Entrevista: "A Maçã de Eva"
Cheguei a falar aqui de uma entrevista que tinha de fazer para uma cadeira da faculdade e da forma como estava em pânico por ainda não ter ninguém para entrevistar ou sequer um tema definido em mente. As duas semanas anteriores foram stressantes, porque não sabia sequer se ia conseguir arranjar alguém do meu agrado para entrevistar - e quando consegui vi o tempo tão apertado que até me deram suores frios.
A ideia era fazer uma entrevista temática a alguém que quiséssemos, mas que tivesse algo a dizer, um papel importante em qualquer campo. Eu não estava confortável no papel de entrevistadora - nem espero fazer isto muitas vezes, que cada vez fujo mais do mundo do jornalismo - mas sabia que tinha de ser feito: e se assim era, tinha de virar a questão a meu favor. Escolhi por isso um tema que me é muito próximo: os blogs. Deixei a vergonha de lado e enviei emails aos mais variados bloggers do nosso país, na esperança que algum me respondesse e estivesse na disposição de responder a algumas perguntas de uma inexperiente como eu. Para melhorar a situação, todos os bloggers que escolhi eram de Lisboa, o que me "obrigou" a uma deslocação à capital - que podia ser um sacrifício mas, como é óbvio, não foi.
Entretanto a resposta surgiu, pouco depois de ter mandado o meu email desesperado, por parte da Ana Ros, escritora do blogue "A Maça de Eva". Para minha sorte - porque me facilitou imenso o trabalho de pesquisa - sou seguidora da Maçã há uns três ou quatro anos, pelo que a entrevista foi quase que um pretexto para poder falar com uma das minhas bloggers favoritas.
Foi estranho para mim, tive de sair MUITO da minha zona de conforto, mas valeu a pena - não sei se valeu enquanto entrevista, mas de certeza enquanto experiência pessoal. Dei o meu melhor - que espero ter sido o suficiente! Mais uma vez, não posso deixar de agradecer à Ana, que me salvou a pele numa das situações de maior pressão que tive até agora na universidade. Foi duro, mas valeu a pena: foi sem dúvida o trabalho que até hoje mais me encheu as medidas. Sem mais delongas, a entrevista.
“Não consigo fazer do blogue uma profissão”
Aos 35 anos e com quase oito anos de blogue no curriculum, Ana Ros fala-nos, de um ponto de vista muito pessoal, do lado bom e mau da blogosfera. No mundo virtual é conhecida como Maçã, por ser a autora do blogue de sucesso “A Maçã de Eva”. Em 2014 - ano de mudanças - deixou o anonimato e concretizou um sonho antigo: ter a sua própria marca de sapatos, a ROS | LISBON.
Saiu do anonimato há pouco tempo e, com o lançamento da marca, apareceu em algumas revistas. Fez-lhe confusão?
Nunca pensei nisso, sabe? Já fui reconhecida na rua, mas as pessoas não têm muita coragem de vir ter comigo. O que acontece frequentemente é andar na rua a tratar das minhas coisas, não me lembrando sequer que alguém me pode reconhecer. Depois acontece receber um email e leio coisas como “Maçã, eras tu no Continente, agora?”. Sim, estava às compras, era eu! E isto sim, acontece-me. Diretamente as pessoas não têm coragem de me abordar. Antes de me revelar houve um episódio engraçado: em Vilamoura houve uma pessoa que me identificou pela roupa! Só pela roupa! Eu faço sugestão de compras [no blogue] e ela viu que eu tinha as calças, o top e a mala que já tinha sugerido e perguntou-me se era eu. De facto, a probabilidade de me encontrar em Vilamoura era muito pequena – aliás, ainda menor, porque eu vinha para Lisboa e decidi, antes de iniciar a viagem, ir comer um gelado. Foi uma coisa rápida, nem estive lá muito tempo. De resto, não tive grandes abordagens – as que tive foram, claro, de gente simpática. Coisas muito, muito estranhas. Não é que leve a mal! Mas as pessoas ficam nervosíssimas – e não percebo porquê! [risos]. É esquisito, sou a mesma pessoa todos os dias, não mudei nada – e há pessoas que dizem: “ai desculpe, estou tão nervosa...”; e eu penso “mas porquê?!”. Essa é mesmo a parte mais estranha. Ainda por cima acho que sou tão “easy going”, não se justifica! [risos]
Mas tem opiniões fortes, nomeadamente em relação aos filhos e aos animais...
Eu não acho que sejam opiniões fortes. São as minhas opiniões, simplesmente – não são mais válidas que outras.
Mas tendo em conta as repercussões que podem ter...
Sim... Há pessoas que preferem ter a resposta neutra, que calha bem a todos, não ofende ninguém. Eu não tenho paciência para isso, não sou pessoa para o faz de conta. Não tenho coragem; sinto-me falsa.
Até porque as pessoas percebem quando não está a ser genuína?
Não sei se percebem, porque não me conhecem a mim.
Mas as pessoas sentem que a conhecem, certo?
Sim. Mas eu percebo a sensação, porque também leio outros blogues e parece que conhecemos as pessoas. No fundo podemos conhecer características – como “isto é a cara da Maçã” ou “isto é o género dela” – percebo que seja uma identificação que se consiga fazer. Agora conhecer-me? Não, não me conhecem. Já li noutros blogues montes de críticas – porque o PAM [Poisened Apple Man, seu companheiro] é “um nabo”, é “um pau mandado”. As pessoas nem sequer param para pensar “será que os conhecemos aos dois?”. Eu não conto mentiras – os episódios que conto são de facto verdadeiros, mas isso não faz o todo. Eu também discuto, eu também me chateio! Têm ideia de que é tudo perfeito, é tudo maravilhoso – e é de facto maravilhoso para mim, mas não há relações perfeitas, e aquilo não é o todo, é só uma parte.
Por ter opiniões mais vincadas recebe, no blogue, comentários agressivos e até ofensivos. Mas segundo o testemunho de vários bloggers, as opiniões que recebem pessoalmente são sempre positivas e nunca negativas...
Sim, as pessoas não têm coragem [de me abordar pessoalmente com opiniões negativas]. Quem escreve coisas más, os que foram apelidados por “anónimos infelizes”, têm todos uma característica em comum: são cobardes. E na rua não são capazes de fazer nada. Até são capazes de me ver e de me observar, mas a questão destes “trolls da internet” é que eles na internet têm um comportamento que não teriam na rua. Se é chato receber aqueles comentários? É. Mas o delete está ali à distância de um dedo.
Mas só o facto de os ler não a incomoda?
Tem dias. Há dias que me irritam e outros em que me passam ao lado – sobretudo naqueles em que tenho muito trabalho. O que me diz que pessoas verdadeiramente ocupadas não se dedicam aquilo, só mesmo quem tem tempo livre é que o faz. E as pessoas desocupadas nunca são muito interessantes; se a isto somarmos a capacidade de dizer mal gratuitamente... São de facto pessoas que não merecem a pena, devem ser, na vida real, muito desinteressantes. É uma bola de neve – é isto que as leva a ser assim e não terão outro mundo lá fora melhor do que aquele que inventam.
Em oito anos de blogue, o que mudou?
Ui, tanta coisa! Está tudo diferente na medida do que eu mudei, porque o blogue tem muito de mim. Acho que mudei imenso como pessoa nos últimos anos. Não só na fase em que estudei até me tornar profissional - estive anos a trabalhar em comunicação e depois arranquei com os sapatos – (também aí mudou muita coisa) mas também pessoalmente. Penso que até de personalidade alterei. Passei por fases completamente diferentes das que tenho agora, que me transformaram enquanto pessoa. Muito daquilo que se lê nos meus consultórios [resposta que dá a alguns emails com perguntas e pedidos de ajuda], nos conselhos que dou, aprendi-os à minha custa. Não fui sempre assim, também estive do lá de lá, fui burra, permissiva, deixei de dizer coisas com medo do que pudesse acontecer. E houve um dia em que disse “chega, não aguento mais isto!”. Não sei o que é que foi, foi um pouco da noite para o dia, não sei explicar a mudança... Nessa altura apareceu o PAM, que já conhecia desde os meus sete anos, e tratei-o a pontapé! Palavra de honra, tratava-o mal! [risos]. E de facto isto funcionou. Percebi que não há necessidade de fazer de conta ou evitar dizer palavras com medo do que poderá acontecer. Não há nada que me apeteça dizer que não diga. É uma paz de espírito que faz com que uma relação seja maravilhosa...
Mas se calhar essa liberdade faz confusão às pessoas...
Sim, se calhar faz. Mas eu recomendo encontrar este equilíbrio, que é maravilhoso!
Voltando à questão da blogosfera: o que mudou?
A Pipoca [Mais Doce] foi pioneira nisto. Eu já tinha o blogue quando ela começou a ficar realmente conhecida e a entrar no mercado – deixou de ser um blog e passou a ser um negócio. Eu costumo dizer-lhe que observo os passos dela; digo-lhe para ir à frente, que eu vou vendo. Acho que a Pipoca foi muito esperta no que fez, mas por outro lado não me identifico [com o seu rumo]. Não consigo fazer do blogue uma profissão, preciso de uma segurança. Não sei o que vão ser os blogues daqui a um, dois anos... não faço ideia. É uma rede com muitos buracos, há pouco conhecimento e Portugal é um mercado muito pequeno – não há comparação com os Estados Unidos ou mesmo com Espanha, aqui ao lado. A dimensão dos blogues conhecidos no estrangeiro, onde são de facto uma profissão, está a anos-luz dos de cá. Mas durante quanto tempo é que isto se vai manter? Não sei. Será que as pessoas se cansam? Existe, por exemplo, a teoria de que as pessoas se estão a cansar do facebook. Eu não sei, não vejo isso, nem sei se existirão outras plataformas capazes de o substituir. Mas coloco uma questão: será que há pessoas que se vão cansar dos blogues? O que penso que aconteceu nos últimos anos – e acho que foi um pouco o “fenómeno Pipoca” - é que toda a gente começou a querer ter um blogue.
As pessoas criam blogues pelas razões erradas?
Não, não posso dizer que sejam razões erradas, posso é dizer que há pessoas que se podem desiludir. Quando comecei o blogue éramos quatro amigas; elas acabaram por desertar e eu fiquei sozinha. Eu nem sequer escrevia, elas é que escreviam. Mas depois comecei, apanhei-lhe o gosto e nunca mais parei. A partir do momento em que os blogues começaram a ser um fenómeno em Portugal, passei a receber – ainda hoje recebo – mensagens a perguntar: “o quê que eu hei-de fazer para ter um blogue de sucesso?”. Isto é um ponto de partida errado. As pessoas não querem ter um blogue pelo prazer, mas sim para ganhar dinheiro com ele. E nem toda a gente ganha dinheiro com os blogues; eu não ganho muito. As pessoas acham que eu sou rica com o blogue, mas não sou! Nem sei quantas pessoas conseguem fazer do blogue a única fonte de rendimento – acho que em Portugal isso nem é possível. No caso específico da Pipoca, ela tem a loja, os livros, as suas marcas, ou seja, não é a sua única fonte de rendimento. Eu não poderia viver do blogue, acho que não é nenhum dinheiro espectacular. Também não me associo a parcerias que não me interessam – são mais as que rejeito do que as que aceito, perco imenso dinheiro com isso. Mas as marcas ainda estão a acordar para os blogues – ainda não se aperceberam que é mais barato e tem mais visibilidade fazer um anúncio num blogue do que numa revista. Um anúncio de uma revista pode custar três mil euros – uma página daquelas que viramos e nem sequer olhamos; uma publicação num blogue pode custar metade ou um quarto disso, e tem muito mais visibilidade porque as pessoas vão aos blogues, são seguidoras. Se a blogosfera vai crescer em Portugal? Não sei. Acho que está tudo à espera de encontrar o Euro Milhões nos blogues, e acho que as pessoas não se lembram que quem retira algum rendimento de um blogue começou há muitos anos, onde eles eram muito menos. Agora são muito mais. A escolha agora é tanta...
Não há fator de diferenciação?
Não é só isso. Acho que há muita gente que quer ter um blogue. E pode. Para os amigos, para a família. Agora, com aspiração a serem vedetas e tirarem dali o Euro Milhões, esqueçam, que isso não vai acontecer. Há muita gente a quem falta essa noção. Há pessoas que não têm talento para escrever, ponto final. Não quero com isto dizer que eu tenha, mas há muita gente que não tem. E neste momento há também muitas celebridades que querem ter os seus blogues.
Interpreta a existência desses blogs como “concorrência desleal” ou se nem se inserem no conceito de blogue?
Eu não sei se eles retiram prazer daquilo ou não, mas acho que começa por ser um negócio. Não é um blogue porque querem partilhar mais deles ou porque querem escrever. Há muitas destas celebridades que não escrevem sequer os blogues – participam neles, lêem os conteúdos, autorizam-nos, tiram fotografias, mas não são eles que os estão a fazer. Isto faz-me muita confusão. A sua existência não me incomoda, cada um vai às páginas que quer, a internet é muito grande. Mas há um crescimento de blogues com um propósito comercial, que não é muito a minha onda. Está claro que não é o meu negócio, a minha forma de trabalho, não acho mal que o façam; alguns fazem-no com piada, outros não, mas a sua existência não me incomoda. Simplesmente não vou lá.
Como disse, as marcas estão a aperceber-se do potencial dos blogues e há cada vez mais publicidade na blogosfera. Acha que as pessoas já não se acreditam tanto no que lêem por terem noção de que certos posts são publicidade?
Isso foi algo que sempre me fez confusão porque as pessoas não são estúpidas. Não são! E a mim irrita-me que digam “isso não está identificado como publicidade!”. Mas precisam que identifique? Eu acho que as pessoas sabem perfeitamente quando é que há uma parceria ou não. No caso dos [meus] sapatos: eu dei sapatos a algumas figuras públicas. Não expliquei isso de caras mas também não omiti: eu punha as fotografias e dizia “olha quem tem um dos meus sapatos!”; e depois havia quem me dissesse “deves achar que eu acredito que as pessoas compraram”... E eu fiquei surpreendida com aquilo, porque pensei que se via obviamente que tinha sido eu a oferece-los. Eu sei perfeitamente quando alguém faz publicidade ou não. Mas precisamente por causa dessas pessoas é que desde o primeiro que passei a ser da Clix e fiz uma parceria [com uma marca], que identifico todos os meus posts como publicidade. Há comentadores que me chateiam dizendo que certas publicações são publicidade. Se não estão identificados, é porque de facto não são. Faço divulgação de coisas que gosto e não têm de me pagar para isso.
E acha que a sua opinião tem impacto? Houve, por exemplo, um casaco da Mango que falou no blogue que, coincidentemente ou não, esgotou nas horas seguintes...
Acho que sim. Acho sobretudo que tenho um gosto com que muitas leitoras se identificam. Esse casaco da Mango foi um exemplo. Mas também aconteceu com uma mala. Mas o caso do casaco foi algo que observei, eu já tinha aparecido com o casaco em várias fotografias, já me tinham perguntado de onde era e um dia o casaco apareceu no outlet [online da loja] e custava menos de 10 euros, e eu avisei. É um preço que quase toda a gente pode pagar. Coloquei a publicação de manhã e à hora de almoço os tamanhos mais comuns, como o S e o M, já tinham esgotado. Portanto a Mango recebeu um tiro de encomendas de Portugal e não percebeu de onde é que aquilo vinha. Mas achei um fenómeno. Há uma coisa que para mim é fundamental: eu só recomendo aquilo que é de facto bom, que utilizo e era capaz de recomendar à minha mãe. De outra forma não divulgo. Já recebi coisas que... hum, não é nada de especial. Não é que seja mau – mas só o facto se não ser nada de especial, já não vale a pena. Tenho muita pena, mas não sou capaz de ser mentirosa no blogue! Não faz sentido. Uma das razões por que acho que o blogue funciona bem com estas recomendações é o facto de eu ser completamente honesta e as pessoas partilharem da minha opinião no que toca à qualidade. No dia em que dissesse uma mentira era a morte do artista. Nunca mais ninguém confiaria em mim. Um dos motivos pela qual arranquei com o negócio dos sapatos foi o blogue. Eu não queria que a clientela viesse só dos blogues mas sabia que arrancaria por aí – era o pontapé de saída. Não só através do meu blogue mas como através de outros que contactei e a quem dei sapatos para fazer divulgação. Mas usei esse poder de recomendação para começar o negócio. Se não tivesse o blogue não sei se teria tido coragem de começar sozinha. Neste momento os consumidores já ultrapassaram as fronteiras da blogosfera mas começou por aí e funcionou muito bem.
Não tem medo da fama repentina (e negativa) como aconteceu com a polémica da “Pepa quer uma Chanel”?
Eu achei essa polémica muito estúpida. Foi bullying puro. O problema não era a Chanel, era a forma de ela falar. Toda a gente tem desejos consumistas, eu também tenho. Ela quer uma Chanel eu quero uma Prada! [risos]. Querer não tem mal nenhum! Acho que aquilo teve a ver com as características pessoais dela e com a forma dela falar, tudo o resto foi bullying. Enquanto profissional acho que foi tudo muito mal gerido em termos de comunicação pela marca [do anúncio que gerou a polémica]. Penso que ela, pessoalmente, fez melhor trabalho do que fez a marca. Lembro-me que foi à SIC e houve uma jornalista que lhe falou com um tom de tal forma paternalista que, no lugar dela – e aquilo era um direto – me teria levantado e ido embora.
Mas as proporções que a situação tomou foram enormes. Num só dia, uma página criada a gozar com o assunto teve milhares de likes no facebook.
Sim. Eu acho que na altura não li nada sobre o assunto, abordando-se sobre aquilo que era: bullying. Acho que as pessoas não o encararam dessa forma – mas não tenho qualquer dúvida que o encararam como uma gozação pessoal, que não tinha nada que ver com os desejos dela. Quer dizer, perguntam-me: “quer uma Prada?”. Quero! Também quero que se acabe com a fome do mundo e as guerras, também posso dar uma de miss. Mas todos queremos coisas boas. E aquilo era um vídeo de Natal e o quê é que as pessoas querem no Natal? Presentes. Há quem queira ir à missa do galo e tudo mais, mas para mim é uma festa consumista e de família. Cada um tem a sua forma de olhar para as coisas. Também há quem me goze, no blogue, porque todos os anos, no dia 1 ou 2 de Dezembro, deixo a minha carta para o o Pai Natal, com os meus desejos. É uma ajuda fabulosa para dar ideias ao PAM que, coitadinho, não as consegue sozinho [risos]. Também para dar ideias à minha mãe que por sua vez dá à minha família. E é engraçado que a maior parte das coisas da lista eu acabo por receber. Mas se me perguntarem: “tens aqui nesta caixinha o fim da fome do mundo. Queres isso ou os teus presentes?”. É óbvio que escolho a caixinha, mas temos de ter desejos realistas: eu posso ter um vestido mas não posso acabar com a fome no mundo. Portanto acho que aquilo tomou proporções completamente estúpidas, acho que foi bullying.
Mas este é só um de vários casos.
Eu acho que há um problema... é que a maioria das pessoas são estúpidas e por isso é que existem estes fenómenos na internet. Eu vejo estas coisas e nunca contribuí para isto. As pessoas não têm a capacidade de se pôr no lugar do outro. Não consigo reconhecer inteligência a pessoas que fazem isto; pronto, coitadinhos, não deu para mais [risos]. São limitados!
Vê-se a escrever até quando?
É uma pergunta muito difícil. Aconteceu uma coisa que é má para quem gosta de seguir o blogue. Quando comecei o negócio dos sapatos, encontrei uma realização pessoal que não tinha na anterior profissão. Não que não gostasse do que fazia como assessora de imprensa mas não era aquele o meu caminho – eu sabia que não era por ali. Sobretudo não gostava das pessoas, o que destrói os dias de trabalho. E cheguei a um ponto em que o impacto que o me emprego tinha em mim afectava as minhas relações pessoais – estava desanimada, triste, depressiva e chegava muitas vezes a casa enervadíssima. Aquilo não era vida para mim. Houve um dia em que tomei a decisão – que foi tomada em dez minutos. Estava a ler uma reportagem de alguém que criou uma marca de sapatos – e eu toda a vida adorei sapatos, sempre fui uma grande consumidora. Quando vejo as pessoas, quando me apresentam alguém, eu olho para os seus pés; na rua olho para os pés das pessoas, ando sempre nisto. E sempre acalentei o sonho de ter uma marca de sapatos mas achava que era uma coisa impossível e um investimento milionário. São precisos milhares de euros, mas não é necessário ser-se milionário. Quando li aquela entrevista percebi e pensei, “se esta pessoa é capaz, eu também sou”. Perguntei a opinião do PAM que me disse que já devia ter feito aquilo há muito tempo. Também falei com amigos e família: família teve receio, alguns amigos acharam uma boa aposta. Tomei uma decisão e construí o negócio em seis meses; nem sei como consegui faze-lo em tão pouco tempo. Foi uma decisão tomada muito rapidamente, o que é uma coisa esquisita. Foi tudo tão rápido e foi tanta coisa ao mesmo tempo que parece que tomei a decisão ontem e já tenho aqui o produto à minha frente. Espero que isto continue por muito tempo. Esta realização pessoal teve contratempos: pelo seu volume de trabalho, não conseguia dar atenção ao blog; depois era verão, há menos leitores, portanto uma pessoa descura um bocadinho mais; mas eu tive, e continuo a ter, uma fase de costas voltadas para o blogue. Não tenho tanta necessidade – nem sei se é esta a expressão certa - mas houve ali qualquer coisa que se perdeu, pois não tenho tanta vontade de escrever como tinha. Não sei se é só devido ao volume de trabalho ou se chegou o momento de parar. Mas também sei que isso foi motivado pelas mensagens terríveis que recebi quando comecei o negócio – as pessoas são capazes do pior. E pensei: “vou fazer isto para me chatear?”. Eu sei que há muitas pessoas fantásticas do outro lado, muitas que nem fazem comentários – eu sou uma leitora silenciosa, é muito raro deixar comentários - mas aquilo deixou-me desanimada. E eu tenho esse problema: eu posso receber dez comentários fantásticos, mas há um mau e eu fico a matutar naquilo o dia inteiro. Mas tem dias: há dias em que não penso naquilo e outros que sim. Depende.
É preciso ter uma boa capacidade de encaixe?
Sim, que eu se calhar não tenho e não tenho problema nenhum em o admitir. Tenho feito um exercício mental, pensando que há pessoas que gostam do blogue e terei mais para dar. Tenho é de tentar encontrar um equilíbrio entre a vida pessoal, este trabalho [da loja de sapatos] e o trabalho do blogue – tanto que tenho uns novos desafios através do blogue que aceitei. Mas não acredito que vá escrever a vida toda, acho que os blogues têm um tempo de vida. Não sei quanto tempo vou escrever e esse é também o motivo pelo qual não quis fazer do blogue um negócio. Na verdade não sei como é que aquilo cresceu – simplesmente aconteceu.