lhe ache graça) e sempre senti a inevitável distância do artista para com a sua plateia, ainda que que eles sejam calorosos, queridos e interativos com quem está à frente deles. Mas aqui era diferente - também pode ter ajudado o facto de eu estar na primeira fila e sentir tudo ali a acontecer - porque eles agiam de uma forma natural e pouco programada... levantavam-se para ir ao computador escrever a letra, iam buscar a folha à impressora enquanto os outros tocavam, paravam as musicas para rir um bocadinho e trocar uma piada e acho que o Zambujo até foi à casa de banho enquanto se esperava por uma letra. Pareciam mesmo simples pessoas, sabem? Nós tendemos a esquecermo-nos disto quando os artistas estão em palco.

Mas depois percebemos que eles não são simples pessoas (e refiro-me maioritariamente à Luísa e ao Miguel). Podem ser pessoas como nós (que o são, obviamente, mas percebem a ideia) mas têm um dom que as pessoas simples não têm. Improvisar musicas e letras é uma coisa - o Mourão é mestre nisso, como todos sabem. Mas compor coisas incríveis em cinco minutos é outra. Não se trata de escrever - isso até eu faço com uma perna às costas - mas sim de criar um poema, bonito, musical e às vezes até com simbolismo por detrás, com coisas corriqueiras ou até parvas ouvidas há um par de minutos. É incrível.

Eu sempre achei estranho o processo de construção de uma música e, por ser uma realidade que me é alheia, pensei que era algo difícil. Mas depois disto, ao ouvir músicas feitas em dez minutos e que eu compraria e consumiria, sem problemas, no caminho para casa em plena rádio, percebi que quem é bom nisto o faz com uma perna às costas. É um dom, ponto final. E apesar dos outros dois serem muito bons, caraças!, a Luísa e o Miguel são do melhor! Já era fã deles, mas saí de lá completa e totalmente rendida - só tenho pena de não ter podido repetir a dose, porque este é o género de espetáculo que se pode ir quatro vezes seguidas e ser sempre diferente.

Não sei de onde é que, de um momento para o outro, apareceram tantos músicos portugueses tão bons. Há dez anos "música portuguesa" era sinónimo de pimba, fado ou algo com um toque meio revolucionário. E depois veio isto. Um misto perfeito: pessoas simples (mas com dons), simpáticas e com reis fora da barriga, que constroem cenas lindas, tão profundas como leves, bonitas e incríveis. E o melhor é que a tendência se está a reproduzir e nascem em Portugal cada vez mais artistas incríveis. E toda a gente que gosta de música sabe que há poucas sensações tão boas como a inspiração profunda que se sente durante e depois de um bom concerto, não é verdade?

 

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06
Mar18

Vamos pôr a conversa em dia sobre o Festival da Canção

Este foi o primeiro ano em que vi o festival da canção. Acho que não fui caso único - muitos dos que nunca viram, começaram a ver; muitos dos que já tinham desistido, voltaram a assistir; e, pelo estilo da coisa, os que antes eram acompanhantes assíduos, agora já podem não achar graça à coisa. Digo isto porque para além de todo este fôlego que o Salvador Sobral deu ao Festival da Canção, é impossível não dar os louros à RTP, que deu uma volta de 180º ao programa. Se compararmos este novo formato com aquele em que a famosa Suzy ganhou, parecem ser duas coisas completamente diferentes - e é natural que os fãs de um não sejam precisamente os fãs do outro. Ainda que a diversidade musical continue a existir - não houve, este ano, nenhum exemplo "pimbalhão", mas podia - o antigo festival era muito mais "popularucho" e fraco, tanto em letras, como em melodias, passando por interpretes e mesmo autores.

E foram estes dois últimos factores que mudaram no formato - e que mudaram mesmo "o" formato. Diria mesmo que os autores e compositores foram a chave de tudo, mais ainda que os intérpretes. Isto porque, este ano em particular, acho que houve músicas incríveis com interpretações muito más. O problema é que as músicas têm de ser avaliadas como um todo e não se pode passar uma canção só por ela ter uma letra bonita. Para além disso, ouvindo apenas a música uma vez, aquilo que nos fica é a ideia que o intérprete nos passa (tanto vocalmente como fisicamente) - não conseguimos prestar a atenção devida à letra, nem à construção da melodia. Essa é a maior razão para muitas pessoas não terem gostado da "Amar pelos Dois" o ano passado - a figura do Salvador é estranha, com todas aquelas caretas e movimentos de mãos que muitas vezes o fazem parecer um autêntico totó. Se calhar, se a ouvissem na rádio, gostariam da música logo à partida: mas a presença do intérprete, naquele caso, pode ter sido um obstáculo.

Este ano não aconteceu o mesmo no que diz respeito à presença dos artistas, mas não tenho dúvidas de que muitas músicas foram altamente prejudicadas pela escolha do/a cantor/a. O exemplo mais óbvio é a música "Anda Estragar-me os Planos" que, para mim, tem a letra mais bonita de todas. É in-crí-vel. Mas a interpretação é feita de uma forma tão sorumbática, estranha, grave, meio monocórdica e pouco convicta que vai tudo pelo cano (a figura e a sua presença também não ajudam). A melhor forma de vermos isto é tendo um termo de comparação. Basta ouvir a interpretação da Joana Barra Vaz apresentada no festival e uma do Salvador, que ele colocou no seu facebook, e ver a diferença. Esta música, na voz dele, voltava a ganhar os prémios todos.

O mesmo acontece com a "Só Por Ela", de Peu Madureira. A letra é muito bonita, a melodia também - mas aquele estilo faduncho deu um tom pesado à música, quando ela, cantada docemente, se torna algo completamente diferente. A prova? Está aqui, no instagram da Carolina Deslandes, que a interpreta incrívelmente. Não tenho dúvidas que esta seria a música vencedora se tivesse sido ela a cantar. Sei que havia muita gente fã da música conforme ela foi apresentada, mas acho que não batia a cara com a careta. Faltava ali algo. E aquilo não era fado, mas também não era outra coisa qualquer. Era incoerente e de certa forma inconsistente. E a música, mais uma vez, não era a culpada - mas sim quem a cantou.

Mas falemos da vaca fria: a música vencedora. Estão prontos para o que eu vou dizer a seguir? De certeza? Estão bem sentadinhos? Então pronto: eu gosto da canção. Mais uma vez, não adoro a interpretação. Mas como disse, neste caso, não temos outra hipótese senão avaliar as composições como um todo - e de tudo o que nos foi apresentado na final, esta foi a que eu mais gostei. Para mim, "O Jardim" e a "Para Sorrir Não Preciso de Nada" - as que estiveram taco a taco para vencer - têm imenso em comum. Tanto a voz da Catarina Miranda como a Claúdia Pascoal são dois vidrinhos - parece que se vão partir a cada nota que atingem. Eu não sou apreciadora desta característica, nao adoro vozes frágeis e muito menos quando se posicionam lá em cima, nos agudos - e, na verdade, acho que também o público gosta de vozes mais seguras. Em ambas há a sensação de que desafinam, quando na verdade (pelos a mim, que não sou um expert) elas simplesmente tremem com a voz, porque é assim que cantam. Se isso dá um efeito estranho? Dá. Se acontece mais com a Claúdia Pascoal? Acho que sim. E acho que a Catarina Miranda terá outra imponência, tanto na voz como na presença, mas no final foi a música que contou. Nem sequer vou avaliar se a emoção da Pascoal é, ou não, sincera (já vi muito escrito sobre este tópico); para mim, prevalece o facto da letra ser mais bonita, fazer mais sentido, ter dor, luto e esperança nela contida. Na outra música, não sinto grande coisa. Mas, curiosamente, outra coisa que penso que têm em comum é o facto de primeiro se estranharem e depois se entranharem - não gostei de nenhuma delas quando as ouvi pela primeira vez, e fui apreciando à medida que as fui ouvindo e conhecendo melhor (ao ponto de já ter feito uma versão minha, ao piano, d'"O Jardim).

Aquilo que ninguém podia esperar era que acontecesse o que aconteceu o ano passado. É verdade que o festival melhorou imenso, mas não podemos ter sempre músicas brilhantes; não podemos ter sempre combinações música-autor-compositor-arranjo perfeitas. Eu lembro-me como se fosse ontem da minha pele de galinha quando ouvi apenas cinco segundos da "Amar pelos Dois". E isso é raro. E se não ganhámos a Eurovisão durante cinquenta e tal anos, também não podemos agora exigir, quais ditadores, que ganhemos outra logo de seguida.

Eu não conheço as músicas dos outros países, não sei a competição que vamos ter, mas por todas as razões e mais algumas penso que não vamos trazer o troféu para casa. O trabalho da Isaura e da Claúdia Pascoal vai ser ingrato, pois vão estar sempre na sombra do Salvador Sobral e à luz de todas as comparações. Mas não acho que vamos fazer má figura. Pelo contrário. Mais uma vez, acho que é uma música que sabe tocar, mesmo quando não sabemos o que está lá "escrito"; tem alguma alma e só precisa de ser aceite e mais rapidamente entranhada, em vez de estranhada. E acho injusto tudo aquilo que se anda a escrever, entre plágios (a sério? agora virou moda?) e artistas dizendo que "esta canção não representa o povo e a cultura portuguesa". O que é uma música que representa um povo? Vamos lá cantar o hino? Vamos falar do bacalhau e dos pastéis de nata? Da corrupção e do Palácio de Belém? Dos Descobrimentos e do Pedro Álvares Cabral? É como no ano passado, quando meio mundo dizia que a música do Salvador não era música de festival. Pois não era. Talvez por isso é que ganhou.

20
Fev18

Quatro mãos num piano e uma música especial

No fim do último recital de piano do ano passado a minha professora entregou-me aquela que viria a ser a minha música de Janeiro (todos os meses apresentamos músicas novas, que estão sujeitas ao tema do mês). Neste início do ano o mote eram peças a quatro mãos. Normalmente somos nós que escolhemos a música que mais gostamos e começamos a estudar a partir daí, mas naquele dia ela entregou-me aquela peça, que achava que era a minha cara, e assim ficou. O primeiro baque deu-se quando eu olhei para a pauta. As pautas, aliás. Eram dez: cinco para ela, cinco para mim (pânico!). O segundo  foi quando eu ouvi a parte dela e nem sequer percebia por onde os seus dedos andavam. E o terceiro foi quando, em casa, percebi a extensão e a dificuldade da música.

Tive a opção de fazer uma estafeta, em que vários alunos tocavam uma pauta da peça. Mas fui esperançosa e um tanto ao quanto gananciosa quando decidi ficar com ela toda para mim. Assim, fiz contas à minha vida, decidi fazer o esforço e dar mais meia hora do meu dia ao piano (para além do tempo que já dou habitualmente) para conseguir ter a peça pronta a tempo.

Acabou por ser uma jornada e tanto. De uma peça que eu desconhecia (assim como a maioria), passou a ser algo que faz parte de mim; nem sequer era uma música que eu ouvisse pela primeira vez e me apaixonasse. Mas, como me foi atribuída pela professora, com o significado que isso tem, deixei-me ir... e todas aquelas horas que passei a treinar acabaram por me fazer perceber o quanto eu podia gostar da peça e o quanto eu já gosto de tocar piano. Apesar da luta que me deu - e não foi pouca - foram sempre momentos de puro prazer.

Sim, porque tocar uma peça a quatro mãos tem que se lhe diga. A principal dificuldade é a coordenação - para além das duas pessoas terem de estar "alinhadas", as suas peças têm de estar perfeitas ao nível dos tempos, senão o resultado final não vai soar direito. Como só podia tocar com a minha professora durante uns quinze minutos por semana - e por eu ser um tanto ao quanto obsessiva no que o piano diz respeito - estava a dar em maluca - primeiro porque não estava a conseguir alinhar-me com ela, segundo porque aquilo que eu tocava parecia estar sempre descontextualizado. A solução para tudo isto envolveu o uso do metrónomo (foram muitas horas a ouvir aquele horroroso "toc toc toc plim! toc toc toc plim!" enquanto tentava tocar nos tempos certos) e a tocar ao mesmo tempo que uns russos - dos poucos que disponibilizaram a música no Youtube - de forma a conseguir perceber onde devia entrar e interiorizar a parte da minha professora. Para além de tudo isto, por a peça ser enorme, eu tinha mesmo de ler a pauta - era-me impossível decorar aquilo tudo!

Cheguei ao fim do mês com a peça pronta. Encravei em muitas partes ao longo do processo, ainda hoje há trechos que eu respiro fundo antes de tocar, mas quando ficou pronta (e a gravei) fiquei com uma sensação agridoce: por um lado de dever cumprido, por outra triste por esta jornada partilhada ter acabado. Foi a primeira vez que senti no piano uma extensão de mim. Mais tarde toquei-a no recital, correu-me terrivelmente e fiquei despedaçada: tantas horas para depois me enganar na hora H. Enfim, acontece. Ao menos já tenho o vídeo como prova. 

As peças nunca estão acabadas, nunca estão perfeitas, por muito que as toquemos - e aqui cabem anos! Sei que se tocar isto daqui a um ano, tudo vai soar melhor - já vejo isso quando toco peças que aprendi há quatro meses atrás. Mas sinto que se não partilhar esta música com os meus, não partilho mais nenhuma. Mesmo sabendo que daqui a uns tempos vai soar melhor, mesmo detestando a minha cara de concentração profunda enquanto toco. Esta teve um sabor especial. Para a maioria, será só mais uma; para mim, acho que vai ser sempre "uma das".  

 

Sonatina by Diabelli; Op.163 n.1, quatro mãos:

(são cinco minutos de vídeo, sei que estou a testar a paciência até aos mais pacientes. se quiserem só uma amostra, saltem para os 4.30min)

31
Jan18

Review da semana 26#

Caixas de música na Conto de Fadas

 

“Quem sai aos seus não degenera”, diz o provérbio. E isso pode explicar o porquê de eu gostar de caixas de música - acho que posso agradecer à carga genética vinda da minha mãe. Na verdade não é nenhuma paixão assolapada, não perco a cabeça por um destes objetos - mas como adoro música de uma forma geral, o meu amor também se estende a estas peças, principalmente se as musicas forem do meu agrado (o que muitas vezes não acontece - acho-as normalmente repetitivas e irritantes).

Há uns dias estava no facebook e cruzei-me com um anúncio de uma loja de Viana do Castelo que vende, entre outras coisas, caixas de música. Não aquelas incríveis e bonitas, que valem mais pelo aspeto visual do que outra coisa (embora tenha algumas), mas simplesmente o realejo, com o cilindro rotativo e a pequena manivela para o fazermos “cantar”. Nunca me tinha lembrado de pesquisar estas coisas e imagino que no ebay e outros sítios que tais isto se venda ao preço da chuva, mas vi ali tantas musicas que gostava, a um preço tão simpático (menos de cinco euros cada) que mandei vir para pôr no meu quarto. 

Encomendei três: uma com a Yesterday, dos Beatles, para oferecer ao meu pai; outra com a Valse d’Amélie, do filme da Amélie, porque é talvez a minha musica preferida daquela banda sonora e às vezes atinge-me de tal forma que me apetece chorar as pedras da calçada; por fim comprei também um realejo (esse vinha mesmo dentro de uma caixa, que abre estilo livro) do Harry Potter, com o tema principal.

Aquilo que se ganha em comprar em lojas portuguesas em vez de no ebay - ainda que possivelmente se pague mais dinheiro -, para além de termos a noção de que estamos a ajudar a nossa economia e não outra do outro lado do mundo, é a simpatia com que nos tratam. Isto não é regra: há muita gente antipática e mal agradecida por aí, mas tenho tido experiências fantásticas ao nível das compras online em pequenas lojas portuguesas. Acho que as pessoas se aperceberam que muitas vezes, não podendo competir pelo preço, é no trato e nos detalhes que mora a diferença é isso sente-se. O pacote onde me enviaram as caixinhas era absolutamente amoroso, claramente feito com tempo e carinho, assim como o bilhete personalizado que estava dentro da encomenda.

É lógico que não estamos a falar de caixas de música hiper potentes ou de alta qualidade - dado o preço, não poderíamos esperar isso. Mas os produtos correspondem à expectativa e a forma como tudo foi tratado deixa vontade de comprar mais, quase como uma dose de mimo vinda diretamente pelo correio. A loja chama-se Conto de Fadas e pode ser visitada aqui.

 

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(a caixinha onde vinham as minhas compras)

 

24
Out17

Estou a perder-me no piano

Antes costumava ouvir muitas vezes a expressão "ai... o rapaz está a perder-se", nomeadamente em relação aos meus colegas rebeldes da escola. Normalmente este é um dizer que tem uma carga negativa: é alguém que está a ir por maus caminhos - drogas, tabaco, más companhias -, a desviar-se do percurso padrão que os mais velhos querem que o jovem - agora rebelde - siga.

Nesse aspeto, sempre fui um anjo com as ideias muito fixas e os pés bem assentes na terra. Nunca dei problemas, porque nunca tive medo de dizer "não" ou detetar aquilo que, segundo os meus valores, era bom ou mau. Mas acho que, pela primeira vez na vida, esta expressão se adequa a mim. Estou a perder-me. Mas há sempre o twist do costume: não sei, neste caso, se será uma coisa necessariamente má. Porque o meu objeto de "perdição" é o piano.

Não se trata propriamente das horas que passo a treinar - normalmente toco duas vezes ao dia, talvez meia hora em cada um dos treinos. O pior é tudo o resto: o tempo que passo a ver partituras, vídeos de tutoriais no Youtube, a procurar aplicações para instalar no tablet para aprender a tocar músicas de que gosto ou simplesmente a deliciar-me com covers de outras pessoas. Enquanto trabalho e escrevo ouço sempre música de fundo - e enquanto estudava devorava bandas sonoras de forma repetitiva - e muitas vezes, por deixar o youtube correr, vou parar a playlists comerciais. Mas neste momento, o meu consumo de covers é de tal forma elevado que só me aparecem pianos no visor de cada vez que me é sugerida alguma coisa. E eu, bem mandada, clico. Tenho aumentado bastante a minha lista de subscrições no último mês, graças a estas descobertas "patrocionadas" pelo Youtube.

Mas bom, ando perdida: gasto o tempo que tenho (e que não tenho) embevecida a olhar para o ecrã, a pôr em full screen os vídeos para perceber o movimento dos dedos e a pensar "será que eu já sou capaz de tocar isto?". Na verdade ainda não me aventuro muito em peças alheias: como todos os meses tenho recitais e quero ter as músicas que vou apresentar o mais perfeitas possível, repito tudo até à exaustão até me parecerem apresentáveis (e sim, isto tem um toque de obsessivo e de perfecionista). Neste momento estou mergulhada em Yann Tiersen, com o maravilhoso soundtrack da Amélie. O tema deste mês do estúdio eram bandas sonoras e pudemos escolher entre o Tiersen ou o John Williams - compositor do Harry Potter, do E.T., Indiana Jones, Jurassic Park, entre muitos outros. E sim, eu preferi a Amélie ao Harry Potter... foi uma escolha dura, mas há tantos anos que eu sonhava tocar a Comptine d'un Autre Été que não houve escolha possível. Entretanto despachei a música tão rápido (e de forma tão apaixonada, devo acrescentar) que vou também tocar a L'Autre Valse d'Amélie, que me tem dado água pela barba. Depois de bem prontas, talvez as mostre aqui.

Nos entretantos, para desenjoar de tanta Amélie, vou-me vingando nos meus vídeos do Youtube e sonhando com o dia em que poderei tocar assim. Estou sinceramente empenhada. E felicíssima com a brilhante ideia que tive em voltar a aprender.

 

Uma da melhores descobertas que fiz nos últimos dias foi o Constantino Carrara, que tem covers inacreditáveis de músicas pop. Vale a pena conferir, seguir e descobrir mais se gostarem do estilo. Já eu acho impossível alguém não gostar ou apreciar o dom deste rapaz.

 

02
Set17

De volta aos teclados (e não é do computador)

Devia ter uns oito anos quando comecei a aprender piano. A minha mãe tinha-se inscrito na escola de música, levou-me por arrasto e eu, por acaso, até tinha jeito para a coisa. Mas, passado relativamente pouco tempo, quis desistir. Não tenho a meu favor a perseverança: não me lembro de nenhuma atividade onde quisesse ficar durante mais do que meia dúzia de meses (também não andei em muitas, só me lembro da ginástica - onde não durei nada, uma vez que era, e sou, uma absoluta desgraça - e da natação, atividade que repeti ao longo dos anos e de que ainda hoje gosto muito). Mas, por outro lado, tenho uma série de desculpas muito convincentes: a melhor de todas é que o meu professor adormecia nas minhas aulas.

Isto tem graça quando eu conto e até pode ser visto como um elogio ("ui, tocavas tão bem que até o adormecias!") mas era uma situação muito embaraçosa para mim, que acabava a partitura e não sabia o que fazer a seguir. Ir para aquelas aulas significava estar numa posição desconfortável, porque já sabia o que ia acontecer e ficava a pensar "continuo a tocar? páro? acordo-o? saio da sala?". Enfim, era chato. E eu fiquei muito desmotivada com tudo aquilo e quis desistir. Nunca deixei de gostar de tocar, mas não me apetecia continuar com aquilo - e quando temos oito anos não temos maturidade suficiente para perceber que é aquele professor que nos desmotiva, que gostamos mesmo daquela atividade e que queremos dar a volta. Se em adultos já é difícil contornar situações em que estamos assim, em crianças é quase impossível. Por isso, mesmo contra a vontade dos meus pais (o meu pai sempre me disse que quando eu fosse crescida e estivesse na faculdade todos os meus colegas iam adorar ouvir-me ah ah ah), deixei de tocar piano. Tinha algum jeito e aptidão para aquilo, para além do meu amor já existente pela música, que não só se manteve como aumentou com o passar dos anos. Já tocava peças com algum grau de dificuldade e safa-me realmente bem. Mas a partir do momento em que se estagna, que não há ninguém a puxar por nós (mesmo que a dormir...) ou a exigir algo mais, é difícil evoluir. E eu parei de tocar por completo.

Ao longo destes anos voltei a sentar-me algumas vezes em frente do piano, mas nunca durava muito. Deixei de saber ler fluentemente as partituras e o meu piano, mesmo antigo, está todo desafinado e com muitas falhas ao longo do teclado. E sempre teve uma grande desvantagem, que sempre me coibiu de tocar muito: está na sala, no centro da casa, e toda a gente o ouve. Isto é bom quando queremos "dar espetáculo", mas péssimo quando queremos treinar. Como tenho sempre a casa cheia de gente, nunca conseguia tocar sozinha - e é muito chato estarmos a praticar, enganarmo-nos, chatearmo-nos (só quem nunca tocou piano é que não sabe como são aqueles ataquinhos de raiva em que batemos contra todas as teclas de uma só vez) e estar o mundo todo a ouvir. Já o era quando tocava e continuava a ser naquelas poucas vezes em que decidia tentar tocar de novo, tentando interpretar algumas das minhas músicas favoritas do momento. Tinha sempre gente a espreitar, a dizer "uau, afinal ainda dás uns toques!" ou a bater palminhas no final de uma interpretação intragável. E, por isso, desistia sempre.

Mas nos últimos tempos a música tem atingido uma dimensão tal na minha vida e anda-me tanto a apetecer fazer algo diferente (para além de trabalhar) que decidi ir procurar uma escola de música para voltar a aprender. Neste momento já conheço melhor o meu emprego, os meus horários, as pessoas com quem trabalho e a fase da adaptação e de agitação já passou - e eu sinto mesmo que precisava de fazer algo diferente, de conhecer outras pessoas, de ter a cabeça noutro lado, de me motivar de alguma forma. E lembrei-me do piano. 

Fui hoje fazer uma aula experimental, gostei imenso do espaço, da professora e dos métodos e estou muito ansiosa para voltar a tocar. Já há algum tempo que não me apetecia tanto fazer alguma coisa! São incríveis as mudanças que acontecem em dez anos: ainda vi coisas em papel, mas agora aprende-se com tablets, que ajudam a ler as partituras e que dão a música de fundo, podendo ajustar-se o ritmo, treinar só uma mão e tudo mais. Para além disso, como ouro sobre azul, a minha sobrinha tem um piano eletrónico - que não usa -, daqueles que dá para pôr phones e só nós ouvirmos as asneiras que damos ou aquilo que estamos a tocar. Ou seja,o meu problema de ter a casa toda a ouvir os meus treinos tem finalmente um fim à vista! E no futuro, se vir que estou mesmo empenhada, pondero comprar um.

Até lá, é ir experimentando. Sinto que a partir do momento em que a escrita passou de hobbie a trabalho, "perdi" o maior entretenimento da minha vida - e desde que o trabalho começou a entrar nos eixos e que eu tenho tempo livre que me sinto muito perdida e cada vez mais desmotivada com tudo à minha volta. Estava mesmo a precisar de algo que me desse vontade de sair de casa e fazer algo diferente. Estou muito esperançosa e muito feliz por ter decidido arriscar! Espero que valha o esforço!

 

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31
Jul17

O dia em que conheci o Jamie Cullum (ou o fim-de-semana em que vi dois concertos dele)

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Eu sei o que estão a pensar: "lá vai esta maluca começar a falar do Jamie Cullum - como se nós já não soubéssemos tudoooo o que ela pensa sobre ele". Têm razão, eu sei que sou uma chata. Mas este fim-de-semana foi especial: não só porque foi em dose dupla, como teve a cereja em cima do bolo - tive, basicamente, um encontro de 37 segundos com ele. 

Mas voltemos atrás, porque eu não quero que pensem - levianamente - que eu fui a dois concertos dele, em dois dias seguidos, assim do nada. Eu comprei os bilhetes para o EDP Cool Jazz mal eles foram postos à venda, porque tento sempre nunca faltar aos concertos que ele dá cá em Portugal e não se sabia que ele viria cá ao Porto. Quando anunciaram o concerto nos Jardins de Serralves eu pensei "não posso faltar a um concerto do Jamie aqui tão perto de casa!" - e, por isso, comprei bilhetes. Confesso: a partir do momento em que me vi com dois bilhetes na mão a minha intenção era, e sempre foi, ir aos dois. Eu sei que é amalucado, mas o dinheiro já me tinha saído da conta e, para mim, não existe a expressão "demasiado Jamie". De qualquer das formas, depois de ouvir tanta gente a chatear-me o juízo por ir a dois concertos, supostamente iguais, em dois dias seguidos (e ainda por cima ter de comportar os custos da ida e estada em Lisboa) comecei mesmo a ponderar vender os bilhetes do CoolJazz.

No entanto, e como no fundo sempre quis ir aos dois, fui adiando e adiando a questão, até que na quarta-feira vi no instagram da Rádio Comercial que iam oferecer a entrada para um Meet&Greet. Dizia qualquer coisa como "esteja atento à emissão" e, meus amigos, o meu coração parou. Depois de ter andado a navegar na emissão, de ter ouvido durante todos os segundos possíveis a rádio e de não ter passado nada... fui obrigada a desistir. Mas no dia seguinte vi um instastorie dizendo que dali a nada iriam oferecer as entradas para o conhecer! Para se ganhar tinha de se ligar para lá e eu percebi que as minhas hipóteses eram poucas: as linhas estão sempre, sempre cheias. Mas eu fui teimosa, liguei e tornei a ligar. Aquilo nem chamava, era só ir clicando e desligando - já quase o fazia automaticamente. Até que, do outro lado, dizem "bom dia". E, como era algo demasiado bom para ser verdade, eu já só esperava um "desculpe, já oferecemos os meet&greets todos". Mas não. A última entrada era para mim. WHAT? Nem me queria acreditar que tinha conseguido! Sou uma azarenta neste tipo de coisas e há muito que me deixei de jogos de sorte, mas o Jamie estava em jogo e tinha, pelo menos, de tentar.

E é só essa a razão pela qual fiz isto. Quem me conhece sabe que sou a miúda mais tímida para falar com alguém conhecido, que sou praticamente incapaz de pedir um autógrafo e muito menos uma fotografia. Sinto sempre que estou a perturbar as pessoas, nunca me sinto à vontade para as abordar. E, por outro lado, acho que quando conhecemos alguém que admiramos lhes passamos a dar uma componente humana que antes, na nossa cabeça, não existia; isso implica que as pessoas possam estar a ter um dia mau e serem antipáticas connosco (ou simplesmente serem assim no resto dos dias), que transmitam uma energia negativa em vez de algo bom. Sei lá! Há tanta coisa que não conhecemos sobre os famosos e que nos podem desiludir que, quando nos chegamos perto deles, temos de ter em conta esse risco. Mas, independentemente de tudo isso, era o Jamie. O meu Jamie, que já ouvi centenas de horas e sobre o qual já tanto escrevi. Que me acompanha desde o básico, passando pelo secundário, pela faculdade até aos dias de hoje, enquanto escrevo para o jornal; aquele que, sem saber, me dá a mão em momentos tão felizes e tão tristes. E esta era uma oportunidade que eu não podia perder.

O concerto no Porto foi fenomenal e, arrisco a dizer, melhor do que o de Lisboa. Foi giro poder comparar os dois públicos e os dois concertos porque há uma ideia pré-concebida de que o público no Porto é mais caloroso que o lisboeta - e, para além do mais, sei que ele não faz dois concertos iguais, mas não sabia o quão diferentes poderiam ser. Quanto à primeira afirmação, penso que se confirma: acho que aqui no Porto há uma entrega maior e, pareceu-me, o público era ligeiramente mais jovem, o que ajudava à festa. Ele parecia mesmo comovido - as pessoas foram incríveis, sempre muito entregues, a mãe dele fazia anos e estava lá, e cantamos-lhe todos os parabéns; ele fez dois encores, cantou a Blackbird dos Beatles (que lhe estavam a pedir, no público) e ainda inventou uma canção estilo "Porto, I love you", que fez com que saíssemos dos jardins todos derretidos. Uma pessoa nunca sabe se aquilo que eles transparecem é real ou não, se é só um docinho para nos adoçar a boca e pensarmos "ai que ele estava tão emocionado" -  porque, tal como os encores, muito daquilo que vemos hoje (as piadas e os "improvisos") é muitas vezes planeado. O alinhamento foi muito semelhante, com excepção das músicas finais. Em Lisboa ele terminou com o Grand Torino - um pedido de um fã, que levava um cartaz a dizer "If you play Grand Torino, I'll buy a beer to everyone". E é esta uma das coisas que eu adoro nele: ele repara, ouve e toca as músicas que lhe pedem. Fala com os fãs, tira fotos a meio do concerto, está atento. Vive aquilo, fá-lo com gosto e não vê isto só como "mais um chaché", como muitos. Cada concerto do Jamie é único - e por isso eu não me importo de ir a vários seguidos, porque sei que o alinhamento pode ser semelhante mas terá sempre as suas nuances.

Em ambos os concertos aconteceu algo engraçado: a meio do espétaculo ele salta do palco, vai até à plateia em pé (em frente estavam lugares sentados) e abre as barreiras de proteção, deixando as pessoas ir para a frente do palco. Confesso que aquilo mexeu com o meu sentido de justiça - eu estava na segunda fila, paguei uma pipa de massa para lá estar e, no entanto, quem pagou menos estava agora ali, à minha frente, impedindo-me até de ver o concerto sentada. Isto sou eu a fazer advogada do diabo, porque eu não tenho problema nenhum em ir para a frente do palco e saltar como uma louca - se há momento em que me sinto feliz e disponível para dançar e cantar como nunca faço, é quando o Jamie canta. Mas, ainda assim, fiquei retraída. Aqui no Porto não me levantei logo, fiquei a ver até onde é que aquilo ia - mas quando percebi que o pessoal não ia arredar pé e que estava a curtir muito mais do que eu, fui para o meio da confusão divertir-me como eles; já em Lisboa, mal ele saltou do palco, já estava eu a ir para a frente, pelo que acabei por ficar mesmo encostada às colunas e ver o resto do espetáculo em primeiro plano. Acho que isto também acontece porque muito do pessoal que está à frente é uma verdadeira seca - são pessoas mais velhas, que muitas vezes nem conhecem as músicas e que dão pouca dinâmica ao concerto, enquanto que o pessoal lá atrás está a divertir-se à grande. Foi uma forma que ele arranjou de trazer a festa até ele e divertir-se tanto ou mais do que as pessoas que estão lá aos pinchos e aos berros enquanto desfrutam.

Mas foi antes do concerto (em Lisboa) que eu estive com ele. Não estava stressada nem preocupada - contei a muito pouca gente que o ia conhecer, para não criarem expectativas por mim e sabia ao que ia, não esperava muita coisa. Éramos um grupo de oito pessoas, mais mulheres que homens, e elas em particular estavam todas super bem arranjadas, maquilhadas, algumas com vestidinho e salto alto. E depois havia eu: acaba de chegar do Porto, meio desgrenhada devido aos ventos quase ciclónicos do Parque dos Poetas, sem qualquer maquilhagem porque sabia que me ia borratar toda e que a humidade não ia ajudar à festa e com o meu uniforme de festival: as sapatilhas-brancas-sujas, calças de ganga, t-shirt e um enorme blusão para quando o frio chegasse. Sabia que ele não se ia apaixonar por mim de uma maneira ou outra, por isso optei pela via confortável. Só foi pena ter sido apanhada nas rédeas da Rádio Comercial para fazer uma entrevista e ter sido apanhada naquele estado meio caótico - mas enfim, ao menos estava feliz! (E fiquei com o momento registado para a posteridade <3)

Nestes meet&greets há um ponto assente: aquela não é uma situação confortável para nenhum dos lados. É estranho para nós conhecermos alguém que tanto admiramos mas também é estranho para ele ver mais de meia dúzia de pessoas que nunca viu mais gordas a entrar num sítio só para o cumprimentar - e ter de ser simpático, sorrir para as fotos, ter de fazer conversa. Toda a situação é muito pouco natural. E, na minha visão, muito fútil. 

É lógico que eu gostava de ter uma foto com ele - acho que a vou imprimir e pôr algures, porque é uma recordação importante. Mas eu queria mais do que isso - e se me dessem a oportunidade de escolher, eu preferia mais um minuto de conversa. Porque eu gosto dele como um todo, não o vejo como um trunfo para as minhas redes sociais; acho-o intelectualmente interessante e gostava de o ouvir dizer algo que ficasse para além do "thank you". E, acima de tudo, queria poder agradecer; poder dizer-lhe que o conheço há oito anos, que me lembro como se fosse ontem da primeira vez que o ouvi, que ele é a banda sonora da minha vida; que, apesar de ele não saber, esteve comigo em todos os momentos importantes ao longo dos anos. E isto pode parecer cheesy, mas eu acho que a música é isto e muitas vezes - no meio do reboliço que é a vida deles, a correria, as entrevistas, estes encontros impostos - eles se esquecem de que tocam mesmo a vida de alguém. E lembrar isso, acho eu, nunca é demais.

Claro que, no nosso encontro de sensivelmente 37 segundos, não consegui fazer nada disso. Fomos postos em fila, em frente ao placard das entrevistas, e fomos, um a um, tirar uma foto com ele. Percebi que aquilo era muito pior que um pitch - não era sequer um minuto! O esperado era que o cumprimentássemos, tirássemos uma foto e déssemos o lugar ao próximo - e se falássemos mais do que o suposto sentiamos que já estavam a olhar para nós como quem diz "demoras muito? Há todooooo um line-up que precisa de ser cumprido, amiga!". Se calhar fui eu que, no stress do momento, senti isto tudo - mas foi, de facto, a sensação com que fiquei. Só tive tempo de lhe dizer que tinha ido ver o concerto dele no dia anterior e que tinha sido incrível - e ele agradeceu (daquilo que me lembro... sinto que tudo foi tão rápido e poderoso que se eclipsou da minha memória). Sorrimos para a foto, click, click, adeus. Foi isto.

Se saí um bocadinho desiludida? Sim. Se voltava a repetir? CLARO! Não se pode ter tudo nesta vida e acho que este tipo de contactos com celebridades, principalmente quando são "forçados", nunca dão em muito mais do que isto. Disse-lhe um thank you rápido, entalei-me toda quando lhe disse "it's such a pleasure" e calculo que, para ele, tenha sido uma situação igual a tantas outras. A diferença é que para ele foi igual, para mim foi especial. Aqueles treze segundos de conversa (o que restou entre o cumprimento e a pose para a foto) foram mais do que alguma vez sonhei.

Sei que nos veremos em breve. Muito provavelmente sem o beijinho e os segundinhos de conversa, mas num palco aí algures. Desde que o conheço que tento não faltar a nenhum concerto. E, porque me conheço, sei que vai continuar a ser assim. Espero que por muitos e bons anos. 

 

06
Jul17

Salvador Sobral: quando a música não vem só da alma, mas do corpo todo

Passei aí uma fase em que estava maluquinha com o Salvador Sobral. Para dizer a verdade, essa fase ainda não passou - e não sei se passará tão cedo. Tenho para mim que ele é o meu Jamie Cullum português - aliás, há uns tempos comprei o Expresso só para ler uma entrevista que ele deu e ele lá dizia que também passou uma fase em que adorava o Jamie. E eu pensei "ah, eu sabia, somos almas gémeas!". Só que não. Acho que não conseguia aturar o Salvador durante muito tempo - eu, uma control freak assumida, dava em louca com tanta coisa aleatória que vai naquela cabeça. Mas isso não faz com que goste menos dele, que não adore a sua música ou que não me desse uma alegria enorme conhecê-lo.

Ontem fui ao primeiro concerto dele na Casa da Música e saí de lá rendida, de coração muito cheio, super inspirada - a sentir que podia conquistar o mundo, escrever livros e aquilo que mais sonho - e feliz por ter testemunhado este momento. Passei aquelas duas horas de música acompanhada por uma dor de cabeça sem fim, que se ia expandindo à medida que os minutos passavam, graças a um dia demasiado longo e cansativo - mas era impossível aquilo não compensar. Aguentei estoicamente - e aguentaria mais duas horas iguais, se ele assim as cantasse. 

Não é um concerto para todos. E o tempo, quase como a teoria da evolução das espécies, vai-se encarregar de deixar aqueles que gostam mesmo do estilo do Salvador - incluindo as caralhadas que ele vai dizendo - nos seus concertos e os outros vão acabar por ir à vida deles. E porquê que não é para todos? Porque é um concerto de jazz, com a liberdade que lhe é característica. Diria mesmo que essa é a grande diferença entre ele e o (meu) Jamie: há uma grande componente criativa em todos os concertos, as músicas nunca saem iguais, a comunicação entre público e artista é incrível, nunca se sabe o que vem a seguir... mas o Jamie tem uma componente muito mais pop nas suas músicas, enquanto que o Salvador gosta mesmo daquela onda jazz - de ouvir os seus músicos, de lhes dar a luz da ribalta, de lhes proporcionar momentos a solo que eles tão bem merecem, de ele próprio gritar quando quer ou sussurrar longe do microfone quando assim acha apropriado. Aquilo vem-lhe das estranhas, da alma. Na verdade, vem do corpo todo - e é por isso que ele parece um boneco estranho a cantar. E a verdade é que muitas vezes corre bem; outras, nem tanto - ontem, numa das músicas em que ele decidiu improvisar, passou o tempo da entrada e ele disse, ainda que rapidinho: "ups, já fiz merda". E isso, meus amigos, tem o seu encanto - como tudo o que é puro e verdadeiro.

No meio das músicas mais conhecidas dele, cantou outras que eu nunca tinha ouvido: uma a que ele chama "Loucura" e outra intitulada "Benjamim", composta por ele e por André Rosinha (que toca contrabaixo). Para além disso tocou pela primeira vez uma música dos Alexander Search, que ele deu a entender que não estava no alinhamento e que surgiu de forma espontânea que se chama "Justice" - e da qual gostei mesmo muito. Antes do encore houve um momento um tanto ao quanto tétrico, com um poema que ele próprio escreveu (talvez com o título "180 dias"), que retratava um homem que estava em coma, entre o limbo e a dúvida entre acordar ou morrer - aqui, houve uma pequena participação de Júlio Machado Vaz, que entrou em palco para ler um poema de Sophia de Mello Breyner, que também estava na onda da letra do Salvador. Por fim, ele sentou-se ao piano e fez o meu coração derreter. Eu sou, provavelmente, a pessoa mais difícil de se apaixonar na história da humanidade: mas acreditem que um homem ao piano é meio caminho andado para me deixar rendida. Tocou uma cover da música "Ninguém escreve Alice", escrita por Rui Veloso e Carlos Tê, e também uma música do segundo álbum da irmã. Terminou com a "Case of You", de Joni Mitchell - talvez, para mim, a melhor interpretação dele (ainda estou a decidir se gosto mais desta ou do "Presságio", que ele tocou no início do concerto) e que, claro, me levou às lágrimas - e, mesmo para acabar, uns pequenos acordes da "Amar pelos Dois", que já havíamos todos cantado em conjunto e que foi quase um agradecimento mais silencioso e profundo daquilo que ele está a viver.

Acima de tudo, no que diz respeito ao Salvador, acho que podem acontecer três coisas distintas: não gostar nem dele nem do seu estilo de música e portanto risca-lo por completo; gostar da música mas não da pessoa; ou então, diria que a mais improvável, gostar dele e dispensar a música que ele faz e canta. Em qualquer uma delas, penso que é essencial admitir uma coisa: ele é um grande músico, com um poder vocal incrível. É quase como o Ronaldo: eu não gosto dele, não gosto da equipa que ele representa - mas não tenho outra hipótese senão admitir que ele é um jogador do caraças. Como em tudo na vida temos de olhar para as coisas e desfocar aquelas que gostamos menos; eu também não gostei daquilo que aconteceu no concerto solidário, mas optei por não escrever sobre isso. E, honestamente, nem foi para não ofuscar a causa: foi para não ofuscar o talento dele com uma saída despropositada e desmedida, de alguém que claramente quer muito fazer música mas não está a saber lidar com tudo o que ter sucesso implica. Eu, como muitos, não achei piada: mas em todo o panorama que é, para mim, o Salvador... optei por desfocar esse momento, em detrimento de tantos outros incríveis que ele já nos proporcionou (e que, no meu caso, sei que continuará a proporcionar - porque não me ficarei por este concerto).

A "Amar pelos Dois" não é a minha música preferida dele - mas será sempre especial, por aquilo que representa para todos nós. E ontem, enquanto o via e ouvia ali à minha frente a cantar essa música - um rapaz magrinho, com uma camisa super larga que engana os menos observadores, com umas perninhas super fininhas, quase que representando a sua fragilidade - apercebi-me do privilégio que estava a viver. Arrepiei-me e lacrimejei porque, de facto, os dias da Eurovisão foram mesmo felizes e nem ele próprio se apercebeu de tudo o que deu a Portugal. Está, neste momento, a recolher os louros e as consequências disso - até porque, como ele disse ontem, ele não consegue arcar com a felicidade toda de um país. Mas eu estou em crer que o tempo, os meses e os anos lhe vão dar a clarividência do que ele fez em Kiev, das asneiras que fez a seguir, e perceber um pouco da nuvem em que está neste momento a viver. E de, eventualmente, ter orgulho naquilo que conquistou.

A minha sorte é que tenho paciência - e (espero eu) tempo. Tempo para ver o Salvador crescer, tempo para ouvir mais concertos, tempo para esperar por mais álbuns e tempo para viver a minha vida ao som da música dele. Ah, e memória: porque por mais anos que viva, penso que nunca mais me vou esquecer do momento em que ele nos ganhou a Eurovisão. Ainda ontem ele prometeu dar uns segundos onde toda a gente podia tirar fotos, "o momento em que somos todos do nosso século"; é claro que muita gente sacou dos telemóveis momentos antes, para filmar algumas músicas e captar fotografias, como se fosse aquilo que ficasse marcado no cérebro... Naqueles 20 segundos toda a gente sacou dos smartphones e os virou para os músicos. E eu fiquei ali, a olhar para o palco, com as mãos no bolso e um olhar embevecido. Não quero uma foto deles para nada, não preciso de mais entulho nos meus arquivos. Quero, sim, que aquela imagem fique guardada na melhor memória RAM de todas, um "disco D" sem igual: mais do que no meu cérebro, quero estes momentos no meu coração.

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