O adeus a Pinto da Costa: uma figura cheia de contraditórios
Este blog anda assim, anacrónico. Está longe do que foi em tempos, sempre em cima do assunto, com textos escritos nos minutos seguintes aos acontecimentos; mas a verdade é que a minha vida está muito longe daquilo que eu alguma vez imaginei. É aceitar e continuar. Por isso, ainda que em contrapasso, venho aqui deixar umas palavras sobre Pinto da Costa.
Há pouco mais de um ano eu estava furiosa: as eleições para a presidência do Porto tinham sido marcadas num dos únicos fins de semana do ano que não passei em Portugal. Eu, que tinha as quotas em atraso e não planeava regulá-las tão cedo, paguei tudo o que tinha a pagar só para ir votar no Villas-Boas - e, quando lançam a data do sufrágio, já eu tinha a viagem para a Islândia marcada.
Lembro-me bem de estar em Vík quando saíram os resultados. A ver a RTP no telemóvel, festejei como se tivesse sido o meu partido a ganhar, porque queria muito que o FCPorto mudasse de rumo. Fiquei mesmo muito feliz. Sou portista desde que me conheço e embora esteja longe da minha fase mais "aguda", continuo a ser sócia e muito simpatizante do símbolo. Daqui a quatro anos recebo a minha roseta de prata, que muito me orgulhará.
Dito isto, é importante frisar que o facto de almejar um rumo novo para o meu clube não quer dizer que despreze tudo aquilo que foi feito no passado. E o passado do Porto - o recente, o médio e longo prazo - tem um nome: Jorge Nuno Pinto da Costa. E a sua presidência foi incrível e gloriosa, mas teria sempre de ter um fim. Há uns dias, a propósito do óbito do nosso eterno presidente, Rui Moreira dizia uma coisa tão verdadeira como interessante; não conseguindo parafrasear, foi algo como: "felizmente para mim [a propósito da presidência da Câmara do Porto], tenho um número limitado de anos em que posso estar no meu cargo, o que não acontece no caso do FCPorto". Continuou explicando que a permanência no cargo tira vida à instituição, assim como a capacidade de atrair novas ideias e pontos de vista, promovendo também coisas menos boas, que todos sabemos que existem em todos os cargos de poder.
Nunca poderei agradecer ao Pinto da Costa as alegrias que me proporcionou enquanto vencedora da Liga dos Campeões e de duas Taças Uefa, para além de campeonatos nacionais. O futebol tem esta coisa maravilhosa de nos dar alegrias só por uma bola entrar numa baliza. Mas a verdade é que o coração acelera e a dopamina se espalha pelo corpo de forma mágica... e isso é algo que só quem gosta é que sabe explicar. E tal não seria possível sem alguém com visão e ambição no poder e à frente do Porto.
Aquilo que eu gostava que se percebesse é que o facto de se votar pela mudança não é a negação da prestação incrível que Pinto da Costa teve enquanto presidente. Não são duas premissas que se neguem uma à outra - conseguem perfeitamente coabitar. Isto só não acontece em mentes quadradas e que não vêem o FCP como uma empresa, que precisa de ser gerida como tal, e não como uma associação de amigos em que os lucros são distribuídos e não declarados. Para além disso, o Porto também não é uma associação de geriatria: embora perceba que a perda do cargo possa ter impactado negativamente a saúde de Pinto da Costa, também sei que nunca seria benéfico para o clube ter alguém em fim de vida nos seus comandos. Porque a questão é: nós somos portistas ou Pintistas? Qual é o nosso objetivo máximo?
A falha capital do Pinto da Costa foi a sua saída. O verdadeiro capitão de um barco escolhe o todo em vez de si próprio; olha para as necessidades da organização em vez de observar as suas próprias vontades. E o Porto, que estava em risco de tanta, tanta coisa (financeira, de valores, de podridão interna) precisava de sangue novo - e que pena o Pinto da Costa ter posto o amor pelo seu lugar já tão desgastado acima do amor pelo clube! A ovação que recebeu deitado no caixão, em pleno Estádio do Dragão, poderia ter recebido em vida, enquanto um estádio inteiro lhe agradecia todos os feitos por ele conquistados. Pinto da Costa amava o FCPorto, mas também amava o seu lugar de poder, a sua influência e os seus "amigos" - e o tempo fez com que esta balança fosse ficando progressivamente desequilibrada. Por isto, creio que terá morrido um homem amargurado - algo que teria sido evitado se tivesse sido conduzido da forma correta a uma saída que teria sido colossal e merecida.
Quando recebi a notícia da sua morte fiquei triste - na verdade, até emocionada, com todas as homenagens prestadas. Porque estas discrepâncias são possíveis e existem, pois somos humanos e sentimos muitas coisas, às vezes até contraditórias. Pinto da Costa era um homem com uma eloquência e dom da palavra que eu admirava - mas usava-as muitas vezes no sentido e propósito errados. Pinto da Costa foi um presidente ótimo e histórico, mas precisava de sair ainda antes de ter saído. Pinto da Costa foi, de certeza, corrupto - mas deu mais ao clube do que alguém possa imaginar. Pinto da Costa é uma figura incontornável do futebol e até da sociedade, propulsor do FCPorto mas também do norte do país, pela capacidade que teve de levar o nome do Porto aos quatro cantos do mundo - mas também fez com que os portistas fossem conotados com uma série de adjetivos e ideias menos felizes e, quiçá, injustas para quem do FCP é adepto.
Eu teria votado no Villas-Boas (e todo este processo só fez ver que foi de facto a escolha certa para o clube), mas nunca desprezei o Pinto da Costa e todos os seus anos no meu clube do coração. Que, com a sua morte, se pare finalmente com uma cisão que ele infelizmente ajudou a criar e que não tem razão de ser: porque apoiar um candidato não é negar a grandiosidade de outro. Para um homem tão inteligente, falhou as aulas de lógica mais básicas de filosofia.
Pinto da Costa: a sua ausência será sentida mas o seu legado sempre lembrado. Mas o FCPorto continua - e esse, sim, tem de avançar. Siga!
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