Tempo
Tenho uma relação muito paradoxal com o tempo.
O tempo passa muito depressa quando não quero que ele passe e demasiado devagar quando quero que passe rápido; faz-me "esquecer" coisas que desejo lembrar-me, mas também aquelas que pretendo esquecer; faz sarar as feridas, mas piora as saudades; faz-me mais velha para o bem e para o mal.
Mas, acima de tudo, o tempo é um enganador. É um carpinteiro, um experiente em fazer aquelas cómodas cheias de gavetinhas de todos os tamanhos e feitios - pena não se lembrar de fazer as fechaduras para elas. Ele não faz esquecer - ele apenas guarda, bem lá no fundo, as nossas memórias e encosta-as no gaveteiro que criou ao longo da vida. O tempo tem muitas capacidades, mas nenhuma delas é apagar aquilo que foi feito e que aconteceu - e, para além do mais, nunca chegou a aprender a fechar as gavetas devidamente.
E é por isso que, de quando em vez, aquilo que pensávamos que estava mais que enterrado no nosso passado - ou, como quem diz, no nosso "gaveteiro" pessoal - salta cá para fora. Um terramoto ou outro faz estremecer a cómoda e, puff, somos arrebatados por algo que já nem nos lembrávamos e que , por vezes, mexe connosco até á raiz do nosso ser. Resta-me dizer: tempo, está na hora de começares a fazer chaves.