Ser tia
Ser tia/o é dos graus de parentesco com mais amplitude no que diz respeito à proximidade da relação. Sabemos o que esperar dos pais, dos irmãos e dos avós... Mas os tios são uma incógnita definida, provavelmente, pela ligação dos irmãos, da cultura de cada família e da personalidade de cada um. Há aqueles que são família chegada, outros que são conhecidos, outros até meros estranhos de quem só sabemos o nome e vemos em casamentos e funerais. A relação com os meus tios é muito boa - mas, com os meus sobrinhos, sempre ambicionei subir um degrau na escada do relacionamento hierárquico e ser mais para eles. Mais do que a minha vontade, ajuda muito a relação muito próxima com os meus irmãos e, claro, a parca diferença de idades entre mim e os miúdos - 10 anos para o mais velho, 20 anos para o mais novo.
Hoje já são todos crescidos, já não tenho bebés para cuidar. Mas lembro-me de todos bem pequeninos, de os agarrar no colo e de os sentir como meus. Principalmente os da minha irmã, por culpa da relação tão próxima que tínhamos. Quando a Clara e o Afonso estavam para nascer, chorei durante uma hora, numa espécie de luto com a relação com a minha irmã; achei que, naquele momento, a nossa relação como eu a conhecia iria acabar. A junção de dois bebés na equação assustava-me, mas a verdade é que, sim, deixamos de ser só as duas - mas passamos a ser quatro, naquela bolha tão nossa de um amor tão próprio e profundo. Fui a primeira a dar o biberão à Clara, com menos de uma hora de vida e perdi a conta às vezes que embalei o Afonso nos meus braços, ao som da minha voz enquanto lhe cantava o "elefante trombilante". Os gêmeos saíram da barriga da minha irmã, mas eram meus também.
Há dois anos vi um dos meus sobrinhos a acabar o secundário e chorei de alegria. Há dias, a ver estes dois na cerimónia de graduação, as lágrimas também correram - de alegria, saudade, de tudo. As circunstâncias não são aquelas que queríamos - e são duras, muito duras. Ninguém substitui ninguém, mas estou aqui para lhes dar a mão, tal como quando deram os primeiros passos e precisavam de auxílio. Não diria que a tragédia nos uniu mais: simplesmente demos as mãos com mais força.
Sei que, normalmente, a expressão "ficar para tia" é usada com algum desprezo, como um reflexo de quem não teve filhos e ficou com o que havia. Pois que o que havia era, e é, maravilhoso; e eu, a tia, só quero ser mais do que "uma tia". Quero ser a melhor da minha liga. Não quero ser tia - quero ser lembrada como a que foi tia, mãe, irmã, amiga, bombeira, enfermeira, polícia e conselheira. Não sou só tia - sou Tili. Uma Tili orgulhosa dos seus rebentos já-não-tão-pequeninos.