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Entre Parêntesis

Tudo o que não digo em voz alta e mais umas tantas coisas.

10
Out17

Há um equilíbrio possível entre o turismo e as gentes da cidade?

O meu facebook está inundado com uma notícia sobre um alfarrabista portuense que foi despejado do local onde estava há quase duas décadas, na Rua das Flores, aqui no Porto. A razão? O prédio foi vendido e querem pô-lo fora para fazer render o peixe. Para quem não conhece, a Rua das Flores é atualmente uma das mais movimentadas da cidade, cheia de lojas, restaurantes, bares e tasquinhas - a maioria vocacionadas para turistas, como é óbvio. É uma rua pedonal que, como quase todas as ruas, estava deserta há pouco mais de cinco anos. Hoje em dia desenvolveu-se de tal forma que, por vezes, não se consegue andar normalmente sem atropelarmos meio mundo e a calcarmos outro meio.

Há duas posições que quero deixar aqui claras: a primeira é a minha "admiração" perante um feed de facebook tão culto e intelectual. Eu não conheço o alfarrabista em questão, mas aparentemente toda a gente o conhece - ou, pelo menos, finge que conhece (esse e muitos outros...)! A verdade é que eu, que adoro livros, raramente entro em lojas deste género - não sei bem explicar porquê, mas sinto que há um maior sentimento de pertença por parte dos donos e por isso sinto-me um pouco "vigiada", não sei explicar. Por outro lado também sinto que está tudo mais apertado, é mais difícil encontrar o que quer que seja, por isso desisto com facilidade de encontrar algo que me agrade. Ou seja, surpreende-me que eu, que gosto de ler, não conheça estes sítios mas metade do facebook sim. Mas ainda bem, é sinal de que somos todos muito cultos e que queremos que a cidade continue super intelectual (cof cof cof).

A segunda questão que quero deixar evidente é que, como é óbvio, não apoio este tipo de atos. Tenho muita, muita pena que o comércio local esteja a desaparecer e a dar a vez a lojas de souvernirs, Nut's e coisas do género - porque eram essas lojas que também faziam do Porto, o Porto e o seu desaparecimento é também o esquecimento de uma identidade muito própria e muito nossa, com a qual me identifico quando digo que sou "uma mulher do norte". Mas a hipocrisia que se vive nas redes sociais é coisa para me irritar. Porque a verdade é esta: se o alfarrabista em questão fosse um sucesso, se vendesse imensos livros, não tinha de sair, porque provavelmente conseguiria pagar a renda pedida pelos novos donos - ainda que seja provavelmente absurda, dado os preços impossíveis que se praticam hoje em dia na cidade.

Mas não vende. Porque nós queremos as lojas lá, porque são bonitas, porque fazem parte da nossa identidade, mas não as apoiamos, não compramos lá coisas - e eu contra mim falo, como se leu acima. Porque nós somos práticos e preferimos mandar vir os livros da net, onde muitas vezes podemos ler o primeiro capítulo do livro que nos interessa sem estarmos a ocupar o corredor de uma loja e ter a obra em mãos em dois dias úteis sem termos levantado o rabo da cadeira. Porque nós adoramos as lojas de ferragens ali na zona de Ceuta, mas quando precisamos de uns parafusos vamos ao Leroy Merlin, onde até aproveitamos para comprar o tapete da casa de banho que fazia falta. Porque nós achamos imensa graça aos joelheiros na baixa do Porto, mas quando precisamos de um anel para oferecer às nossas mães vamos ao NorteShopping porque há mais variedade. Porque nós gostamos imenso daquele tasco na Rua dos Caldeireiros, mas arranjar estacionamento lá é uma loucura e por isso preferimos ir ao Madureira's que oferece o bilhete do parque lá ao lado. Porque nós simpatizamos com a senhora da frutaria ali ao pé do trabalho, mas esta semana o Continente está com 15% na secção de fruta fresca por isso temos de ir aproveitar. Porque aquelas lojas de artigos em segunda mão na Rua do Almada também têm boas pechinchas... mas para quê comprar um armário que ainda vamos ter de lixar, limpar, pintar e envernizar quando podemos comprar um no IKEA pelo mesmo preço? 

É muito fácil criticar o estado, o governo e as políticas quando somos incapazes de olhar para o nosso próprio umbigo. As coisas não acontecem por acaso e a evolução que estamos a assistir não aconteceu só graças aos estrangeiros, mas também por nossa causa. As gerações mudaram, as necessidades e os hábitos são outros. Nas redes sociais e nos blogs pede-se mudança, uma política que proteja os habitantes das cidades - e, meus amigos, eu compreendo e concordo! Principalmente quando demoro meia hora a percorrer um quilómetro de carro na baixa, só porque a afluência de turistas a passar nas passadeiras é de tal forma que não dá folga para os veículos circularem. Mas não se pode ter tudo. E eu acho que, neste caso em particular, não há um equilíbrio - havemos de ter passado por ele no meio de todo este processo, mas há muito que a balança se desequilibrou. Porque isto é um ciclo vicioso difícil de quebrar: o turismo gera emprego, algo que nós precisamos de como pão para a boca; o crescimento do emprego faz dinamizar a economia, que por si só atrai investimento e por aí fora. E o dinheiro, como quase sempre, está primeiro que as pessoas. É "apenas" o mal estar de alguns, enquanto muitos outros esfregam a barriga de contentes. E enquanto forem mais os que estão contentes do que aqueles que são despejados, que são obrigados a ir viver nos suburbios ou os que não conseguem dinheiro para uma renda, as coisas vão continuar assim. 

Eu amo a minha cidade e adoro vê-la dinamizada - já disse aqui várias vezes que me lembro de ver o Porto morto, deserto e de ficar triste ao ver aquele cenário. Mas sabem: mesmo aí, as coisas estavam prestes a fechar. Porque nessa altura, nem nós comprávamos no comércio de rua, nem os turistas - porque eles simplesmente não existiam. E por isso é ainda mais difícil comparar esses tempos com os atuais, decidir o que é melhor para nós enquanto habitantes.

O ideal era ter o melhor de dois mundos: sermos o melhor destino Europeu, mas impedir grandes franchisings de vir para cá ganhar dinheiro; aumentarmos a qualidade de vida, mas não sermos confrontados com rendas e preços impraticáveis dentro da nossa própria cidade; mantermos vivo o tradicional, mas preferindo usufruir das novas tecnologias e do conforto. Mas, para já, os milagres ainda não existem. E uma coisa é certa: todo este problema não se vai resolver enquanto olharmos para ele com olhos hipócritas, como todos nós não estivessemos também a usufruir ou a contribuir - um bocadinho que seja! - para este fenómeno.

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