E tu, já reclamaste do IVA hoje?
Não me considero reacionária ou contestatária por natureza; sou participativa e acho muito importante sê-lo, politicamente, para a saúde de qualquer país - mas também percebo quem não o faz, porque às vezes não há tempo e muito menos paciência para os joguinhos de que somos alvo (enquanto povo), não tendo outra alternativa senão estar constantemente a pensar mais além para perceber segundas (e terceiras e quartas e quintas) intenções e ler por entrelinhas as artimanhas em que aparentemente todos os políticos estão metidos. Não estou satisfeita com o estado em que vivemos mas não me queixo muito porque, honestamente, não tenho nenhuma sugestão melhor para dar; as eleições nunca caem para o lado que eu quero, mas tendo em conta que o respeito pela escolha do povo de uma nação é a base da democracia, deixo-me seguir e ir lidando com aquilo que, no meu ponto de vista, os outros mal escolheram. Isto para dizer que nunca fui a uma manifestação, nunca fiz greve (esta tinha graça!) nem parte de um protesto coletivo, mas que sempre fui votar e que em meios mais privados não deixo de dar a minha opinião (às vezes de uma forma demasiado aguerrida).
Mas passemos ao tema em concreto: confesso que quando Espanha baixou o IVA em alguns produtos eu achei uma boa ideia. E é, se fôssemos todos pessoas decentes e com boas bases, como aquelas que descrevi num texto que aqui deixei há dias. Mal se começou a aprofundar a ideia em Portugal eu vi logo que ia dar asneira e dei a mão à palmatória sobre as vezes em que, em algumas discussões, achei que esta seria uma boa medida.
Entretanto a lei entrou em vigor. E eu repito que disse: não sou contestatária, mas sou participativa. E, acima de tudo, gosto muito de ser coerente - e de ver coerência. E transparência. E se eu tento sempre apoiar os pequenos negócios - porque eu própria tenho um -, esta medida veio mostrar a podridão em que a sociedade se encontra, dos grandes aos pequenos negociantes. Acho que os supermercados têm uma margem menor para trafulhices neste campo, porque o seu peso obriga a que as instituições responsáveis estejam de olho bem aberto para apregoar que aquilo que o governo decreta está a ser bem feito; mas nos pequenos negócios - padarias, mercearias e etc., o cheiro a podre sente-se de longe.
Numa semana fiz duas reclamações - numa delas, ainda dei uma aula de matemática para explicar como se deviam fazer as contas ao preço de uma regueifa. Se caiu em saco roto? Certamente. Se eu senti que tinha de o fazer? Também. Porque comigo as cantigas que tenho ouvido não me enchem os ouvidos: "veja aqui no talão como diz «produto com isenção de IVA» ", "ah, mas o preço das coisas é que aumentou, isto não fica nada é para mim" e "o patrão disse que não valia a pena baixar o preço das carcaças, também é só um cêntimo...".
Quando às vezes dizem que Portugal devia ser como a França, que sai em peso para a rua, causa motins e se faz ouvir a toda a força, eu não concordo. A pasmaceira deste cantinho à beira-mar plantado faz parte da nossa beleza e, acima de tudo, da segurança que sentimos quando pomos um pé fora de casa. E eu acredito que há ferramentas para nos fazermos ouvir - tanto aquelas previstas pela lei como algo tão simples como chamar o gerente da loja e explicar, educadamente, que não temos a palavra "burro" escrita na testa. Mas sei que não as usamos porque sentimos sempre que não vai valer a pena. Não vale a pena o tempo que perdemos, não vale a pena a revolta que sentimos no peito e aquela sensação que nos acompanha e potencialmente nos estraga o resto do dia.
E é por isso que eu, com 28 anos e à frente de uma empresa (e, por isso, obrigação de saber como funciona o IVA e de fazer as contas), sinto-me na obrigação moral de reclamar. Primeiro por ser nova, ter sangue na guelra e paciência, tempo e disposição para me chatear caso chegue a esse ponto; segundo por saber do que falo e poder fazer as contas à frente de quem me contestar. Este post serve como incentivo e pedido para fazerem o mesmo - para que, com 25, 50 ou 70 anos, se predisporem também a deixar um recado verbal ou uma nota no livro de reclamações; a informarem-se sobre o funcionamento basilar da nossa economia, porque vai certamente afetar o vosso bolso. Eu acredito que se formos muitos a sermos vocais sobre a nossa insatisfação e a demonstrar que sabemos do que falamos, alguma coisa há-de mudar. A união faz a força - mas não tem de ser na rua, nem tem de ser à força.
Acima de tudo, aquilo que eu sinto neste caso em particular não é só a nossa típica inércia às injustiças de que somos alvo, mas também falta de capacidade para perceber que estamos a ser enganados. Falta-nos literacia económica e financeira que possa alavancar bons e válidos argumentos. O IVA, o IRS e o funcionamento do estado em geral deviam ser algo ensinado nas escolas básicas - e como não o é, a maioria das pessoas fica-se pelo mero conhecimento da sigla. Acho que tudo isto é uma boa desculpa para pesquisarmos e percebermos o funcionamento das coisas - e, depois, predispormo-nos a ajudar na aplicação da lei. Porque isto, como quase tudo, sai do nosso bolso - e, como diz o ditado, "grão a grão enche a galinha o papo"; mas à mesma velocidade o nosso se esvazia. (E acreditem que o patrão da cadeia "O Molete", que diz que "não vale a pena baixar o preço da carcaça porque é só um cêntimo", está com o papo bem recheado).
Acho que o slogan do Compal Essencial, quando surgiu na televisão, atravessou gerações: "e tu, já comeste fruta hoje?". Apliquem-no ao IVA também. Façam as contas. Reclamem. No limite, se não o fizerem com a esperança de mudar alguma coisa, façam-no para demonstrar que neste jogo do Quem é Quem, não somos nós que temos "burro" escrito na testa, mas que facilmente damos a pista para que os outros descubram a sua: "ladrões".