Miúda do rio com cheirinho a maresia
Sempre achei que era no mar que eu tinha as minhas respostas, o meu sossego, a minha serenidade, a minha inspiração. É lá o meu pôr-do-sol idílico, é o som das ondas que finjo ouvir quando pego num búzio e o aproximo da orelha e é na fotografia da minha praia, escondida no meu porta-moedas, que nos dias difíceis eu arranjo forças para continuar. É o sal da água do mar que me sobe a tensão o suficiente para me manter viva durante todo o ano, é a sensação dos pés na areia que me dá as massagens que preciso e é o sol que me desfaz os nós nos músculos e que me enche a auto-estima, em forma de pele cor-de-chocolate e sardas por todo o nariz.
Foi sempre a praia que me restabeleceu energias, que me transmitiu esperanças e forças. Ainda é. Mas entretanto descobri o rio.
Andava aqui a pensar porque é que me apetece tanto ir acampar - quando não se pode dizer que eu seja uma adepta insaciante da natureza, e muito menos de casas de banho partilhadas - e percebi que para além das saudades do café da manhã, do barulho das sigarras ao adormecer e de poder contar infinitamente o número de estrelas do céu, aquilo de que sinto falta no campismo é do rio e do seu silêncio. Isto porque desde que há três anos para cá comecei a acampar, escolhi sempre sítios do interior, com rios, lagoas, praias fluviais e barragens, fugindo sempre do litoral. E de cada vez que vou apaixono-me sempre mais um bocadinho.
Adoro o mar: amarei sempre o barulho das ondas, a areia, o sal na pele. Mas mar e praia - e litoral, de uma forma geral - são sinónimo de gente, de cidades grandes (ou maiores), de um permanente ruído de fundo. Falta calma. Falta ar puro. Falta silêncio. Silêncio que só percebemos que existe quando saímos das zonas mais densamente populadas e vamos para o interior despovoado. Esse é um silêncio diferente, devia até ter outro nome. É outro nível. Está à escala da paz interior.
A epifania deu-se este fim-de-semana, quando fui a Baião, onde comi como uma lontra esfomeada (por um preço que, aqui na cidade, mal daria para me sentar num restaurante decente) e depois me refastelei a ver o Douro passar, enquanto ouvia o silêncio. Percebi que, à medida que os anos passam, sou cada vez mais uma miúda de rio. O frio que me percorre a espinha quando salto lá para dentro faz-me sentir viva e o silêncio de tudo aquilo que não ouço casa perfeitamente com a solidão que vive todos os dias em mim. A calmia do rio - ou aquilo que é o meu imaginário de rio (dispenso o Tejo populado, o Douro da Ribeira ou o Leça todo poluído) combina comigo. Penso também em toda aquela comida tradicionalmente deliciosa e naquelas vilas, tão pequenas como lindas, e percebo que tudo faz sentido. Por dentro, sou mesmo uma velhinha de 82 anos, daquelas que gosta de ir comprar o pão caseiro à mercearia onde nos tratam pelo primeiro nome, que acorda às sete da manhã sem despertador e que faz bolos por amor.
Só sou miúda por fora. Por dentro, tenho o silêncio do rio e o cheirinho a maresia.