Islândia, dia três - De Vik a Hofn
O terceiro dia na Islândia foi o primeiro (e talvez o único) em que tivemos de prescindir de boa parte do nosso roteiro por termos constrangimentos horários. Como tínhamos a marcação para a escalada ao glaciar logo a seguir ao almoço, e o ponto de encontro ainda ficava relativamente longe do nosso local de partida, fomos obrigados a muitas das paragens que tínhamos da parte da manhã. A verdade é que isto podia ter sido eventualmente evitado com um bocadinho mais de planeamento - mas a altura em que fiz o roteiro foi muito complicada e tudo o que eu tinha, eu dei àquele documento. Abri o computador em dias em que só queria dormir, obriguei-me a pensar na viagem em alturas em que achei que não ia poder meter-me num avião... já não me sobrava nem paciência nem tempo para mais - e, por isso, contento-me e congratulo-me simplesmente com o que fiz em vez de olhar para o lado mau.
Tinha muitas micro-paragens ou photo-stops neste dia, que risquei do roteiro (mais uma vez refiro que, se quiserem ter acesso ao documento, basta deixarem aqui o vosso email ou enviarem-me o pedido para nãoficaremcoisaspordizer@gmail.com - não o enviarei logo porque ainda tenho de fazer uma ou duas retificações de erros graves!). Cingimo-nos às paragens de maior envergadura ou fama.
Começámos pelo Fjardararglufur, o primeiro desfiladeiro que visitámos. A visita ao essencial, até às plataformas de visualização, demora cerca de uma hora - mas pode ser bem mais prolongada se decidirem fazer os trails que lá têm disponíveis. É um local muito bonito e calmo, onde se respira um ar bem puro. Acredito que no verão esteja no seu auge de beleza, com o musgo verde a pintar as rochas gigantes e o sol a entrar pelo vale adentro. Os desfiladeiros, para além das cascatas, são das belezas naturais mais bonitas da Islândia e também merecem a nossa atenção. Para quem sofre de vertigens... talvez não seja o mais aconselhável.
Fjardararglufur
Fjardararglufur
Fjardararglufur
Fjardararglufur
Seguiu-se uma surpresa: Stjornarfoss, que tinha no meu roteiro como uma cascata cujo acesso era relativamente demorado, mas que afinal é visível à face da estrada, com um caminho plano e muito fácil de fazer! Não é uma cascata enorme mas não deixa, ainda assim, de ser bonita. E o facto de ser grátis e rápida de visitar justifica, sem dúvida, o pequeno desvio.
Stjornarfoss
Stjornarfoss
Stjornarfoss
Depois seguiu-se uma das maiores empreitadas desta viagem: Svartifoss. Este dia foi muito cansativo, provavelmente o mais difícil de todos - cheguei ao fim com 19km nas pernas e com a sensação de ter as coxas completamente pisadas. A chegada até à cascata é bastante dura, principalmente pelas subidas íngremes que parecem não ter fim; uma porção do terreno também não ajuda, com muitas pedras e desníveis.
Curiosamente vêem-se muitas pessoas de mais idade a fazer os trails, mas sei que não tinham as condicionantes de tempo que nós tínhamos - principalmente neste dia. Isto para dizer o quê? Diria que toda a gente é capaz de fazer uma viagem à Islândia e de visitar quase tudo, mas é preciso ter noção das nossas limitações e dos nossos tempos, ajustando a nossa realidade àquilo que temos planeado. Ainda assim, dizer que de uma forma geral ajuda muito se tivermos em boa forma física. Eu estou longe de estar no meu auge - desde Dezembro que tenho a minha vida desestruturada, com muito mais visitas ao hospital do que à minha bicicleta de cycling - e senti que o ar me faltava em muitas situações. Parei muitas, muitas vezes - e quando cheguei a esta cascata parecia um tomate escaldado, tal o esforço.
Mas a verdade é que aqui... a caminhada é justificada. Svartifoss é uma paragem obrigatória e muito, muito bonita. Falamos de uma cascata coma queda de água em fio, envolta num contexto de basalto, relativamente fechado, como se fosse a parede de uma redoma, e me fez lembrar um enorme órgão de uma igreja. É, de facto, muito bonita - e é uma autêntica pérola escondida no meio de montes e vales onde não parece existir muito mais do que terra.
Porque a Islândia é assim, cheia de segredos escondidos e recantos incríveis. Foi uma lição que retirei desde o primeiro dia: sempre que chegávamos aos locais para onde o GPS nos levava, achávamos que não estávamos no sítio certo. Isto porque normalmente não víamos nada no momento da chegada; não percebíamos onde podia estar uma cascata tão grande quando não a conseguíamos ver do sítio onde aparcávamos. Por vezes andávamos quilómetros até aparecer qualquer coisa - mas a verdade é que, ao virar de uma simples esquina... lá estão aquelas belezas. É algo recorrente e que, nesta altura do campeonato, já estávamos habituados: na Islândia é preciso lutar e suar para ver aquilo que realmente vale a pena. A terra não nos oferece, de mão beijada, a maioria das suas pérolas. Por isso não desanimem quando não virem logo à partida aquilo que procuram: mais tarde ou mais cedo... vai aparecer, logo depois daquele monte ou daquela subida tão dura. Av. P/Q: 5, Av. E/Q: 5.
Svartifoss
Svartifoss
Svartifoss - foto tirada por um senhor que levava uma máquina XPTO e um mega tripé mas que, quando lhe pedimos para tirar esta fotografia... não foi sequer capaz de apanhar a cascata
Svartifoss
Apesar da correria, conseguimos chegar a tempo ao ponto de encontro da Troll Expeditions - a empresa com que decidimos fazer a expedição ao glaciar. Pouco antes de chegarmos o meu marido diz-me assim: "acho que chegou a altura de te dizer...". Eu, preocupada, respondi logo: "DIZER O QUÊ?!". E ele returque, calmamente: "aquilo não vai ser fácil...". Seguiram-se alguns impropérios da minha parte, que se resumem a: "e só agora é que me decides dizer isso?!". Ele acalmou-me, disse que eu ia conseguir, mas que ia ser duro, para eu me ir preparando psicologicamente.
De referir que eu não marquei esta expedição às cegas: fui ver o nível de dificuldade e ler comentários de pessoas que a haviam feito. Em nenhum sítio dizia que aquilo ia ser complicado. O nível de dificuldade, no site, era designado como "fácil" e em nenhum comentário referiam esforço sobre-humano. Mas também não sou totó: eu não tenho particular aptidão física para estas coisas e já ia com receio. Escusado será dizer que fiquei ainda pior. Mas fui - e ainda bem, porque é algo que provavelmente se faz uma vez na vida, mas que vale muito a pena.
A atividade demora três horas, mas na minha cabeça decorreu durante cinco. Não conseguia ver o relógio e não me aventurava a pegar no telemóvel - e, segundo as minhas contas, eu já estava a caminhar há três horas e a tentar segurar-me no gelo há pelo menos duas. Foi difícil! Mas a verdade é que valeu a pena. Tenho a certeza de que esta será mais uma memória que vou guardar para a vida.
Antes de fazer a caminhada mas já devidamente equipada!
No glaciar
Eu não tinha qualquer experiência com neve: vi alguns montinhos na Serra da Estrela, das poucas vezes que lá fui, e vi nevar quando estive na Suíça. Nunca tinha estado num sítio com neve a perder de vista nem andado sobre camadas com mais de dois dedos de espessura. Como tal isto foi mesmo uma aventura... Quando me deram aquele machado e os grampos para a mão eu nem sabia o que fazer. Mas rapidamente aprendi: os grampos são colocados a meio do caminho (há uma caminhada de cerca de meia hora na terra, até se começar a subir para o glaciar) e é-nos ensinado como os colocar; o machado utiliza-se por instinto. Quando vieram algumas rabanadas de vento - das mais fortes que senti na vida - atirei-o rapidamente ao gelo para me segurar.
Nunca me habituei nem senti à vontade durante toda a experiência - estive sempre em tensão, com medo de cair ou de colocar o pé no sítio errado. É algo totalmente fora da minha zona de conforto e não conseguia evitar estar sempre em esforço e concentrada ao máximo para minimizar erros. Custou-me, em alguns momentos, acompanhar o grupo - e posso confessar que o Miguel me ajudou muito, carregando as minhas coisas ou dando-me empurrões para as pernas não me falharem nas subidas. Foi stressante, principalmente quando os caminhos eram estreitos, o ritmo imposto era mais alto do que aquele com que eu estava confortável e, acima de tudo, quando o vento soprava forte - todo o grupo (éramos cerca de doze) se baixava e punha os machados no gelo para minimizar o impacto - uma visão que até teria a sua graça se eu não tivesse medo de ser levada e rebolar pelo gelo abaixo.
As vistas são estonteantes. Beber a água do glaciar é a oitava maravilha do mundo - gelada e tão, tão pura! E passar pelas caves e pelos vales formados pela água e pelo vento é lindo - são autênticas paredes brancas (e às vezes azuladas) que nos parecem tão sólidas que nem pensamos que são feitas de algo tão volátil como... água. Quando me perguntam se é assustador passar por aqueles rifts, a minha resposta é rápida: não, de todo. Parecem estruturas muito estáveis, embora tenhamos de estar cientes da sua potencial fragilidade. O meu medo era cair e magoar-me, por ter uma inaptidão natural para este tipo de coisas, mas de resto senti-me sempre segura (tirando os momentos em que o vento soprava mais do que eu acharia normal).
Posto isto, será que eu aconselho meterem-se numa aventura destas? Claro que sim, é uma experiência que provavelmente não se repetirá na vida. E que mais oportunidades terão para subir a um glaciar, apreciar a vista, pôr a mão e perceber a sua textura? Há coisas que metem medo, mas em que vale a pena contrariar o nosso instinto. Acreditem que nunca mais na vida voltam a olhar para um cume da mesma forma. Para além disso, pelo ritmo do degelo, daqui a relativamente poucos anos não sobrarão muitos glaciares para escalar... por isso é aproveitar enquanto é tempo.
Nós fizemos o hiking com a Troll Expeditions (podem ver aqui) e gostamos muito da experiência e da forma que fomos tratados. Av. P/Q: 5, Av. E/Q: 5.
No glaciar
No glaciar
Já recompostos de uma das experiências das nossas vidas, voltamos ao carro para nos fazermos ao resto do caminho. De seguida, no roteiro, tínhamos a Hofskirkja - um photo-stop bem curtinho, de uma igreja embutida na natureza, tal como algumas das casitas que já tínhamos visto. É só mesmo para ver e seguir - e não se perde nada se passarmos à frente, pois há mais espécies destas pelo caminho e ainda mais bonitas.
Hofskirkja
Por esta altura já estávamos a deixar o sul da ilha para trás e a entrar a passos largos na parte este, sendo que simultaneamente íamos subindo - e tal nota-se bem na paisagem. O (pouco) verde que víamos até então deixa de existir, sendo tomado pela "tinta" branca que pinta, principalmente, as montanhas.
Para concluir o dia faltava-nos ver os dois glaciares: Fjallsarlon e Jökulsárlón. O primeiro é menos impactante que o segundo, na minha opinião - mas são ambos bonitos. Principalmente ao pôr do sol, como nós fomos! Teria ficado lá horas, a ver o sol esconder-se, não fosse o frio e o cansaço que estavam a tomar conta do meu corpo.
Em ambos existe a possibilidade de fazer passeios de barco e ver de perto os pedaços de gelo a flutuar, a virar e a "passear" pelas águas. Infelizmente, na altura em que fiz as marcações para as lagoas e restantes atividades (deve ter sido cerca de três semanas antes da nossa partida), já não havia vagas. Também não conseguiríamos ir, pois este dia já foi longo o suficiente e só pelas 18h é que chegámos a esta parte da ilha - e, nessa altura, já estavam todas as barraquinhas fechadas e os barcos todos encostados. O feedback que tenho é de que é uma atividade muito bonita, mas tem de ser marcada com bastante antecedência; apesar de haver, nos locais, spots de venda, tenho a percepção de que é algo que esgota rapidamente. Sei que se lá voltasse era das coisas que gostava de fazer: Jökulsárlón roubou totalmente o meu coração. Foi das minhas paisagens favoritas de toda a Islândia. E adivinhem o que também existe por lá...? Foquinhas! O meu coração não aguentava de tanta fofura e beleza ao mesmo tempo!
O parque em Fjallsarlon não é pago, mas o de Jökulsárlón é. No entanto, é uma paragem mais do que obrigatória. Av. P/Q: 5, Av. E/Q: 5, uma vez que o passeio à beira-mar não é minimamente cansativo.
Fjallsarlon
Fjallsarlon
Jökulsárlón
Jökulsárlón
Jökulsárlón
A caminho do Jökulsárlón apercebemo-nos de que de um lado tínhamos o glaciar e, de outro, a famosa Diamond Beach. Ambos os parques são pagos e não faz sentido estacionar nos dois, pois há uma travessia por debaixo da ponte que liga os dois locais. É uma caminhada curta e que faz compensar, largamente, os euros que se iriam gastar; para além de que, com uma vista daquelas, custa muito pouco caminhar.
A Diamond Beach é também um dos pontos obrigatórios quando se visita a ilha, pois costuma estar recheada de pequenos (ou até grandes) pedaços de glaciar, que se espalham pelo areal, formando uma autêntica praia de diamantes. Digo que "costuma" porque, ao contrário de todas as imagens que vimos, a praia estava vazia. Era uma praia de areia preta, normal, igual a qualquer outra. Havia um (UM!) pedaço de gelo que corremos para apanhar - mas foi literalmente o único que vimos. Foi, para nós, uma enorme desilusão. Não sei se é um fenómeno comum nem a razão para tal ter acontecido, mas a verdade é que apanhamos um grande balde de água fria.
Daqui seguimos para Hofn, onde pernoitamos no Árnanes Country Hotel: um hotel muito fofinho, constituído por cerca de uma dúzia de casinhas de madeira, pequeninas mas muito fofinhas e confortáveis. Tinha pequeno almoço-incluído que, não sendo nenhuma especialidade, tinha o essencial. A relação qualidade/preço é muito simpática!
Na Islândia janta-se relativamente cedo e, por esta altura, o relógio já batia perto das nove da noite. Fomos ao centro da cidade perceber onde poderíamos jantar e já ninguém estava a aceitar mesas. Demos por nós numa corrida não oficial contra um casal de italianos que estava exatamente com o mesmo problema que nós - fizemos rigorosamente o mesmo périplo de restaurantes até que chegamos ao pior de todos, uma espécie de diner americano (o Hafnarbudin). Havia uma mesa livre. Nós chegamos trinta segundos mais cedo que os nossos oponentes - tendo, por isso, ganho a corrida.
Eles, ao entrar, fizeram um olhar triste e viraram costas. Mas a mesa disponível era de quatro pessoas e não havia razão para um de nós ficar sem comer. Dissemos-lhes que podíamos jantar todos na mesma mesa... e assim foi. Esta história teria um final muito mais engraçado se vos dissesse que ficámos super amigos e que foi uma experiência de partilha gratificante e muito divertida... só que não aconteceu. Eles não eram particularmente conversadores, nós estávamos também cansados, e o jantar resumiu-se a uma breve troca de palavras e perguntas básicas - e a um hambúrguer estilo McDonalds, mas pior, o que não foi um bom fecho para um dia tão bom, feliz e preenchido. Mas foi o que se arranjou - restava a esperança de que a refeição do dia seguinte fosse melhor. Pagámos 35 euros por dois hambúrgueres com batatas e duas pepsi max.
Dica do Dia: Indo para a Islândia há uma série de aplicações que já devem levar no vosso telemóvel. No que diz respeito a dinheiro, é obrigatório ter a app do "Revolut" - para mim é a melhor para ver os custos e os câmbios imediatos, para além de se evitar pagar taxas. De um ponto de vista logístico, e se alugarem carro, é imperativo instalarem a "SafeTravel", principalmente nos meses frios, pois indica-vos as condições das estradas, quais é que estão fechadas e os locais perigosos - principalmente quando andamos a norte, íamos consultando a app pelo caminho e houve locais que não visitamos por não estarem reunidas todas as condições de segurança; acho que também é útil descarregar o "maps.me" e os seus mapas offline (foi o que utilizei na China), caso algo falhe a nível de Wi-Fi ou roaming. A "Vedur" é a aplicação mais popular de meteorologia, mas confesso que não utilizei. A "My Aurora" é obrigatória para quem vá atrás das auroras boreais e envia notificações quando estão numa zona onde há possibilidade de as avistarem - foi graças a ela que as vimos em Selfoss! No que diz respeito a turismo, achei interessante a "Kringum", embora não tenha utilizado muito, e o "Get Your Guide", com o qual marcámos algumas das visitas - comparem sempre os preços nos vários sites, pois pode compensar não marcar diretamente nos sítios oficiais!
Curiosidade do Dia: ainda sobre o hambúrguer ao estilo McDonalds, devo dizer que a coisa mais hipócrita deste país é fazer do abandono desta cadeia de restaurantes uma autêntica bandeira. O McDonald's esteve na Islândia durante vários anos mas, em 2009, acabou por ceder e fechar a sua última loja, por não ter conseguido atrair clientela. Esta história é de tal forma famosa que o último hambúrguer vendido está ainda em exposição, num hostel algures no sul da ilha. Mas a verdade é que eu estive em poucos países do mundo onde se comesse tanta fast food: são pizzas, são hambúrgueres, é frango frito, são cachorros, são sandes pré-feitas... tudo péssimo! Diria que 70% dos restaurantes na Islândia são de comida plástica, o que acaba por transformar estes pratos naquilo que há de mais típico naquela terra. É verdade que eles têm rena, baleia, cavalo e muitas sopas... mas se fechassem os olhos e entrassem num restaurante às cegas, a probabilidade era saírem de lá com a barriga cheia de hidratos de carbono e comida ultra processada, à moda norte-americana.