A história por detrás das fotografias
Estou a cumprir com um dos meus objetivos de 2019 e já me lancei à empreitada que vai ser arrumar a minha gigante pasta de fotos digitais - aliás, pastas, no plural. Centenas delas. Se o quiser cumprir vai ter mesmo de ser assim: aos pouquinhos mas com muita frequência e desde do início do ano, que isto não vai ser uma coisa que vá conseguir resolver de um dia para o outro só para fazer "check" na resolução de ano novo.
A primeira fase já está completa: dividir todas as pastas pré-existentes por anos. Agora entrei na segunda, bem mais demorada: esmiuçar pastas macro (coisas como "fotos de iphone"), com milhares de fotos incategorizadas - e tantas outras incategorizáveis - que depositei no meu computador só com o objetivo de reaver espaço no meu telemóvel ou cartões de memória a abarrotar pelas costuras. Este tipo de pastas são o meu pior pesadelo e aquilo que aconselho sempre a que ninguém faça - mas é como diz no ditado, "faz o que eu digo, não faças o que eu faço".
No que aos telemóveis diz respeito esta é mesmo a saída mais comum; já há muitos anos que arquivo com data as fotos tiradas com a máquina, mas os telemóveis com câmara vieram acrescentar todo um nível de complexidade a este campo: porque inicialmente as partilhas das fotos para o computador não eram tão fáceis, porque tiramos fotografias a coisas absolutamente desnecessárias e desinteressantes (muita vezes só com o objetivo de registar algo, coisa que antes fazíamos utilizando o bloco de notas, por exemplo) e porque, por ser um telemóvel e não apenas um dispositivo que tira fotografias, vamos deixando acumular. Já deitei milhares de fotos fora - entre selfies, fotos de livros, de outras coisas que queria comprar, 45789 imagens manhosas dos meus cães e etc. - e já criei pastas para outras tantas que encontrei e que perderia caso não estivesse a fazer esta seleção. A fase seguinte, depois de me desfazer destas pastas monstruosas e de ter tudo dividido por anos, vai ser entrar em cada uma das subpastas e deitar todas as fotos más-repetidas-tremidas-desfocadas para a reciclagem. Mas até lá chegarmos, upa upa - temos muito caminho para percorrer!
A parte boa disto tudo é que tenho apanhado uns tesourinhos que me fazem quase ganhar o dia. Vídeos e fotos que nem sabia que existiam, ora dos meus sobrinhos a cantarem-me os parabéns, ora de colegas de turma a dançarem no balneário, entre outras pérolas. Mas é a mexer em fotos antigas que relembro que há duas fase de Carolina. Quase tipo A.C. e D.C., mas em que o "C.", em vez de Cristo, é o meu nome. Há uma fase clara em que sinto que renasci. Mais: há uma foto que marca esse momento.
Depois de um episódio triste que marcou a minha pré-adolescência, que já relatei há alguns anos aqui, sinto que congelei no tempo. Houve um período de mais de um ano em que passei um borrão e não era eu, era apenas uma fase de transição. Olho para as fotos dessa altura - fáceis de distinguir, porque foi a fase em que estive mais gordinha em de toda a minha vida - e não me reconheço. Honestamente, já quase nem me lembro. Percebo hoje o esforço que fiz para voltar a gostar de mim mesma, depois de me ter deixado engordar daquela forma e sou capaz de entender os sorrisos que fui reavendo com o passar do tempo. Assim se mede a intensidade de um acontecimento: não só pela forma como reagimos na altura em que ele aconteceu, mas também pela maneira (e dificuldade) com que nos reerguemos depois de ele passar. Sei que, para além de mim, mais ninguém consegue ver este tipo de coisas apenas a olhar para uma foto.
Durante as minhas limpezas dei de caras com a foto que durante mais tempo esteve no background do meu telemóvel. Ninguém diria que aquela simples fotografia, onde nem a cara aparece, foi um turning point. Lembro-me bem de a tirar, na casa de banho, com a minha camisola preferida do momento: da Zara, com muito elastano, com riscas transversais brancas e cinzentas. Bem justinha ao corpo. Foi ela que me fez aceitar que já não era a miúda gordinha que tinha sido. Fez também ela parte da minha transição para aquilo que sou hoje.
É isto que adoro nas fotografias, a capacidade de me fazerem viajar no tempo, de conseguirem ajudar a (re)construir um bocadinho da história de alguém - e principalmente a minha. Relembrar o que fui, o que pensava, onde estava, o porquê de ter tirado aquela fotografia. Como era. Quem era.
Tenho pena que hoje em dia se use tanto a fotografia para manipular os outros: ora para se fingir que se tem a vida perfeita, o dinheiro para comprar uma mala Louis Vuitton, que se vai ao ginásio cinco vezes por semana ou para vender um produto qualquer de maquilhagem. Não quer dizer que essas fotos não tenham histórias por detrás; quer só dizer que não foram tiradas com o propósito certo - e o propósito certo, em muitas ocasiões, é mesmo não ter um propósito.
A fotografia vai muito além da cara cortada, do queixo marcado por algumas espinhas da adolescência e de uma camisola às riscas. É tudo aquilo que não se vê nos pixels, mas que eu sei que é tão ou mais importante do que tudo aquilo que lhes dá cor. É a capacidade de viajarmos no tempo. De voltarmos a calçar os nossos próprios sapatos e pensarmos "afinal é por isto que cheguei aqui". Cada foto é uma história, só que muitas vezes não nos lembramos dela.