A "senhora professora" *
É um bocadinho assustador perceber o quão importante o piano se tornou para mim nos últimos tempos. Em Setembro de 2017, ao perceber que me estava a tornar numa miúda que só falava de trabalho, achei que voltar a tocar seria uma boa forma de me distrair e de pensar noutras coisas para além de têxteis-moda-notícias-jornais e etc. O que eu nunca poderia imaginar é que ano e meio depois estava não só a aprender como a dar aulas – e capaz de aguentar o barco, ensinando todo o tipo de alunos, sempre que necessário.
Se pensar bem, fiz com o piano o mesmo que fiz com a escrita (e que achei que nunca voltaria a fazer): tornar um hobbie no meu trabalho. Acho que, frequentemente, isto resulta na aniquilação de um passatempo, algo que nos relaxava e fazia bem, para a criação de mais uma responsabilidade e uma coisa que nem sempre nos apetece fazer (como tudo o que é obrigatório nesta vida). Mas não consegui rejeitar esta oportunidade – acho que é disto que se faz a vida, no agarrar de pequenas oportunidades que por vezes nos parecem descabidas e descontextualizadas, completamente fora do nosso plano, mas que se tornam importantes para nós e que eventualmente nos adoçam os dias.
Hoje, dentro da instabilidade constante que é a minha vida, já consegui chegar a um certo equilíbrio – dou aulas duas vezes por semana, só a adultos. Percebi durante o primeiro mês que não conseguia ensinar crianças – aliás, eu conseguia... mas sofria demasiado pelo caminho. Não sou uma pessoa que goste de lidar com os mais novos, tenho dificuldade em perceber porque é que se portam mal, sou demasiado exigente e fico nervosa por não conseguir que eles façam aquilo que eu planeava para eles, o que acabava por não tornar as aulas prazerosas nem para eles nem para mim. Nessa altura foi importante voltar a lembrar-me que isto era um hobbie – para eles e para mim, ainda que esteja a ser recompensada por ele – e que não fazia sentido que nenhum de nós não estivesse a retirar prazer daquilo. E, daí em diante, foi essa a minha condição: dou aulas, mas não a miúdos (a não ser em casos excepcionais). E tudo melhorou.
Continua a ser um desafio – tanto ao nível da gestão de tempo como de aprendizagens, porque também eu tenho de aprender certas coisas antes de lhes ensinar – mas, nesta dose, tem sido recompensador. Acho que melhorei muito a minha capacidade de interagir com os outros, de perceber o estilo e os limites de cada um. Continuo a ficar muito surpreendida de cada vez que alguém dá um feedback positivo sobre mim e sobre as minhas aulas, porque sempre pensei em mim como um bicho-do-buraco que não nasceu para lidar com pessoas. E, no fundo, isto é um crescimento útil para o resto da minha vida, independentemente do que venha fazer a seguir.
Estou a delinear o meu caminho e acho que estou no trilho certo. Faz confusão a muitos que eu não esteja inteiramente dedicada a uma só coisa – ou nas empresas da família, ou a ensinar piano, ou a terminar a pós-graduação – mas a verdade é que acho que esta miscelânea é tudo o que melhor me define. Nunca fui óptima a fazer uma coisa, mas sempre fui boa a fazer muitas, por isso sinto que esta fase meio caótica da minha vida me assenta que nem uma luva.
É lógico que um dia vou ter de assentar. Quando a minha posição nas fábricas começar a ficar mais definida e me começar a cair trabalho a sério – algo que, espero, só comece a acontecer mais a meio do ano, porque prefiro acabar a pós-graduação sem essa pressão extra – eventualmente vou ter de prescindir destes pequenos devaneios, que me ocupam tempo mas que dão cor à minha vida. Até lá, podem continuar a chamar-me de professora (e eu continuarei sempre incrédula a olhar para trás e a pensar: “quem, eu?!”).
*e sim, tenho alunos mais velhos que me tratam por “senhora professora”. Respeitinho, hã?!