Cansada desta liberdade condicional
Fiz 26 anos no sábado. Faço parte daquele conjunto de azarados que, pelo segundo ano consecutivo, teve de festejar o seu aniversário confinado. E apesar de não desejar que isto seja mais um prenúncio do que aí vem, sinto que de facto os meus 25 anos foram confinados, com a vida restringida apenas àquilo que mais é essencial.
Estou a enfrentar um muro, neste momento - a fase mais pesada desde que tudo isto da pandemia começou. E não - nem a perspetiva de um casamento me anima! Estou cansada que os dias me saibam sempre ao mesmo - de acordar, vestir-me, tomar o pequeno, ir trabalhar, almoçar, voltar a trabalhar, ir para casa, fazer o jantar, tomar banho, estar uma hora no sofá e dormir. Se no início a coisa se passou (até porque nunca confinei, no que ao trabalho diz respeito) - porque haviam séries para ver, porque era Inverno e sabia bem estar debaixo da manta, porque até me sabia bem almoçar em casa - neste momento estou exausta da repetição dos dias. Sinto que a vida me está a passar pelos dedos e, neste caso, não há mesmo nada que possa fazer. Sinto que estou a envelhecer, mas que não vivi.
Estamos todos com a vida resumida ao seu sumo, ao essencial dos essenciais. E é uma tristeza. Quem gosta de fazer desporto não pode ir jogar futebol com os amigos, andar de bicicleta e passar uma fronteira qualquer, nadar ou fazer uma jogatina de ténis. Há duas semanas não podíamos sequer passear à beira-mar ou sentarmo-nos na praia. Não se pode pescar. Quem gosta de ir às compras não pode comprar nada a não ser arroz, pão e outros bens com os quais não conseguimos de facto viver. Não podemos estar com a nossa família. Não podemos ir a um restaurante, nem comer fora num dia especial. Até há dias nem ao parque podíamos ir, para fazer um picnic. Nem um café em chávena de porcelana estamos autorizados a beber, quando vamos à padaria. Não podemos viajar. Não podemos sorrir a um desconhecido - porque isso significa que estamos sem máscara perante alguém que não partilha casa connosco.
De alguma forma sinto que o desânimo começa a ser geral; tentamos compensar os mais próximos com palavras motivadoras e de esperança, mas no fundo estamos todos no mesmo poço - uns mais fundo que outros. Uns dias mais acima, outros mais abaixo - e assim vamos andando. Sinto isso até na rádio, onde já não parece passar música feliz! Só ouço a "Viagem", do Tiago Bettencourt, a "Por um Triz" da Carolina Deslandes, a "It's a sin" e outras que tais, tão lindas quanto pesadas. Sou só eu?
Estamos numa prisão ao ar livre, em que temos a chave da cela na mão mas não a podemos utilizar. Coisas simples como atividades para descomprimir ou aliviar os nervos foram suprimidas da nossa vida e estamos reduzidos ao trabalho e à vida doméstica. Vivemos, mas não saboreamos. Tudo aquilo que dava sabor à nossa vida foi-nos retirado.
Cheguei ao ponto de loucura em que já tenho saudades de ir jogar padel (eu, que odeio desporto)!!! Tenho saudades de ir comer picanha e um prato de sashimi variado. Tenho saudades de viajar, da adrenalina de sair de um avião e estar num lugar desconhecido. Tenho saudades de receber pessoas em minha casa e jogar jogos de tabuleiro. Tenho saudades de ir fazer compras, de escolher roupa ou coisas para casa. Tenho saudades de estar com a minha família toda. Tenho saudades de ir a um concerto. Tenho saudades de fazer um escape game.
Acho que se tivéssemos a capacidade de olhar para a nossa vida (e o mundo) de cima, quase como estando no céu, não nos acreditávamos no que nos está a acontecer. Hoje aceitamo-lo porque vemos a desgraça à nossa volta, porque sentimos e temos medo, porque cedemos à pressão e ao inevitável. Mas, na verdade, fomos obrigados a abrir mão de alguns dos nossos direitos mais básicos - nomeadamente a liberdade. E se há dois anos nos dissessem que hoje íamos estar presos, "açaimados" e com tudo fechado, tenho quase a certeza que não acreditaríamos. Dávamos tudo como garantido. E, como diz o outro, éramos felizes e não sabíamos.
A todos os que estejam com um muro à frente, como eu, é pensar que isto há-de passar. E vai melhorar.