Nos Primavera Sound
Ontem à noite, quando cheguei a casa, senti-me como que a voltar de férias, com aquela sensação de tristeza de que algo acabou mas com a alegria imensa de ter voltado. É estranho para mim estar tantas horas sem vir a casa, sair tão cedo e chegar tão tarde; dizer aos meus pais "até amanhã" logo a seguir ao almoço. Mas fez-se e foi muito bom. Foi mais um passo para, dentro daquilo que sou e quero ser, sair de dentro da caixa e da minha zona de conforto.
Aquilo que eu tinha de fazer era muito simples: controlar a entrada dos fotógrafos no fosso (o espaço entre o público e o palco) e os canais de TV e rádio na régie. Cada banda tem as suas restrições - umas deixam fotografar, outras não, outras deixam filmar, outras só as duas primeiras músicas, outros só os primeiros 90 segundos... e cabia-nos a nós fazer cumprir todas essas ordens. A nós e aos seguranças - o pessoal mais fixe do festival. Sempre simpáticos, sempre prontos para ajudar - a minha companhia e ajuda enquanto estive no fosso a acompanhar os concertos. Podiam ser os típicos "brutamontes" com cara de maus, mas eram super galanteadores e queridos comigo.
Isto quer dizer que metade dos concertos que se passaram nos dois palcos principais... eu estive lá, ali ao ladinho, a fazer de polícia enquanto ouvia e via o concerto num lugar exclusivo. Gostei mesmo muito, mas os meus tímpanos e o meu corpo não concordaram. No primeiro concerto que fiz, achei que ia morrer com o impacto das colunas e que tanta vibração ia dar cabo, literalmente!, do meu coração. Mas sobrevivi.
Serviu também para conhecer outras bandas, para mim desconhecidas, para além daquelas que queria ver. Mac DeMarco, apesar de não ser a minha onda, foi divertidíssimo; Banda do Mar (que vi na relva, sem trabalhar) transpirou boa onda; Belle and Sebastian foi super giro, com imensa interação com o público e com músicas muito bem dispostas; Foxygen, embora seja um estilo de música também fora do meu espectro, foi super divertido (embora, por momentos, tenha achado que o vocalista tivesse tomado uns ácidos antes de subir ao palco, de tão elétrico que estava - o que acabou por tornar tudo ainda mais divertido); Damien Rice, o último concerto que fiz e o que tinha mais restrições, foi muito... romântico e especial; e por fim, mas não menos importante, Antony and the Johnsons. Foi incrível. Inacreditável. Ver uma orquestra a tocar num festival já é estranho... mas ouvir tocar uma orquestra, com uma voz daquelas por detrás, e sentir que toda a gente naquele recinto se calou para ouvir... foi mágico. Achamos sempre que o barulho, os gritos e as vozes é que têm poder... mas claramente que subestimamos o silêncio. Todo o meu corpo se arrepiou naquele momento - e quase na hora e meia a seguir. As imagens que passavam por detrás eram estranhas, meias tétricas, mas completavam todo aquele cenário na perfeição. Vi muito boa gente a chorar copiosamente - e eu admito que me apeteceu fazer o mesmo. De uma forma estranha, foi o concerto que mais gostei e que, sem dúvida alguma, mais me marcou.
O ambiente do festival é todo muito cool e descontraído, o que me agradou imenso. Adorei estar sentada na relva, com a minha toalhinha amarela aos quadrados, a ver os concertos; adorei o equilíbrio das pessoas, o facto de não ter visto grandes excessos (que é como quem diz pessoas a caírem de bêbadas, em coma alcoólico ou a vomitarem pelos cantos); adorei as comidas (vou manter para mim a quantidade de pães com chouriço que comi) e da imensa escolha que tínhamos - particularmente daquelas pipocas, literalmente as melhores que comi em toda a minha vida; adorei todo o conceito de diferenciação do festival, das coroas de flores que ofereciam e de todos os detalhes tão bem pensados, em cada pormenor; e também adorei o sentimento de segurança generalizado - andei muito sozinha e foram raros os momentos em que me senti menos segura. Só me faltou mesmo uma companhia constante... mas é a vida.
Como é óbvio, também foi marcante o facto de ter, pela primeira vez, uma pulseira que diz "press" no pulso. Hoje em dia já não sei bem o que quero para o futuro (quer dizer, sei o que não quero - e jornalista está logo nos primeiros nomes da lista), mas foi algo muito especial para mim entrar numa tenda gigante dedicada à imprensa e dizerem-me "este espaço também é teu". É estranho ter acesso a um sítio destes, é estranho ir pela primeira vez na vida a um festival e estar num local "exclusivo" como o fosso. É estranho entrar no festival por uma fila diferente da do "comum dos mortais". É estranho, mas muito bom, à semelhança de muito do que se tem passado na minha vida nos últimos tempos. Tem sido uma fase muito especial e feliz para mim e estes três dias de festival enquadraram-se na perfeição neste quadro que tenho vindo a pintar. Foram diferentes. Foram Fora da Caixa.
Mas agora está na hora de voltar a casa. E aqui também estou bem.