Eu julgo as pessoas pelos seus carrinhos de compras
Julgar é feio, eu sei. Mas, na verdade, isto não se trata bem de um julgamento: é mais um conjunto de ideias, características e histórias que eu obtenho através daquilo que as pessoas levam nos seus carrinhos de compras e pela forma como agem quando estão numa fila de supermercado - e, em minha defesa, posso também dizer que faço o exercício inverso. Ou seja, penso muitas vezes "o quê que as pessoas pensariam de mim perante os produtos que tenho aqui em cima do tapete?".
Isto depende muitos dos dias, do meu estado de humor, da má-língua e até do tipo de compras. Sobre aquelas pessoas que compram poucas coisas - muitas vezes aquisições de última hora ou os ingredientes para o jantar - eu tento adivinhar quais os pratos que vão sair dali; em compras mais substanciais, tento mesmo decifrar o estilo de pessoa, passando primeiro pelos produtos e depois para uma avaliação superficial do próprio indivíduo. Vejamos algumas das categorias que costumo encontrar:
- Os saudáveis (onde se incluem também as fit, que não são necessariamente saudáveis, mas pelo menos parecem): o carrinho está frequentemente recheado de proteínas, carnes brancas, skyrs, óleo de coco, aveia e coisas assim; esta é talvez a tipologia mais rara.
- Os "não-saudáveis": estas não são, necessariamente, as que trazem mais gordices no carrinho, mas sim aquelas pessoas que às vezes têm filhos e lhes levam pacotes de todos os cereais possíveis - estrelitas, chocapic, kellogs com frutos vermelhos -, iogurtes gregos de caramelo, bolachinhas dos crocodilos, rissóis e pizzas congeladas. Dou sempre por mim a pensar "será que esta senhora sabe a quantidade de açúcar que está naqueles cereais?" e na falta de clareza que há neste sentido, não sendo este um julgamento necessariamente pejorativo (no sentido de pessoas gordas, por exemplo) mas sim de alguma desinformação.
- Os gulosos: estes, ao contrário dos não-saudáveis, sabem bem o que levam no carrinho - e que, no caso das mulheres, se vai transferir diretamente para as ancas e, no caso dos homens, para a barriguinha. Chocolates, gomas, sugos, gelados. Tudo uma maravilha... mas não há bela sem senão, e nós sabemos disso.
- Os caça-promoções exagerados: detetam-se à distância através dos carrinhos estilo monopólio - só levam um tipo de produto em quantidades abismais e ridículas, que só um exército é que é capaz de deitar abaixo durante um mês inteiro, seguido, e sem pausas. Mas estava em promoção, por isso vale a pena.
- Os cupõezaólicos: este tipo de pessoa não se vê bem pelo conteúdo do carrinho - a menos que sejamos, também nós, cupõezaólicos e saibamos que tudo o que está ali é patente de uma promoção - mas sim pelos dezassete minutos que as pessoas demoram a ir buscar os cupões, a procurar os cupões, a ler os cupões, a entregar os cupões, a guardar os restantes cupões. Enfim. Cupões e cupões e cupões.
- Os esperançosos: bastante comum no dia dos namorados - uma rosa, morangos e preservativos. É fácil tirar-lhes a pinta.
- Os desorganizados: isto não tem que ver com o conteúdo do carrinho, mas sim com a forma como as coisas estão arrumadas. Estas pessoas chumbaram na disciplina do tetris e estão matam um obsessivo-compulsivo de cada vez que atiram impiedosamente mais um item para dentro do carrinho, não respeitando a regra do mais-pesado-por-baixo e outras coisas que tais;
- Os jovens pré-ressaca: o vodka mais barato da secção, copinhos de plástico e nada para comer, que é para o álcool bater o mais rapidamente possível e eles nem se lembrarem que aquela noite existiu;
No fim disto tudo, e fazendo uma avaliação global da minha pessoa, gosto de pensar que sou uma boa mistura entre o saudável e o guloso. Ou então sou simplesmente aquela pessoa que vai só buscar pão e que mal põem o pé fora do supermercado já está com uma bucha na boca, o que me abre toda uma nova categoria: a esfomeada. Assenta-me que nem uma luva.