La Casa de Papel: pormenores de papel numa história de ferro
Troquei Narcos pela Casa de Papel. Já aqui o confessei: não me dou bem como info-excluída. Estou habituada a ser uma outsider em tudo, mas no que diz respeito à cultura gosto de saber do que se fala e ter também a chance de mandar palpites e meia dúzia de bitaites. E falava-se tanto e tão bem desta série espanhola que eu - por agora - troquei o castelhano "acolombianado" do Narcos (só me faltam uns cinco episódios) pelo espanhol serrado de nuestros hermanos. E fui com as expectativas mesmo muito elevadas. Talvez por isso tenham caído um pouco por terra.
Acabei ontem de ver a primeira temporada - foi quase cronometrado, mesmo a tempo de ver a estreia da segunda, que está a partir de hoje no Netflix - e fiquei desiludida. Isto porque acho que quase tudo na vida se torna muito bom devido aos detalhes - quando eles estão lá e estão bem, nós nem damos por eles; quando eles falham, por vezes tornam-se “pormaiores”. E acho que há muitos detalhes que faltam nesta Casa de Papel, uma série com uma bela ideia original mas que peca por pequenos erros de execução e de lógica que me custam a engolir. Para mim, tornam aquilo que poderia ser uma série de excelência numa boa série; fica uma história de ferro um bocadinho fragilizada com os seus detalhes pobres e maleáveis como o papel. Acredito que muito daquilo que eu reparei passe em branco para os outros: ora porque estavam mais interessados ou concentrados na trama principal, ora porque não estão para pensar muito, ora porque não estão suficientemente atentos para os notar. Eu ia com as expectativas em alta e a partir do momento em que reparei na primeira “falha”, fui engatando nas outras todas.
Quero, no entanto, dizer que isto são “falhas” para mim - já tive esta discussão com pessoas que menosprezavam completamente os detalhes que a mim me fizeram comichão. O problema para mim está no facto desta série ser (em teoria) uma representação da realidade: existe a casa da moeda, existem assaltos onde há reféns. Ou seja, é algo feito “neste mundo”, o que implica que exista alguma coerência e coesão na construção da história e dos seus detalhes. Eu não ouso criticar Game of Thrones, Harry Potter ou os Hunger Games, tão simplesmente porque os autores podem dizer “mas foi assim que eu imaginei”. São coisas irreais. Todos sabemos que não há dragões, que as vassouras não voam e que não vivemos em Panem. Eles podem fazer o que quiserem. Por isso é que se distingue a ficção do fantástico - uma coisa é uma interpretação da realidade, outra é a criação de uma realidade completamente diferente!
---- PARTE COM SPOILERS -----
Isto tudo para dizer que não acho compreensível alguns erros objetivos (como quando a Alison aponta uma arma - descarregada - ao Rio e “carrega-a” com o que diz ser a última bala que estava na câmara... mas se estava na câmara, ela não tinha de a puxar para lá) e muito menos algumas cenas sem lógica. Dou dois exemplos: o Arturo é alvejado por um sniper por estar a apontar uma arma à cabeça dos reais sequestradores. Pena a arma ser... de plástico. E ele sabia-o. A cena ainda é demorada (a polícia estava naquele vai-não-vai) e ele ali continua, a “ponderar” dar-lhes um tiro com uma arma que não funciona. Oi?! Por muito desesperado que estivesse não cometeria esse erro. O "Arturito" é provavelmente a personagem mais irritante de toda a série; supostamente é uma personagem complexa mas é nele que encontro mais incongruências de personalidade (por um lado é um fraco, mas depois faz-se de valente, andamos sempre nisto...).
Um outro exemplo, e mais berrante, é a última cena da primeira temporada. A menos que as coisas mudem de figura e isto faça parte dos planos do Professor - e espero mesmo que sim - acho ridículo ele ter deixado a casa com tudo lá dentro, cheia de provas até ao tutano. Estamos a falar de um gajo que pensou em TUDO ao pormenor, que planeou cada movimento da polícia, que sabia tudo o que iam fazer e teve um cuidado meticuloso ao descartar todas as provas... mas deixa tudo na casa, à mercê de quem aparecer? Mesmo que este golpe da polícia não estivesse pensado por ele, a forma como construíram esta personagem não coincide com este ato totalmente ilógico e descuidado da parte dele. (Edit: entretanto já vi a segunda temporada, mas para todos os efeitos continuo a deixar o exemplo aqui).
---- FIM DE SPOILERS -----
Acho as personagens bem construídas e complexas o suficiente para dar sumo à série, mas isso às vezes leva às tais incongruências que falei acima - sentimos que já começamos a conhecer aquela pessoa e, do nada, ela tem uma ação completamente diferente daquilo seria de esperar, por tudo aquilo que nos foi mostrado anteriormente. E para encerrar este capítulo de críticas, resta-me acrescentar que há cenas desnecessariamente longas: não sobre o assalto em si, mas sim sobre as histórias paralelas. Acho que, para uma mini-série, tudo tem de ser medido com muito cuidado para não ficar desproporcional - e às vezes, para além da dimensão pessoal de cada uma das personagens ganhar uma importância muito grande, passam-se minutos a ver coisas que já se tinham percebido à partida.
E agora passando à parte boa e óbvia: a série é absolutamente viciante, senão não tinha o sucesso que está a ter. Muitos dos episódios terminam em cliffhangers e às vezes, por muito sono que tenhamos, não temos alternativa senão ver o próximo. Nesta ótica, a série está muito bem pensada e construída - ao ponto de mesmo quem está um bocado irritado por todos os "errinhos" e "falhas" que acima mencionei, continuar a ver aquilo como se não houvesse amanhã. As reviravoltas constantes, a emoção e (eu diria mesmo) o desespero para saber se tudo vai resultar prende-nos sempre ao ecrã. Ponto muito positivo também para a fotografia (belos contrastes entre os cinzentos e os vermelhos) e para a banda sonora. Entre a "My life is goin on" e a "Bella Ciao", poucos sairão do sofá sem cantarolar aquilo que por lá se ouve.
As personagens são empáticas e carismáticas, principalmente os assaltantes. Alguns dos reféns sofrem do mal dos clichés e algumas fragilidades, mas todas as personagens conseguem arrancar-nos algum sentimento - quer seja pelo lado positivo como negativo. E, como dizia o outro, não importa o que sentes - o que importa é que sintas algo. E, vá lá, vamos à pergunta que se impõe: qual é a minha personagem preferida? É difícil escolher entre a Nairobi e a Tokyo, não consigo... E o fofinho do Rio? Não dá. Mas digo-vos: aquele corte de cabelo da Tokyo está a tentar-me seriamente...!
Por fim, dizer que é óptimo estarmos todos a alargar os nossos horizontes a uma série que não é americana, onde não se fala inglês e que, ainda para mais, é feita aqui tão perto - dá-nos a noção de que não é preciso atravessar o Atlântico para se ver e fazer coisas de qualidade. Concluo com aquele que, para mim, é um dos pontos chave da série: ela põe-nos a torcer pelos maus da fita! Aposto que não há ninguém que a veja e que torça pela polícia. É impossível! Agora resta saber se eles se safam.
Vou ali ver à Netflix e já volto.