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Entre Parêntesis

Tudo o que não digo em voz alta e mais umas tantas coisas.

04
Out15

As festas rurais de família

Costumo dizer que vivo no campo dentro da cidade - e adoro. Tenho horta, animais e árvores de fruto - somos quase auto-suficientes neste campo (e o que não temos compramos na feira, só muito raramente em supermercados). Admito que não sou eu que cuido da bicharada ou que ando a regar ou plantar os legumes, mas adoro esta ideia de comer o que é nosso, sem todos aqueles produtos terríveis, com a compensação de que tudo tem mais sabor. Esta ideia mais tradicional encanta-me enormemente e é algo que quero que perdure pela minha vida fora. 

Felizmente, na minha família, não somos os únicos a ter este misto de vida rural/urbana e, durante vários anos, isto fez com que fizéssemos algumas celebrações um pouco fora do normal e das tradições básicas, como o Natal, o São João ou a Páscoa. Aqui em casa costumava festejar-se o São Martinho, com algumas (poucas) castanhas aqui de casa, aproveitando-se muitas vezes o "verão de S. Martinho" para fazer a última festa do ano no exterior.

Nos meus tios fazia-se tipicamente a desfolhada, onde passávamos uma tarde ou uma manhã a recolher o milho que normalmente se dá aos animais durante o resto do ano - acho que esta foi a primeira "celebração" do género e que fez com que o bichinho pegasse. Chegamos a fazer a apanha do milho em dias de calor abrasador, com direito a banhos de mangueira e tudo - e é claro que depois do trabalho vinha a comidinha e o convívio mais convencional. O ato de apanhar milho é muito giro e é claro que os gritinhos sempre que alguém tocava num "morcão" (nome que damos ao bicho do milho) ou caía eram sempre razão para risota - isso e a comichão terrível que a farinha do milho faz, tanto na pele como no nariz e pela garganta abaixo.

Outra coisa que chegamos a fazer um par de vezes foi a matança do porco - isto já requeria mais trabalho e experiência, pelo que era um fim-de-semana inteiro nisto. O primeiro dia era para matar (calma, não havia aqueles urros horríveis, já nessa altura se punha o porco inconsciente antes de se abater), queimar, esventrar e essas coisas horrendas e só no segundo é que ia lá o talhante, bem pela fresca, cortar e dividir a carne para todos os que quisessem. E, claro, depois comer - o almoço era carne bem fresquinha, com direito a papas de sarrabulho a acompanhar. Também era giro, mas acabamos por não fazer mais - primeiro porque a carne tinha um paladar muito forte (os porcos caseiros têm um sabor muito diferente daqueles que compramos nos supermercados), depois porque o ritual de tudo aquilo é, para além de macabro, bastante demorado e, por fim, porque quem cuidava dos porcos acabava por se afeiçoar e era todo um problema quando chegava o derradeiro dia. 

Hoje em dia, por falta de tempo, vontade ou dificuldade de reunião, este tipo de junções são cada vez menos vulgares - e eu tenho imensa pena, porque era dos eventos familiares que me davam mais gozo. Não era só comida e bebida mas também o trabalho conjunto com vista a um fim. Mas aquilo que eu gostava mesmo, mesmo mesmo para completar a panóplia de tarefas rurais era fazer uma vindima - nós temos algumas vinhas aqui em casa, mas são pouquinhas e para consumo próprio (nem sequer convém apanhar tudo de uma vez porque não damos vazão), por isso nunca seria uma vindima a sério. Resta esperar que alguém compre uma quintinha no Douro para pôr estas mãos a trabalhar...

 

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[primeira desfolhada, há 11 anos - eu de chapéu verde] 

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