Eu não quero ser como a Kodak
Escrevo porque gosto. Também escrevo porque acho que tenho jeito - e fazer coisas que nos saem bem naturalmente é meio caminho andado para gostarmos de algo, não é? Mas a verdade é que nos últimos anos perdi o hábito de me agarrar ao teclado e deixar tudo aqui - as minhas emoções, os meus pensamentos, as minhas opiniões. Nunca escrevi noutro sítio ou noutro formato - simplesmente deixei de escrever. Completamente.
Isso aconteceu por razões várias, que hoje não vale a pena enumerar. A questão é que estou a esforçar-me para retomar. Porquê? Porque acho que a escrita está a tornar-se, lentamente, numa das derrotas da minha vida. Explicando: nunca esteve nas minhas previsões fazer deste o ramo a minha vida, mas também nunca achei que este meu lado fosse (e ficasse) tão desvalorizado. Escrevi neste blog diariamente, durante muitos anos; fazia-o não só porque gostava (e porque, em algumas fases, precisava de deitar cá para fora) mas também porque sempre acreditei que a prática leva à perfeição e que este percurso me ia levar a algum lado. À minha volta, nesta comunidade e noutras, testemunhei caminhos de sucesso a serem traçados: o nascimento de diferentes projetos, a criação de marcas, o avanço para colunas de jornais em vez de simples posts num blog e até a publicação de livros. Eu achei que a minha consistência e o algum talento que os outros pareciam vislumbrar em mim me iriam levar por um trilho semelhante. Que algumas portas se iriam abrir. Mas esse dia nunca chegou - tive um ou outro rebuçado que me foi adoçando este longo caminho de 12 anos, mas nada que seja sequer ligeiramente memorável.
A verdade é esta: eu sempre escrevi porque gostava, mas cheguei a um ponto em que queria algo em troca. E não era dinheiro - era reconhecimento. Aliás, essa é também a razão para não escrever em papel; às vezes, quando digo que há cercas coisas que não posso dizer num blog aberto ao público, sugerem-me que o faça à moda antiga, num caderno. Mas eu habituei-me ao feedback dos outros - e essa é a moeda de troca mais básica que se pode ter, mas também uma das mais recompensadoras. O decaimento dos blogs não ajudou neste processo: se no início se recebiam muitos comentários, a partir do momento em que houve cruzamento de outras plataformas e redes sociais tivemos de aprender a contentarmo-nos com meros likes ou, na loucura, com um "favorito" aqui no Sapo. Hoje até isso está quase extinto.
No meio disto tudo a vida aconteceu. As horas que eu gastava a escrever eram muitas e foram surgindo mais prioridades na minha vida. Para além de ter outras coisas para fazer, saí do jornal onde trabalhava e integrei no meu projeto de vida, na área textil - e, aí sim, as palavras deixaram de ser o centro da minha vida. Eu soube-o no momento em que tomei a decisão de me despedir - de tal forma que fiz uma tatuagem para ter a certeza de que eu podia sair do mundo das letras, mas as letras nunca sairiam de mim. E os dias passaram. Passaram semanas. Meses! Houve meses em que uma palavra não foi publicada neste blog. Quão triste ficaria a Carolina de 2014 - a que lutava por consistência, que fazia por escrever todos os dias - se visse uma coisa destas acontecer. E, também por isso, no início deste ano foquei-me em dar a volta e retomar um daqueles que foi um dos meus primeiros objetivos desde que me considero gente. Escrever todos os dias é impensável, mas fazê-lo todas as semanas é exequível - e, melhor ou pior, tenho-me safado. Mas, hoje, questiono-me.
Os blogs que eu seguia estão mortos - alguns ainda por enterrar, mas claramente com funeral à vista. E eu não sei, honestamente, se esta é uma plataforma que esteja para durar. Os influenciadores - quem faz disto vida - adaptaram-se aos novos mercados e aos "spots" de maior destaque e fugiram daqui para fora, para primeiro aterrarem no Facebook, depois no Instagram e agora no TikTok - e algo estará certamente ao virar da esquina para mais uma mutação qualquer. Nenhuma destas plataformas substitui o que está aqui: todas elas escondem o texto quando os caracteres são muitos, os algoritmos atiram logo os posts para baixo quando detetam muitas letras e esta capacidade de narrar a vida com calma e espaço é impossível em qualquer uma das redes sociais que hoje frequentamos.
Mas será que daqui em diante vai haver, de facto, tempo para ler textos grandes? Ou o nosso cérebro vai começar a ficar formatado para vídeos de 15 segundos e a ver a vida contada em imagens, como quem lê banda desenhada?
Eu sei que se fez o funeral de muitas modas e objetos de forma precoce - os livros não deixaram de existir por terem sido criados os leitores digitais, as molduras não foram extintas por se terem inventado aquelas coisas horríveis que mudavam de imagem a cada segundo e até ainda há quem leia jornais em papel! Na verdade ainda existem pessoas que tiram fotos analógicas e que mandam revelar fotos. Mas também sabemos que a Blockbuster fechou, que já é difícil encontrar um leitor de cassetes funcional e, não precisando de ir tão longe, até um leitor de DVD é uma raridade. Há realidades que conseguiram manter-se "mistas", misturando o tradicional e o contemporâneo, há ideias que nunca pegaram... e há outras que destronaram para sempre objetos que estavam perfeitamente consolidados nas nossas vidas. A pergunta é: e os blogs, em que categoria irão cair?
Tenho medo de estar a investir tempo e dedicação em algo que não tem futuro - não só pela plataforma mas também pelo meu estilo de escrita e de posts: porque são grandes, pormenorizados, detalhados, extensos. São, talvez, demasiado. Eu adoro, por exemplo, escrever relatos de viagens - mas apercebo-me de que são poucos os que os lêem e ainda menos os que os utilizam em futuras ocasiões, que é na verdade o meu maior propósito. Provavelmente o melhor era fazer uma série de instastories, pôr tudo num destaque para a posteridade e a coisa resolvia-se rapidamente, como hoje se quer.
Acho que espaços como este, em que a escrita é privilegiada e o tempo e os caracteres não são contados, poderão continuar a existir: mas serão um nicho, tal e qual como a fotografia analógica. E, honestamente, isso entristece-me: primeiro porque tenho quase metade da minha vida aqui refletida e, segundo, porque seria o consolidar de uma missão falhada. Gostava de ter ido mais além e penso que, eventualmente, este não será o caminho - mas também não acho que ele passe pelo estilo das novas plataformas que estão a surgir, em que regredimos progressivamente para a capacidade de concentração de um peixe e a inteligência de uma formiga. Eu tenho mais do que fotos para mostrar; tenho opiniões para dar, tenho pensamentos para partilhar, emoções que quero deitar cá para fora.
Talvez, um dia, escreva um livro - e talvez alguém lhe pegue, depois de provavelmente muito esforço da minha parte (pois o mercado editorial não é uma guerra em que se deva entrar de ânimo leve). Hoje... não sei. Não sei se há público para o que escrevo - se as minhas opiniões sobre livros valem de algo, se os meus extensos relatos de viagens são úteis ou prazerosos para alguém ou se as minhas reflexões cada vez mais espaçadas vêm acrescentar algo. Não sei se vale o investimento de tempo. Não sei se sou capaz de escrever sem publico. E acho que não quero ser uma Kodak, tão presa no tempo que não se apercebeu de que estava a ficar obsoleta.
Deixem as vossas opiniões nos comentários. Obrigada.