“Hope. It’s recurrent, it keeps creeping back in no matter how many times it gets ripped apart and every time the hope goes it takes chunks of you with it.”
Dr. Nicole Herman, Grey's Anatomy
Todas as pessoas que me conhecem minimamente sabem duas coisas sobre mim: 1) eu tenho fobia de médicos e 2) tenho um pé cronicamente inchado (aka pé de urso). Nenhuma dessas duas coisas é fácil de explicar mas, com tempo, as pessoas acabam por chegar lá (pelo menos com as informações que posso dar, uma vez que ambas as situações saem fora do meu controlo).
Estas duas informações estão ligadas na medida em que tenho um pé cronicamente inchado há uns quatro anos e, depois de várias visitas a médicos de medicina interna, endocrinologistas e ortopedistas e de uma ressonância magnética e uma ecografia à parte renal, desisti de saber o que tinha e a suposta solução para o problema. Eu acho que um bocadinho de mim morre de cada vez que tenho de pôr os pés num médico - é uma coisa que ultrapassa a minha racionalidade e com a qual não vale a pena gastar muito latim. É, simplesmente, doloroso - não física, mas psicologicamente. Por ter percebido, a uma certa altura, que não havia muito mais a fazer pelo meu pé e que havia de morrer, daqui a muitos e bons anos, com o pé inchado, achei que não compensava todo o desgaste emocional de passar a vida em médicos e exames.
O diagnóstico é tão simples como complexo: tenho um linfedema. Ou seja: uma concentração de linfa (líquido que circula no sistema linfático, e que é responsável por ficar com as impurezas que circulam no nosso sangue - uma espécie de canal paralelo ao sistema circulatório que transporta as coisas menos boas) que não é distribuída pelo corpo. A gravidade encarrega-se de puxar a linfa para baixo, e há uma qualquer estrutura, que devia fazer de "escada rolante", que não me leva a linfa para cima. Este problema pode acontecer por muitas razões - quase todas elas muito difíceis de descobrir. Também por isto, é complicadíssimo arranjar uma cura, uma vez que não se sabe a razão da anomalia.
E eu já me tinha conformado. Pronto, vou ter um pé inchado para o resto da vida. Há, definitivamente, coisas piores. Mas, ao contrário de mim, toda a gente à minha volta está inconformada. Porque sou demasiado nova para ter uma sina destas, porque não fiz tudo o que tinha para fazer para despistar outras causas, porque deve haver uma cura algures, porque é uma chatice por causa dos sapatos e é sempre um filme para conseguir comprar o que quer que seja. O que não deixa de ser verdade - apenas não estou disponível para continuar com esperanças e a levar baldes de água fria por cima.
A maioria dos dias nem noto que tenho um pé deformado pelo inchaço; faz parte de mim, tal como as minhas unhas dos pés horríveis ou as minhas ancas largas. Há dias piores, claro. Aqueles em que tenho de comprar sapatos e percebo que me ficam horrivelmente; aqueles em que quero usar saltos altos e não posso porque o pé mal cabe num chinelo; aqueles em que já me sinto triste e feia e olho para o espelho e vejo que há ali mais uma coisa a piorar o panorama. Mas, na conta final, não são assim tantos como isso. A menos que me lembrem e que me chateiem com isto, é algo com que aprendi a lidar com tranquilidade.
O pior é que de cada vez que estou com alguém que me vê com menos frequência e que sabe do problema, a lenga-lenga do costume vem à baila. "Estás melhor?", "vai fazer mais exames, pode ser que até se resolva". E, de cada vez que dizem isto, para além de me chatearem com o panorama de ter de visitar mais médicos, implantam em mim uma semente de esperança que eu não quero que nasça. E lançam toda a discussão de novo: porquê que não procuras mais uma vez? Mais exames, mais alternativas?
E há dias, à custa de tudo isto, decidi fazer os malditos exames. Foi hoje o dia. Como esperava, não há nada a apontar nas minhas veias - não há entupimentos, não há nada de anormal. Já posso (finalmente) dizer que fiz os exames todos, que não há nada a fazer, que vou ficar com um pé de urso para a vida inteira. Não é algo que me agrade, mas ao menos corto o mal pela raiz. A esperança de ter melhorias faz-me mais mal do que ter um pé cronicamente inchado.