Nunca é um bom dia para um fim
Eu era para ter sido uma miúda das ciências. Segundo aquilo que desejava com dez anos, por esta hora, devia estar num curso de engenharia, a saber programar e fazer javascript com uma perna às costas; devia ter como colegas uma população maioritariamente masculina, devia ter estacionamento gratuito na FEUP. Mas não. Descobri a escrita e não quis outra coisa na vida.
Comecei a escrever para acalmar a alma, num período em que precisava disso. Por ter sido (ou estado) sempre sozinha, por ter muita dificuldade em partilhar o que quer que seja com alguém (muito mais quando se tratam de coisas íntimas), percebi que escrever era uma boa terapia, uma vez que fechar tudo dentro de mim não era uma hipótese plausível. Serviu o seu propósito na altura. Passaram seis anos e eu quase que sou outra - quer dizer, passei de uma adolescente para jovem adulta, alguma coisa tinha que mudar (mau era!). Mas até o meu propósito de escrita mudou.
É, claro, uma formula diária para desanuviar. Mas é, acima de tudo, um treino: faço questão de escrever todos os dias, sobre o que quer que seja, para não perder a desenvoltura. Eu posso não saber o que vou fazer amanhã ou quais são os meus objetivos a médio prazo, mas sei que quero uma coisa desta vida: escrever, escrever muito - livros, acima de tudo. E, para isso, escrever muito, todos os dias, como se de um trabalho de casa se tratasse, é prioritário.
Mas a verdade é que, apesar de escrever muito e de - felizmente - arranjar muito sobre o que escrever, muitas vezes não escrevo sobre o que preciso. "Acalmar a alma" já não é possível aqui, onde sinto que todos me lêem (não é verdade, claro, mas é a sensação que tenho). Quando o faço (exemplo de há um par de dias atrás, neste post), cai o carmo e a trindade porque as pessoas não estão habituadas a essa minha faceta - ficam preocupadas, acham que me vou atirar da ponte ou viver desconsolada toda a vida. Mas são estes os pensamentos que vivem dentro de mim, todos os santos dias. Posso não os escrever - o que me faz falta - mas eles estão cá.
Hoje já sinto um compromisso para com aqueles que me lêem - sei que vêm cá, esperam um post decente e sinto uma responsabilidade para não defraudar as expectativas. E isso é bom e mau. Tenho a consciência de que, se por um lado, penso muito nos textos que escrevo, por outro não percebo a forma como as pessoas os interpretam e analisam, e as conclusões que tiram. Se calhar acabam por me conhecer melhor do que aquilo que eu espero e quero e isso, admito, assusta-me. Assustam-me também as decisões que tomei sobre a exposição que dou a mim própria - aquilo que conto, aquilo que deixo de contar, o facto de mostrar a minha cara. Eu já percebi que leio blogs de uma forma muito superficial, mas há muita gente que não - e todo o ritual de as pessoas lerem os posts, tentarem ler as entrelinhas, lerem os comentários, tentarem decifra-los... cheira-me tudo a voyerismo, provocado por mim (ou por outros bloggers), muitas vezes de forma não intencional.
O reconhecimento também me assusta. Primeiro porque não sei lidar com ele, segundo porque tenho algum receio das consequências que isso acata. Penso muitas vezes: "tens vinte anos, meteste-te nisto quando tinhas catorze... achas mesmo que tens pedalada para aguentar isto? Achas que tens estofo? Achas que tens capacidade de encaixe?". E apesar de me considerar muito madura em algumas coisas, a resposta é quase sempre não. Não acho. E apesar deste blog me ter trazido milhentas coisas boas, essa nuvem paira sempre sobre mim, como que em forma de aviso.
Nunca deixarei de escrever. Só não sei se será aqui. Como deseja o meu pai, o objetivo final é o Nobel ("e nunca menos do que isso!"). Quando um dia publicar - e tenho lido muito, tenho pensado muito, tenho percebido seriamente como quero mesmo que isso aconteça -, aí sim, terei de me sujeitar à crítica, aos malucos, ao reconhecimento, às opiniões boas e más. Até lá, não sei se é melhor respirar, voltar para os blocos de notas (gastar as dezenas que tenho por aí guardados) e, ao invés de escrever "comercialmente", como aqui faço, escrever para mim, como antes fazia - e, pelo meio, ir treinando o início de um livrito ou outro.
As férias fazem-me muito mal (e estas, então, estão a corroer-me por dentro). Em média, há sempre duas vezes ao ano em que me apetece parar de escrever aqui. Hoje é o dia.
Hoje pode ser O dia, embora nunca seja um bom dia para um fim.