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Entre Parêntesis

Tudo o que não digo em voz alta e mais umas tantas coisas.

18
Jun17

Quando as tragédias batem na porta ao lado

Não sei o que distingue os momentos que nos ficam a memória e aqueles que se esvaem como que água por entre os dedos, mas gostava muito de saber. Às vezes penso "quero lembrar-me disto até ao resto dos meus dias" e, no dia seguinte, já nem sei do que se trata; em tantas outra coisas normais, do dia a dia, a memória não pára de trabalhar e lembro-me dos pormenores mais insignificantes que possam existir. E depois há certos momentos que passam e que eu sei imediatamente que, bons ou maus, me vão ficar registados para sempre.

Lembro-me de um dia estar a ir para qualquer lado com o meu pai e passar em frente ao Hospital de São João, onde há um corrupio de ambulâncias constantes, onde o estacionamento é caótico e se vêem pessoas por todo o lado. Na altura, o meu pai disse-me que não gostava de passar ali. Lá íamos nós, na nossa vida, provavelmente a caminho de um restaurante ou simplesmente a passear; e ali, a meia dúzia de metros, estavam pessoas no mais puro dos sofrimentos - quer físico quer emocional, ora por serem elas próprias a estar na cama ou os que desesperam na sala de espera. Quando ele me disse isto eu soube que era uma das coisas que eu, mesmo que quisesse, não ia esquecer. Por ser tão real, tão duro, tão inevitável; por não podermos fazer nada para o alterar. Um dia somos nós, outro dia são os outros. E não podemos deixar de aproveitar os nossos momentos bons por outros, que não conhecemos, estarem a viver momentos maus - porque assim viveríamos numa infelicidade cíclica e viciosa que não tornaria o mundo melhor.

Agora, enquanto estou estendida numa espreguiçadeira a apanhar sol e a escrever isto, sei que está um país de luto e uma cidade devastada pelas chamas e por uma das maiores tragédias que todos já testemunhamos em Portugal. Ainda ontem, enquanto vinha para o Algarve, parei em Leiria para comer algo, mal sabendo que o pior estava por acontecer por aqueles lados. Mais uma vez passamos ao lado do mal, do inferno, do desespero e da infelicidade enquanto caminhávamos para algo de bom - tal e qual no hospital. E hoje, aqui deitada enquanto muitos lutam contra as chamas, outros perderam casas e familiares e 62 (até ao momento) perderam a vida, só me resta esperar o melhor. Vejo posts de lamento e consternação no facebook e penso "mais um", porque para nada servem as palavras quando o sofrimento mora ao lado e nada podemos fazer para o diminuir. Mas tal como todas essas pessoas, também eu sinto necessidade de dedicar uma palavra de pesar; ainda que ninguém leia, ainda que seja só mais um no meio de tantos outros que nem sonham o sofrimento que se deve estar a viver naquela terra. Ainda que sejam só palavras que não devolvem terra, casas ou vida e que, ao contrário do que quem lá está, venham de quem está hoje de bem com a vida.

Porque ela é mesmo assim. Umas vezes toca aos outros, outras vezes toca-nos a nós. E tudo o que podemos fazer - não estando no local, não conhecendo ninguém e estando só a ver de longe, ainda com a preocupação de quem se sente - é esperar o melhor e rezar que a vida seja branda até nas horas mais difíceis.

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