Para fechar este triste capítulo
Foi a primeira pessoa próxima que me morreu. Uma situação que se arrastava desde Agosto, numa degradação galopante e aflitiva, que nos desgastou a todos como nunca pensei. Como uma borracha que, de tanto afagar o papel, chega ao fim. A diferença é que a borracha não sofre, não chora, não se chateia, não se irrita, não fica impaciente, não tem de lidar com a dor. A borracha, por ser precisamente uma borracha, não sabe que o fim se aproxima. Mas nós sabíamos.
Penso simplesmente no alívio que sinto e que partilho com aqueles que estavam a sofrer o mesmo que eu. E aqui inclui-se a minha avó. Não sou uma pessoa religiosa, não sei se a sua alma está no céu ou se há mais para além disto. Mas sei uma coisa: é difícil estar pior do que estava em terra. E talvez em breve estas últimas imagens terríveis se esvaiam da minha memória e o sentimento de culpa se apodere de mim, devido ao alívio que senti quando soube que partiu - porque sou uma novata disto das mortes e tudo mexe comigo de formas que não sei descrever. Mas a única solução para isto é ir vivendo, lidando e respirando. Porque tudo passa. E porque sei que nada fiz de errado e que a vontade de não ver sofrer quem amamos se sobrepõem, às vezes, à própria vida.
Foram 90 anos de uma vida muito bem vivida, muito viajada e, daquilo que conheço, muito feliz. A mim deu-me 19 anos de carinho, com muitos mimos para a sua neta caçula. Guardo no coração aqueles momentos em que me passava pequenas prendas por debaixo da mesa para o meu avô não ver e quando me estendia a mão para a apertar, mesmo já no fim de vida. Do seu sorriso, do seu cabelo sempre tão bem arranjado e do hábito de pintar os lábios sempre depois das refeições, de uma cor bem viva, algo que herdei. E da preocupação constante, ora com os meus exames, ora com os tubarões que andavam no mar algarvio e que, andando lá eu, me poderiam morder.
Acaba-se assim mais um ciclo. Penso que a minha avó teria gostado de ver a sua família junta, tanto na capela como no seu funeral, a que tantas pessoas assistiram. Pessoas que, conhecendo-a mal ou bem, só queriam o melhor para ela e sabiam da garra de que era feita. Serviu esta ocasião para eu conhecer primos que mal sabia que existiam e trocar palavras com todas as pessoas e conhecer um bocadinho melhor uma família que nem sabia que tinha, mas que gostei muito de conhecer.
Resta-me agradecer a todos os que, por aqui, via facebook ou mensagem me enviaram as condolências e se preocuparam em me dizer algumas palavras de conforto. E à minha família (à que conheço, tão bem!), que apareceu em peso para me dar abraços tão apertados, e que mesmo nestes dois dias super gelados me aqueceram - literalmente - como nunca.
Acabo estes dois dias de perda com o coração cheio, de consciência limpa e com a certeza de que, mesmo não presente fisicamente, a minha avó me influenciará até ao resto dos meus dias, por tudo aquilo que tão bem implantou em mim.