Aquilo que passou
Se há coisa que eu respeito foi aquilo pelo que passei. Fases boas, más, maravilhosas ou péssimas. Tento fazer jus àquilo que senti e pensei na altura e não ao que vejo agora, já mais distante da situação, mais adulta, com, muito provavelmente, um ponto de vista diferente.
Eu não me martirizo por, algures no quinto ano, ter andado as turras com as fracções e ter berrado aos sete ventos à conta daqueles tracinhos com números quando hoje aquilo me parece a coisa mais fácil de sempre; eu não tenho vergonha de ter mudado do curso dos crânios para o "dos burros" quando senti que precisava de o fazer; também não tenho vergonha dos vários ataques de pânico que tive de cada vez que tinha de olhar para a cadeira do dentista; não fico embaraçada comigo mesma quando penso que me martirizei tanto por pessoas que não o mereciam. Aconteceu, foi assim, era assim que sentia as coisas na altura e acho que, simplesmente, tenho de o respeitar. Não vou esquecer o que fui, o que passei: não vou gozar com as reacções que tive, fazer pouco do meu sofrimento só porque já faz parte do passado e já não o sinto aqui dentro.
Faz-me um bocadinho de espécie as pessoas que ridicularizam aquilo por que passaram, que se esquecem como foram, que só ligam ao presente, porque lhes parece que só esse é que é real. Há uma diferença entre deixar o passado para trás e fazer de conta que ele não existe. É triste negarmos quem fomos e termos vergonha disso, principalmente se esse passado tem algum valor. Às vezes devíamos era ter vergonha daquilo em que nos transformamos e não daquilo por que passamos. O produto final é, muitas vezes, mais fraco do que a própria matéria prima.