Eu quero viver fora da gaiola dourada
Desde que vi Narcos que gosto muito de ver documentários sobre narcotraficantes, as suas vidas e as inúmeras peripécias que passam (e que fazem os outros passar) para levar o negócio avante. Não faltam filmes e séries sobre o assunto - e como a televisão está quase sempre ligada no National Geographic ou no Odisseia, não é difícil ir deitando o olho em temas como este.
No outro dia estava a ver um documentário sobre o El Chapo e as suas inúmeras fugas. A certa altura mostram a casa segura em que ele vivia - um autêntico cubículo, com pouco mais do que aquilo que é necessário para viver (uma cama, mesa e cadeiras de plástico, uma mini-televisão) - e eu pensei: "para que raio é que um homem se preocupa em fazer milhões, ainda por cima ilicitamente, se depois tem de viver nestas condições?".
Para mim o dinheiro só faz sentido quando é para ser gasto - principalmente em coisas que nos fazem felizes. De que serve uma carteira recheada se estamos presos, se não somos livres dentro da nossa própria vida?
Poucos dias depois de ver o documentário, cruzei-me com um jogador do Porto num restaurante - a comer sozinho, com os auriculares nos ouvidos enquanto ouvia o resumo de uma partida qualquer de futebol. Só abriu a boca para fazer os pedidos. Tinha uma aliança no dedo - sinal de uma família dividida, que não vive com ele, e cujo fuso horário não ajuda à convivência. Nem um sorriso durante aquele par de horas. E eu voltei a perguntar-me: "para que servem aqueles milhões que eles ganham, a fama, os nomes nos jornais e as camisolas estampadas nas montras das lojas de desporto se depois vivem assim?". Ricos mas isolados do mundo.
Não é que isto seja uma coisa nova. Penso muitas vezes nesta questão de cada vez que vou a um popular restaurante, sempre a arrebentar pelas costuras, e vejo lá o patrão, a correr de um lado para o outro. "Isto é uma mina de ouro", comentamos. E deve ser. Mas muitas vezes não nos lembramos que as minas são, precisamente, locais fechados, onde nos encontramos encurralados e sem grande folga para respirar. Aquele homem pode ser alguém com os bolsos cheios, mas que trabalha de manhã à noite, com apenas uma folga semanal e com 15 dias de férias por ano. De que serve tanto dinheiro se não se pode ir jantar fora com a família - ou, tão simplesmente, jantar em casa com eles, sem o stress do trabalho? Se não se pode ir de férias a não ser na época mais popular do ano? Se nas datas especiais também tiveres de trabalhar? Para mim, serve de pouco.
O meu pai sempre me disse que, no que diz respeito ao trabalho (e mais propriamente aos negócios), o mais difícil é encontrar um equilíbrio. A gestão entre aquilo que ganhamos e a forma como usufruímos é muito, muito complicada. A quantidade de dinheiro que obtemos é normalmente proporcional ao trabalho que temos (e às responsabilidades que somos obrigados a acatar); chega uma altura em que o dinheiro é muito - até porque o tempo é tão pouco que as notas se vão acumulando, por falta de oportunidade para as gastar. Mas e usufruir? Qual é a razão principal para a qual trabalhamos?
Costumo dizer que este tipo de vidas estão enjauladas numa gaiola dourada. É tudo muito bonito, tudo pintado a ouro: mas as pessoas não deixam de estar por detrás das grades, presas dentro das suas próprias vidas, trabalhos e decisões. E se há coisa que eu sei é que não quero isso para mim.
Quero muito o sucesso da minha empresa. Aliás, luto e anseio pelo meu próprio sucesso - e, admito-o sem problemas, gosto muito de ter dinheiro na carteira e de não ter preocupações de maior. Mas espero perceber quando (e se), um dia, passar por esta ténue linha. Entender que já não estou a lutar para uma melhor qualidade de vida mas, pelo contrário, a pôr um pé na minha própria prisão. Porque nem tudo o que é pintado a ouro é bom. E porque uma vida livre e desafogada pode valer mais do que muitos milhões juntos.