E assim foi mais um Primavera
Dizem que nunca devemos voltar ao sítio onde fomos felizes - e talvez isso tenha alguma razão de ser, porque o termo de comparação é sempre alto e difícil de superar. Mas eu voltei: dois anos depois, lá fui eu para três dias de Primavera Sound. Em 2015 foi mágico por tudo: pela fase maravilhosa que eu estava a viver, por ter estado ali juntinho dos artistas e da ação em pleno fosso, por conhecer imensa gente que por lá andava e sentir uma mística incrível durante todo aquele tempo. E depois do ano passado ter ficado tristíssima por não ter ido - dizia mal da minha vida de cada vez que via uma foto nas redes sociais - prometi a mim mesma que não voltava a falhar e corri o risco de voltar. E voltei. E a verdade é que o tempo não anda para trás e as condições nunca são as mesmas - e, por isso, não foi igual. Nunca poderia ter sido. Mas, dentro dos possíveis, foi bom.
Foram três dias que passaram a correr. Para mim, foi em crescendo - cada dia melhor que o anterior, em todos os aspetos. Confesso que na quinta-feira vim para casa a pensar que não voltava a comprar bilhetes para o festival - a música da noite era pesada, estava ali com amigos e não queria fazer a "desfeita" de ir embora cedo quase por capricho (ou, por outras palavras, por não gostar da música) mas, acima de tudo, foi a droga que me fez chatear a sério. Eu sentia o cheiro a erva por todo o lado, toda eu tinha aquele odor pestilento empestado na roupa e no cabelo, já estava com os olhos espelhados de tanto fumo e tanto canábis e, no meio de tudo aquilo, levantou-se a questão de eu não beber, nem fumar nem o diabo a quatro. Tenho, em rascunho, um texto escrito em cima do acontecimento - e muito a quente - sobre o assunto, que ainda vou pensar se publico. Esta é uma questão sobre a qual eu deixei de falar com as outras pessoas; sei que não vou mudar o mundo e sabia perfeitamente ao que ia. Mas se eu quase não posso questionar os outros por se drogarem, como é que os outros ousam sequer questionar-me pelo facto de eu não o fazer ou querer beber uma água, num sítio onde - pelos vistos - só fica bem beber álcool? É algo que me tira do sério e, por um triz, me estragou o dia. (De qualquer das formas, vale a pena anotar de que este acaba por ser um festival descontraído, onde é raro ver pessoas a cair de bêbadas ou em estados completamente fora de si - pelo menos até horas razoáveis da noite, daí a presença de tantas crianças). Mas os dias seguintes foram mais calmos e melhores, até porque me mentalizei de que paguei o bilhete e, como tal, estava de consciência tranquila sobre as horas a que entrava ou saía do festival e de tudo o que lá consumia (e sim, bebi água). Era uma escolha minha. E assim foi.
Fui sempre cedo - de forma a apanhar os primeiros concertos da tarde, que começavam às 17h - e voltei, no máximo, à uma da manhã. Ficaram muitos concertos por ouvir, é um facto, mas a verdade é que muitos deles não eram a minha onda. Este ano o cartaz era mais pesado, mais eletrónico e eu não sou propriamente fã de "barulho". Isso fez com que se acentuasse uma característica que eu acho que já era visível antes: o Primavera muda, literalmente, do dia para a noite. E eu adoro o festival de dia - da descontração, do sol, da calma, da música alternativa mas descontraída, de estar sentada na relva enquanto ouço algo que aprecio - e não gosto assim tanto à noite, onde já está tudo de pé, numa envolvência mais normal de "festival" e onde as drogas começam a ganhar terreno, o álcool começa a fazer efeito e, acima de tudo, onde a música é muito mais violenta.
Por falar em música, confesso que só conhecia Bon Iver. Comprei o bilhete muito antes de sair o cartaz e a verdade é que fui à descoberta. Ouvi algumas coisas antes de ir, só para ter uma ideia, e o padrão manteve-se: tarde muito fixe, noite nem sempre. A assinalar: Cigarrettes after sex, Rodrigo Leão&Scott Mathew, Whitney, Frst Breath After Comma, Sampha, Nuria Graham e, para mim, o melhor concerto (principalmente ao nível dos cabeças de cartaz) Metronomy. E perguntam vocês: e então Bon Iver? Não gostei. Não sou fã acérrima, conheço algumas músicas e às vezes ouço-as enquanto escrevo e trabalho - mas aquilo que aconteceu no concerto, ou pelo menos em grande parte dele, não era aquilo que eu conhecia dele: uma voz incrível, músicas calmas e bonitas. Foi uma cena algo conceptual, onde a voz dele estava irreconhecível e totalmente alterada e onde ele estava tipo DJ, com os seus phones nos ouvidos, quase a viver aquilo só para si próprio. Nem sequer percebi se o concerto tinha uma linha, uma história qualquer, mas para mim acabou por ser entediante. Para além do mais, era um concerto óptimo para ver sentado, porque aquilo não era dançável - mas, como muitos estavam de pé, todos o outros se levantaram e acabou por ser uma multidão de cabeças. Para quem acompanha os trabalhos recentes dele e gosta da sua veia mais eletrónica, acredito que não tenha saído desiludido - mas não foi, de todo, o meu caso.
Há muitas queixas, este ano, em relação à organização e eu também tenho algumas, mas não vos vou maçar com as coisas más. O festival tem crescido mas, infelizmente, não tem sabido muito bem acompanhar esse crescimento e, em alguns "pormaiores", isso notava-se. Só a título de exemplo posso dizer-vos que estive duas horas para ter a minha coroa de flores. Sim, leram bem, duas horas. E porquê que fiquei? Bom, já estava na fila e não me apetecia desistir a meio do caminho; o pensamento era sempre aquele de "isto vai andar" e, no fim, o ponteiro pequenino já tinha dado duas voltas certas.
Para mim, o melhor do Primavera é mesmo ter uma desculpa para sair de casa, ir ao Parque da Cidade (sítio que nunca frequento), estar com amigos e ouvir boa música de fundo. A verdade é que acaba por ser muito mais para além da música - e há muita gente que critica isso ("é só hipsters, nem sequer conhecem as músicas, é só para ver e serem vistos"), mas a verdade é que o Primavera é especial por tudo o resto que o caracteriza - as coroas de flores, a irreverência nas roupas, a presença de famílias, as mochilas com toalhas de pic-nic, a gigante praça da alimentação. Porque música todos têm, é isso que o diferencia. E, como está mesmo aqui à mão de semear, é uma óptima razão para sair de casa, descontrair e conviver - o que, convenhamos, é algo que faço muito pouco.
Este ano teve uma particularidade interessante: para a TVI, eu parecia ter mel. Na segunda noite, já estava meia KO e pronta para ir para a cama quando vejo o Pedro Teixeira - que, para quem não sabe, sempre foi a minha celebrity crush - perto de mim. Mando mensagem a uma amiga a dizer uma parvoíce qualquer sobre ele e, ainda não tinha eu acabado de a enviar, quando o vejo a vir na nossa direção de microfone em punho para nos fazer umas perguntas. Como não respondi aquilo que claramente era suposto ("O concerto do Bon Iver era aquilo que esperavas?", "Não..."), achei que a entrevista não ia passar - mas enganei-me, porque aproveitaram um bocadinho e tive, vá, uns cinco segundos de fama. Mas no dia seguinte, enquanto esperava pela minha coroa de flores, uma jornalista veio ter comigo, em pleno direto, para fazer umas perguntas sobre o festival. Logo depois recebi uma mensagem a dizer que tinha aparecido na "tebê" - o que tem sempre graça e foi motivo de galhofa até ao último minuto de festival.
Quando acedi a fazer um inquérito de satisfação sobre o festival, perguntaram-me que palavra usaria para o descrever. Sou uma rapariga de palavras e, das muitas que me surgiram, escolhi "especial". Porque este é, de facto, um festival diferente dos restantes. Tinha tudo para não o ser - por causa da música eletrónica em demasia, por me sentir tão "normal" ali no meio que até me sinto "anormal" - mas acaba por ser mesmo o meu festival preferido. E, apesar da neura de quinta-feira e de todas as razões que tenho para não ir, acho que não resisto a voltar.
E, como remate final... (o meu olhar embevecido fala por si #shameonme)