Dramas de quem tem uma mente "velha" num corpo novo
Eu costumo dizer que tenho um espírito velho a morar num corpo de miúda nova, mas a verdade é que muitas das coisas que na generalidade se associam aos "velhos" são muitas vezes valores morais, éticos e costumes mais antigos, que deixaram de se aplicar e que eu - ao contrário da maioria - ainda dou valor. Acho que isto advém muito por eu ter pais mais velhos do que a maioria das pessoas da minha geração e por sempre me ter rodeado por pessoas com bastante mais idade que eu.
Eu percebo que as coisas mudem - e ainda bem, senão as mulheres ainda não votavam, os pretos e os brancos ainda iam em lugares diferentes no autocarro, a televisão ainda só tinha um canal e coisas que tais - mas há certas coisas que, para mim, tinham razão de ser e se deviam manter. Toda a gente tem uma série de valores que acha essenciais e pelos quais guia a sua vida e eu acho que me guio por coisas "antigas" (mas que, na minhas perspectiva, não deixam de ser valiosas e atuais).
Em relação a isto, um exemplo que posso dar tem que ver com a hora a que se telefona às pessoas. Eu sempre cresci a ouvir dizer que não se ligava a ninguém a partir das 22h - é lógico que não é algo matemático, pode ser um bocadinho antes, um bocadinho depois - mas é uma referência e tem sentido, porque é a hora em que a maioria das pessoas arruma as botas, já está com o pijama vestido e com a manta por cima a ver televisão ou a ler um livro na cama.
Tira-me do sério, por exemplo, que me peçam para fazer um telefonema de trabalho durante o fim-de-semana - não por eu ter de trabalhar nos meus dias de "folga" (porque trabalho sem problemas, é algo que faço com frequência), mas por ter de incomodar as pessoas naquilo que, de uma forma geral, é o seu horário de descanso. Da mesma forma que evito fazer chamadas de trabalho depois das 18h - acho que é a hora do "senso comum" de final de trabalho e, do meu ponto de vista, todos temos o direito de descansar sem sermos permanentemente incomodados por pessoas com horários de trabalho antagónicos aos nossos.
Aqui em casa este assunto passa a vida a ser discutido, porque a minha mãe - para me ajudar a fazer bem o meu trabalho - pressiona-me para eu ligar às pessoas que tenho de chatear ou entrevistar. E como eu detesto falar ao telemóvel e isso me causa um stress tremendo, ela acha que eu digo que "não são horas de ligar às pessoas" para me esquivar do ato de telefonar. Mas não é. Cresci com o meu pai a mandar bugiar as pessoas que lhe ligavam à hora de almoço, uma hora que aqui em casa sempre foi sagrada, e apenas levo esses ensinamentos para a vida. E sim, fico preocupada quando recebo uma chamada às 23h de alguém que só quer saber se há uma aula no dia seguinte ou algum assunto frívolo semelhante.
Eu sei perfeitamente que, com os telemóveis, as pessoas acham que podem ligar a tudo e a todos a qualquer hora do dia, com a desculpa de que "quem não quer ser incomodado desliga o telemóvel". Eu acho que as coisas não funcionam assim. Acho que a sociedade está a perder os seus valores de referência, que só as vontades individuais importam e que só nos focamos cada vez mais no nosso umbigo e que esse respeito tácito pelo espaço dos outros, que antes se sentia e vivia, se perde cada vez mais. E eu tenho pena de ser rotulada como uma mente "velha" só por causa disto.