Vive uma ditadura dentro de mim
Com um aparelho repressivo em termos e uma censura ainda melhor. A minha polícia, em vez de presos, recolhe sentimentos quase que aleatoriamente e ao mínimo desvio que estes façam do padrão habitual: algum demasiado extremo, vai dentro; outro com demasiada carga emocional, vai dentro; aqueloutro sem importância para o resto do mundo, vai dentro. E se os presos vão para as prisões, os meus sentimentos desviantes vão para algum sítio equivalente, que por ser tão longe e bem escondida nem sei bem onde fica - é uma caixa-forte, uma gaveta fechada, com todo o tipo de coisas boas e más lá dentro.
A ditadora sou eu, pois claro. Muitas vezes faço a coisa tão bem que nem dou conta das consequências que a repressão interior tem para a minha vida, qual bom ditador que, ao longo dos anos, começa a perder as estribeiras e o bom senso sobre aquilo que é certo ou errado. Sou cem por cento dona de mim e isso faz com que queira tomar conta de cada parte do meu corpo da forma que quero, o que nem sempre é bom, mas é o que é.
Mas como os ditadores e os revolucionários andam sempre de braço dado (só de uma forma fictícia, pois claro), há quem queira liberdade. A boca liberdade de expressão, o coração o poder de voto e escolha, os sentimentos a oportunidade de andarem à solta sem medo que alguém os meta numa gaveta fechada. Enfim, resta-me dizer-lhes para estarem calados e quietos, pois assim é que estão bem. Até porque eu não gosto cá de revoluções.