Chávena de Letras: "A Única História"
Julian Barnes é perito em (d)escrever memórias. Mas memórias a sério, de forma fidedigna, com tudo a que têm direito. Narrar uma história no presente é muito diferente faze-lo enquanto se pensa no passado; não se trata só da precisão e dos detalhes que damos (ou não damos, quando contamos alguma coisa de memória, onde algo inevitavelmente nos falha), mas também da perspectiva que ganhamos da nossa própria história.
A nossa visão muda ao longo dos anos - uma queda no presente não tem graça, mas somos capazes de nos rir quando já tiverem passado uns anos. Da mesma forma, o mesmo desgosto amoroso não tem a mesma intensidade na altura em que o vivemos e volvidos uns anos, quando o lembramos; e o mesmo se passa com todo o processo de enamoramento com alguém. A memória tira detalhes e encantamento e normalmente acrescenta uma pitada de racionalidade.
É nisto que Julian Barnes é bom, a fazer este jogo de lembranças e seus confrontos com o presente. Mas se "O Sentido do Fim" me conquistou imediatamente e é ainda hoje um dos livros que recordo com maior carinho (apesar da história praticamente me passar ao lado), "A Única História" não teve a mesma capacidade. Embora tenha achado à partida a narrativa interessante - a ideia de relembrar o amor da nossa vida, todo o processo de enamoramento (e a forma como é visto pelos outros) e, depois, o confronto com os problemas que qualquer relação acarreta, este não me cativou por aí além e, de certeza, não me ficará na memória como a primeira obra que li do autor.