A palavra de segurança
Se as vossas mentes são perversas e, ao lerem este título, se lembraram imediatamente das 50 Sombras de Grey e das boas práticas do sadomasoquismo, é bom que tirem já o cavalinho da chuva. Não venho falar dessas palavras de segurança... pelo menos, não nesse contexto (ninguém nos diz que a mesma palavra não pode ter várias funções, não é verdade?).
Lembro-me de ver num vídeo de um casal a fazer um balanço do seu casamento e um dos truques que diziam utilizar para uma boa harmonia dentro de casa era ter uma palavra de segurança. Para quê? Para avisar o outro que a probabilidade de aparvalhar, de se irritar ou se passar à mínima coisa é grande, ainda que o outro não tenha qualquer culpa no cartório. Porque, admitamos, a nossa tendência é sempre essa: atirar para cima dos outros – em particular aqueles que nos são mais próximos, que amamos e que nos aturam todos os dias – as frustrações e irritações do dia-a-dia. Às vezes basta uma frase mal dita, uma interpretação mal feita (que acontece quase sempre, porque as alterações de humor têm muito disso) ou algo dito com uma certa entoação para fazer estalar o vidro e impulsionar alguma discussão. E isto acontece porque, por um lado, quem está irritado não tem tolerância perante o outro e o outro não sabe que tem de ter cuidado com o que diz e com o que faz porque o companheiro está, nesse dia, feita uma autêntica florzinha de cheiro.
Acho que isto acontece com todos nós, independentemente do nosso trabalho ou da nossa personalidade; acontece a quem manda porque tem muitas responsabilidades, acontece a quem é mandado porque o chefe não sabe mandar, acontece a quem não faz nada porque os maus dias são umas espécie de lotaria que pode acontecer a qualquer um, desde que se acorde de manhã.
Há dias assim, nem sempre tudo corre como queremos e lidar com as frustrações é só uma das milhões de coisas que temos de aprender a lidar durante a nossa vida. Há quem faça esta gestão melhor, outros pior, mas parece-me que ter uma forma de avisar os outros que aquele não está a ser um bom dia devia estar em qualquer manual de boas práticas de “como viver em harmonia debaixo do mesmo teto”. Poupavam-se muitas discussões, muitos mal-entendidos, e muitas falhas de percepção – assim como um enorme desgaste emocional, uma vez que não é fácil ter de, diariamente, perceber o estado de humor das pessoas com quem vivemos e ter de as tratar com pézinhos de lã antes de conseguirmos fazer o nosso diagnóstico.
Por isso mais vale evitar chatices e, nesses dias, chegar a casa e gritar “banana!”. Ou “Stupeffy!”, para os fãs de Harry Potter. “Darth Vader”, já que mexe com o lado negro da força, também me parece uma expressão adequada para avisar os outros que constituímos um perigo para a paz caseira. Ou, por exemplo, “rede de pesca”, para quem quem gosta de coisas mais marítimas. Ou simplesmente “dia mau” - embora menos imaginativo, cumpre bem a função. E todos sabemos que há, simplesmente, dias assim.