Chávena de Letras: "I'm Glad My Mom Died"
Este é um livro necessário. Na verdade, só o prólogo diz tudo aquilo que muitos precisamos de saber - embora o que está para trás seja igualmente valioso.
Aquilo que Jannette McCurdy evidencia é algo que, no fundo, todos sabemos - mas é uma verdade pouco proliferada (e até pensada): o papel de mãe é o mais romantizado da história. As mães são sempre heroínas, são sempre boas, sempre bem-intencionadas, são sempre incríveis... Só que não. Porque há más mães. Há mães que vendem os filhos; há mães que os matam. E há mães que maltratam, mesmo quando parece que não o fazem - que era o caso da mãe de Jannete.
Na narrativa desta história percebemos que tudo aquilo pelo qual a autora passou foi feito sob a ideia de que era para o seu bem: as invasões ao ser corpo eram para garantir que não tinha nódulos, a obrigação de trabalhar era para ter uma boa vida e ser feliz, ter de ser magra e pequenina tinha como propósito garantir papéis por muito mais tempo. Tudo para o seu bem. Mas será mesmo o "seu" bem? Ou o bem da sua mãe - ou, simplesmente, para bel-prazer da sua progenitora?
Este foi o primeiro audiolivro que ouvi e gostei muito da experiência. A linguagem utilizada é acessível para quem estiver familiarizado com o inglês (não é preciso ser especialista) e a forma de falar de McCurdy (sendo que o livro é narrado por ela) ainda nos envolve mais na narrativa, uma vez que ela imita as vozes e os sotaques das personagens de quem fala. Esta é a sua história de vida, desde o momento em que começou a fazer castings (passando pelos anos em que fez um programa de sucesso no Nickelodeon) até à altura em que a mãe morreu, quando já tinha enveredado por caminhos mais tortuosos como o alcoolismo e anorexia (entre outros); é a forma de como lidou com tudo o que vivenciou e da forma que arranjou para, depois, conseguir gerir tudo isso.
Apesar de ter adorado o mote do livro e a conclusão a que chega, há dois apontamentos curiosos que quero fazer: 1) não conhecia o trabalho (nem a imagem) da autora, mas por alguma razão não consegui simpatizar com ela - muito embora tenha uma enorme empatia pelo que passou; isto faz com que o livro tenha ainda mais valor para mim - porque o adorei apesar do que senti em relação a quem o escreveu; 2) não acho que o título do livro faça jus à história. Acho que foi escolhido por ser "chocante" e para atrair leitores, mas em nenhuma parte da história ela se mostra feliz pela morte da mãe - é tudo muito mais profundo que isso, e essa complexidade está bem espelhada em todas as páginas do livro. Tudo é pouco linear, tudo é de difícil leitura e análise, escondido por detrás de dogmas, boas intenções e tantas outras ideias pré-concebidas da maternidade - e por isso seria muito difícil resumir tudo num sentimento tão "simples".
Aconselho muito - e em particular o audiobook.
(este livro acabou de ser editado pela Lua de Papel, em português, sob o nome "Ainda Bem Que a Minha Mãe Morreu")