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Entre Parêntesis

Tudo o que não digo em voz alta e mais umas tantas coisas.

09
Mar23

Chávena de Letras: "Spare"

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Sigo há muitos anos a família real inglesa e, como tal, a fã british que vive dentro de mim não me permitiria passar sem ler este livro. 

Diria que a obra pode ser descrita, rapidamente, em quatro partes: 1) os primeiros 20% são dedicados à infância e adolescência de Harry, obviamente marcados pela morte da mãe, em que se fala da turbulência na escola, a(s) dor(es) na sua relação com o irmão e das indecisões do futuro; 2) os seguintes 30% relatam acima de tudo a sua história militar, as suas idas ao Afeganistão e aventuras por lá vividas; 3) os 20% posteriores incidem no seu retorno e ao reinicio de uma vida dedicada à realeza, sem guerras à mistura (pelo menos daquelas que envolvem armas, porque na família existem-nas em quantidade mais que suficiente), que o voltaram a deixar num limbo, sem saber onde pertencia e como se posicionar interna e publicamente; 4) o que resta é a história que temos mais viva nas nossas memórias - o início do namoro com Meghan, o casamento, os filhos e todo o drama já conhecido com a imprensa.

Há âncoras que estão presentes em todo o livro (e, suponho, na vida dele): primeiro, a mãe - um trauma claramente mal resolvido, que o acompanhará para a vida, e que eu creio que dita muitos dos comportamentos de proteção que teve em relação à mulher; segundo, África - um elo comum em todas as fases acima mencionadas, sempre como um amuleto de escape e clarividência, fazendo depois também a ponte com ações solidárias e visitas com amigos; e terceiro, não menos importante, a imprensa - os vilões da vida dele, ainda antes da morte de Diana, mas principalmente depois do acidente que a vitimou.

Apesar de gostar muito de família reais, e em particular da britânica, nunca achei que a vida deles fosse de sonho; lá por serem príncipes e princesas não quer dizer que vivam como nos contos da Disney. E este livro torna isso bem claro: eles vivem numa gaiola dourada. E das duas uma: ou se opta por olhar simplesmente para o ouro, ou mantemo-nos concentrados no facto de estarmos dentro de uma gaiola, independentemente do seu material. Escolhendo a primeira, segue-se a linhagem; optando pela segunda, encontra-se a nova ovelha ronhosa - e ao Harry assenta-lhe este papel que nem uma luva.

Creio que este livro pode ser lido de várias perspetivas, dependendo do espectro onde nos posicionamos em relação à história do Harry, do "Megxit" e a tudo o que foi veiculado na imprensa. Eu sempre achei que a saída deles tinha sido feita de forma bruta e injusta, mas que era uma decisão ponderada por parte do casal, que se viu encostado contra a parede e completamente espremido pelos tabloides. E eu interpreto a escrita deste livro como o último reduto: ao sentir que não tinha nada a perder, Harry deitou ao mundo a sua verdade, sabendo que os outros intervenientes (nomeadamente a sua família) nada iriam contrapor, pois é esse o seu mote e forma de estar. Com tanta mentira espalhada e impressa em tanta página, percebo que a vontade maior seja dar um grito de libertação - mesmo que ninguém o ouça. 

Neste caso, ouvem alguns - mas acho que poucos o farão da forma que Harry desejaria. Primeiro porque os consumidores de tabloides - sendo que muitos só passam os olhos pelas letras grandes - não vão perder o seu tempo a ler um livro longo como este; segundo porque quem o lê para difundir notícias escolhe a dedo aquilo que quer apresentar aos leitores - e eu tenho a certeza que o objetivo máximo de Harry não era que só se falasse do facto de ele ter queimado o escroto ou que o irmão o tivesse atirado ao chão; terceiro porque é difícil mudar opiniões moldadas durante anos apenas com um par de intervenções (a série e o livro) estratégicas. Ainda assim, é uma oportunidade única para a "plebe" perceber a dinâmica de uma família real, com tudo aquilo que ela tem de bom e de mau; para se entender como é um negócio, como está moldada para gerar espalhafato e gerir expectativas. Mas é, acima de tudo, uma tentativa, uma redenção - e acho que justa, tendo em conta tudo aquilo por que o príncipe passou. Não sei se, de facto, o Harry não tem nada a perder aqui - creio que as ligações familiares devem ter ficado muito fragilizadas depois disto, não só por ele contar episódios chave que mancham amplamente a imagem do pai e do irmão (principalmente) mas por todo o sentimento de não pertença que ele descreve (e que se sente) ao longo do livro, que acaba por ser ainda mais grave que os acontecimentos algo isolados que foram acontecendo entre os três ao longo das suas vidas.

Sobre o livro em si: não li muitas biografias /memoirs e, como tal, não tenho grande termo de comparação. Adorei o prólogo e a ideia de que o livro foi tudo aquilo que ele não teve oportunidade de contar, explicar e fazer ver ao pai e ao irmão - foi um pontapé de saída ótimo, mas que esmoreceu logo no inicio do relato militar da sua história. A segunda e terceira partes são mais lentas, explicativas e, em alguns casos, algo chatas - salvam-se por terem capítulos curtos, que fazem as páginas virar mais depressa. No início do romance com a Meghan parece que o livro ganha outra vida - e daí até ao fim, ainda que com muitas partes tensas, lê-se tudo rapidamente. Ainda assim... é um livro triste - escrito por alguém perdido, onde se lava demasiada roupa suja (embora eu perceba o porquê de ele se ver nesse direito).

Apesar de todas as asneiras que possa ter feito, de algumas más decisões que tenha tomado, acho que será sempre alguém com a qual eu tenho muita empatia. Desculpem, Charles e William... deste lado escreve-vos alguém Team Harry.

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