Antes um calendário da Pirelli que do Benfica
Estou agora a imiscuir-me no meio industrial. Nasci no seio dele, mas há coisas que há quinze anos atrás me passavam ao lado - e ainda bem, porque não tinha sequer idade para as perceber. Coisas tão simples e tão complexas como a relação patrão-colaboradores ou a própria interação dos empregados entre si. Quando era criança achava mais graça aos processos e não estava tão preocupada com esta vertente, que agora me é essencial, tendo em conta que estou a tentar assumir o papel de liderança dentro de uma empresa.
Aprendi muito na minha passagem pelo jornal, quanto mais não fosse porque ouvi muitas opiniões (que eu às vezes concordava, outras não) e vi outras empresas, transpondo agora um bocadinho desses conhecimentos e daquilo que vi para a minha realidade atual e tentando tornar isto o melhor possível.
Há uns dias, enquanto tentava aprender um dos processos aqui da fábrica, deparei-me com uns cartazes e calendários do "Benfica Campeão" colados numa das paredes. Ora o tetra, ora a reconquista, ora o penta que aí vinha - não sei, nem olhei bem, vermelho e branco não é a minha praia. Mas fiquei a matutar naquilo e como não gostava da imagem que aquilo transmitia. E não, não é por ser do Benfica: podia ser do Porto, do Sporting ou do Leixões. É por ser de futebol. Veio-me à memória um escritório da fábrica onde cresci, quase pintado de azul e branco da cabeça aos pés, como quem grita "este escritório é de um portista doente". E isso não é bom, porque no futebol quase todas as reações, discussões e opiniões saem diretamente do coração. E, numa empresa, aquilo que queremos é cabeça.
Lembro-me perfeitamente de uma vez, no Leroy Merlin, ter mandado uma piada sobre o Benfica a um colaborador que estava a ajudar a carregar para o nosso carro umas placas pesadíssimas que viriam a forrar a piscina. Não sei o conteúdo da piada, da boca, da indireta ou da brincadeira, creio que até foi ele que começou e eu não me deixei ficar, mas lembro-me perfeitamente do desfecho: o senhor deixou o carrinho e foi-se embora, deixando-me a mim e à minha mãe a carregar aquele peso bruto. Tudo por causa do futebol. Escusado será dizer que, de cada vez que vou a uma destas lojas, me lembro da gentileza e racionalidade deste homem, que manchou a imagem do sítio onde trabalha por uma atitude parva e irrefletida.
Há quem critique as pessoas por adornarem as secretárias com as fotos dos filhos, quem deteste ir a oficinas automóveis porque se depara com calendários cheios de mulheres em poses indecentes. Pode ser piroso e revelar muito sobre quem os tem, mas não há muito a comentar sobre isso. Já coisas com teor futebolístico são, para mim, bem piores, pois criam cisões graves à partida entre as pessoas, sem estas sequer se conhecerem. Um cartaz de futebol é uma posição expressa de um gosto clubístico e pode criar pequenas guerras perfeitamente desnecessárias. Então e se as pessoas que partilham o mesmo espaço não forem todas do mesmo clube? E se alguém doente por um outro clube visitar o sítio em questão e se puser a mandar postas de pescada sobre o golo mal anulado do jogo de domingo? É irreal pensar que alguém que se dá ao trabalho de colar posters ou adornar o seu escritório com coisas do seu clube não vai ripostar a um desafio desse género. E muito dificilmente uma conversa destas vai ter a algum sítio bom ou culminar com elogios e uma ideia positiva de quem está do outro lado.
Não quer isto dizer que vá andar por aí a tirar posters alheios das paredes ou acabar com pregões clubísticos, qual extremista. Mas, a longo prazo, preferia que eles não existissem. Mal por mal, tragam os da Pirelli.