É uma questão de abrir a pestana
“Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara.”
José Saramago
Eu acho que já tinha sensibilidade para fotografar antes de ir para o curso. Técnica, agora vejo, não tinha absolutamente nenhuma! Mas a verdade é que hoje em dia, e tendo em conta a qualidade das máquinas e as suas capacidades de tirar fotos incríveis em modo automático, a sensibilidade conta muito - embora não seja tudo, porque hoje em dia, a fotografar em manual, sinto que tiro fotos trinta vezes melhores do que há quatro meses atrás.
Mas apesar de já ter sensibilidade, acho que não estava suficientemente atenta ao mundo, algo que sinto que está a mudar gradualmente. Tirava fotos em festas, em momentos especiais ou que sabia que iam ser marcantes mas, fora isso, registava outras coisas mais espontâneas com a câmara do telemóvel. E, diga-se de passagem, não eram assim tantas: uso muito fotos para lembretes, para tirar fotos às capas de livros que me parecem interessantes e sobre os quais quero investigar; tiro algumas selfies nos dias em que me sinto particularmente bonita (e posso adiantar que não são assim tantos) e outras vezes a comida, aos meus cães ou coisas random do género. Mas não estava atenta aos pormenores da vida, às coisas bonitas, aos enquadramentos que me podiam dar boas fotos - e hoje estou. De tal forma que o meu instinto agora é andar sempre de máquina às costas, pronta para qualquer eventualidade e para captar os momentos mais bonitos do meu dia.
A parte menos boa é que, ultimamente, tenho visto algumas "photo oportunities" em situações que não posso fotografar: acontece muito enquanto estou a conduzir. Hoje, por exemplo, estava a vir para casa e passei numa zona mais alta da VCI (para quem não é do Porto, é uma das artérias principais da cidade, ao estilo da 2ª circular ou a CRIL em Lisboa) de onde se via um pôr do sol absolutamente magnífico. O sol estava super nítido, estilo bola de fogo bem quente e delineada a cair no horizonte, com todas aquelas cores impossíveis de nomear. Apeteceu-me encostar o carro, sacar da máquina que estava ali no assento ao lado e captar o momento - mas não pude. Da mesma forma que não pude apanhar o momento em que uma ave de rapina (parecia-me um falcão, mas sou tudo menos especialista nesta área) pousou num rail da Via Norte, logo após ter visto esse pôr-do-sol magnífico. Não sei se estava ferido (não pareceu) ou se desceu para caçar alguma coisa que estivesse no mini-jardim que separa os dois sentidos desta via, mas que é algo raro de se ver, lá isso é - e não há dúvidas que daria um fotografia espetacular, não estivesse eu a conduzir a 80 kms por hora.
Isto para dizer que é tudo uma questão de abrir a pestana e de observar o mundo à nossa volta - com olhos de ver! Hoje percebo que o facto de só querer e estar mentalmente disposta a fotografar naqueles dias especiais ou marcantes fazia com que não estivesse atenta a tudo resto em todas as outras alturas - alturas essas onde, inevitavelmente, as melhores oportunidades surgem, porque é precisamente quando nós não estamos à espera que as melhores coisas acontecem. Olho aberto e câmara às costas, é essa a receita mágica.