Pelo direito à torrada quente
Falar de direito não é a coisa assim mais cativante do mundo. Falo por experiência própria, que nas últimas semanas levei uma injeção valente no que diz respeito a esta temática (e em particular relativamente ao direito no trabalho).
Mas acho que nos direitos do homem falta um ponto fundamental, ao lado de todas aquelas coisas que nós já sabemos (a vida, o respeito, a liberdade, o repouso...): o direito à torrada quente.
Podemos discutir a sua pertinência, principalmente quando posta ao lado de assuntos tão importantes e delicados, mas admitamos: uma torrada bem quentinha, onde a manteiga derrete ao primeiro toque, pode ser um abraço bem quente numa noite fria; pode ser o nosso porto de abrigo quando nos sentimos sós; pode ser o nosso ombro amigo quando não temos amigos; pode ser o conforto de um estômago vazio e o êxtase das nossas papilas gustativas; pode ser um oásis no meio de um deserto. Uma torrada quente pode ser quase tudo neste vida.
E sim, eu disse quente. Porque uma torrada fria - aquela em que os dentes mal conseguem partir e em que espalhar a manteiga é quase barrar cimento em tijolo-burro - é quase tão mau como um coração despedaçado; é a chuva torrencial num dia de verão; é a noite de Natal passada na solidão.
Como tal, nunca devíamos ser privados de comer a nossa torrada quente, acabadinha de sair da torradeira. Nunca devíamos ter de ir abrir a porta que tocou no momento em que aproximávamos a dita à boca; jamais devíamos atender o telemóvel que toca na hora H; não devíamos ter de corresponder aos pedidos dos nossos pais e irmãos quando dizem “podes vir aqui ao quartooooo?”; não devíamos sentir-nos obrigados a agir de uma forma altruísta quando alguém nos pede “uma trinquinha”.
Comer uma torrada quente é, ou devia ser, um momento solene, meramente interrompido apenas e só em alturas de profunda urgência. Porque o derreter da manteiga não acontece cinco minutos depois; porque aquele “crunch” da primeira trinca não se repete se formos a algum sítio durante “uns segundinhos”; porque só vivemos uma vez e cada torrada quentinha deve ser apreciada como se fosse a última, mesmo que haja uma durante todas as muitas manhãs da nossa vida.