O que penso sobre a casa dos youtubers e os vídeos dos seus moradores
Eu acho que é impossível que quem tenha filhos, primos, sobrinhos ou irmãos com idades compreendidas entre os seis e os 14 anos nunca tenha ouvido falar do Wuant, do Windoh, do Ovelha Nigga, do Gato Galático ou, de uma forma geral, da casa dos youtubers. Eu aqui em casa - creio que como todos os adultos - recebi um tratamento de choque: berros, asneiras e muitas gargalhadas um tanto ao quanto irritantes vindos das colunas de computadores alheios. Entretanto a exposição mediática desses youtubers, em grande parte devido à casa onde passaram a viver, já fizeram o trabalho de os mostrar ao público em geral. Ou seja, suspeito que, de uma maneira ou de outra, já devem ter ouvido falar sobre eles.
Aliás: provavelmente já ouviram dizer mal deles, que é o que mais se faz por aí. Somos todos peritos a criticar, mas a fazer... nem por isso. Porque apesar de eu não achar graça ao conteúdo deles - e sim, falo com conhecimento de causa, porque tenho ouvido demasiadas vezes "COMO É QUE'É MEUS PUTOS, DAQUI É WINDOHHH" e coisas que tais, para poder escrever este post - sou capaz de apreciar o trabalho que está por detrás de toda aquela palhaçada ou "trollagem", como eles gostam de chamar.
Para mim há, naqueles vídeos, um conflito de valores. Primeiro os que estão à vista de todos, os preocupantes: que é fácil ter uma vida desafogada, que se compram facilmente sapatilhas de mil euros e carros de alta cilindrada, que é fácil sair de casa dos pais para ir viver com os amigos numa "mansão", que se podem ter ações inconsequentes sem pensar nos resultados finais (exemplo: pôr super cola na cara de alguém sem antes ter pesquisado como se tirava o produto da pele) e que é prudente deixar de se investir na formação para viver de um canal do youtube sem ter um plano B. E depois os valores subjacentes, esses sim com importância: que é o trabalho que lhes proporciona aquela vida, aquela fama, todas estas oportunidades. O problema é que o que está à vista de todos acaba por ser, para quem vê (crianças maioritariamente), o principal, porque não há maturidade suficiente para se perceber os valores implícitos. Para os putos, aquilo é o trabalho mais fixe de sempre! O meu sobrinho mais velho, por exemplo, queria ser experimentador de colchões (eu sei, eu sei...). Agora? Quer ser youtuber. Porquê? Primeiro porque acha que lhe vai dar tanto trabalho como andar a saltar para os sítios onde as pessoas dormem - erro crasso! -, segundo porque acha que mal crie um canal lhe vai logo sair um Audi XPTO na rifa. Nem ele nem a maioria sabem o trabalho e as horas que aqueles miúdos passam entre filmagens e edições - e também não fazem noção do tempo (os anos!) que eles passaram a fazer vídeos sem likes, comentários ou putos a berrarem-lhes à porta.
Se calhar estão a ler este texto de sobrolho levantado e pensar "esta miúda está mesmo a defender aqueles energúmenos?". Pois, eu sou assim, tento sempre ver o outro lado da moeda - e acho que, como em tudo na vida, isto não é uma questão linear. A única coisa que defendo nestes vídeos - e que absolutamente ninguém pode negar - é que aquilo dá trabalho. Lá por eles se estarem a divertir e a fazer asneiras de forma consecutiva, não quer dizer que depois não passem horas em frente ao computador para fazer aquilo resultar e passar os vídeos para algo "comestível" e visualizável, com todos aqueles pózinhos de perlimpimpim que aparentemente fazem daqueles canais um sucesso. As pessoas "normais" não sabem as horas de edição que estão por detrás daquilo - como não sabem o trabalho que dá escrever diariamente para um blog. São coisas camufladas como hobbies, como algo ligeiro para quem as faz, mas para além de já ser o trabalho para algumas pessoas em Portugal (caso deles), requer muitas horas de dedicação e empenho.
Mas isto não quer dizer que eu apoie aquilo que eles fazem e muito menos os valores que eles lá transmitem. No outro dia o meu queixo bateu no chão quando ouvi o Windoh, num vídeo filmado no seu quarto de hotel no Brasil, a dizer: "este quarto está mesmo muito desarrumado, tenho de chamar a senhora para o vir limpar". Mexeu-me com as entranhas. Elas já estavam remexidas ao ver o estado caótico daquele quarto, com lixo espalhado pelo chão, misturado com roupas sujas e lavadas - roupa interior incluída -, mas quando me apercebo que ele ia chamar uma criada para o limpar, toda eu fiquei revoltada. E preocupada. Porque percebo que é daqui que vêm algumas das mentalidades dos meus sobrinhos e de tantos outros miúdos. Coisas que já deviam ter ficado no século passado e que estão a ser alimentadas por miúdos com uma noção de respeito e educação muito diferente da minha. E isto sim, é alarmante. Mais do que os berros, mais do que as asneiras, mais do que as expressões horríveis como "bem poddddddre". Aquilo com que devíamos estar preocupados são os valores ali transmitidos que, infelizmente, ultrapassam os do trabalho e da dedicação.
Foto: Visão