Feliz Natal!
Nos últimos tempos tenho pensado muito em como são curiosas as parecenças entre organizar um Natal e um casamento - têm sido tantos os mini-dramas familiares por conta desta edição-2023-natalícia que tenho recuado muito a 2021 e aos seis meses de organização do meu casório. Ora: são ambos são eventos que envolvem família - e tudo o que isso implica, se é que me faço entender...-, ambos exigem cedências, ambos requerem regras e critérios e, acima de tudo, ambos passam num fósforo tendo em conta todo o tempo que demoram a ser preparados.
E eu dei conta desta "pormaior" porque, em conversa, me apercebi de que, curiosamente, me recordo muito pouco das noites ou dos dias de Natal - são parcas as memórias que tenho da azáfama das refeições, da abertura de presentes ou do convívio. Mas lembro-me perfeitamente de determinadas prendas que ofereci e onde é que as comprei; recordo a ida anual a Santa Catarina para fazer as compras com a minha mãe; lembro-me de ir levar pencas à mãe do meu ex-patrão; recordo-me de me levantar cedo para ir fazer os doces com a minha mãe e a Dona Joaquina; lembro-me dos sacos de linho, cor de lavanda, que embrulhavam os presentes que a minha avó me oferecia e dos envelopes azuis em que o meu avô me dava algum dinheiro; lembro-me do caminho até casa do meu tio, onde festejamos alguns Natais, onde passávamos pela margem do rio Douro, com as luzes da cidade reflectidas nas suas margens; recordo as poucas vezes em que me aventurei em patins no gelo e da senhora muito velhinha que, todos os invernos, vendia castanhas na Praça dos Poveiros - e que me dava sempre uma castanha extra; lembro-me de arrastar a árvore na Natal escada acima, mesmo sem o consentimento da minha mãe, pois todos os anos teimava em montá-la antes do dia 1 de Dezembro.
O Natal é a minha quadra preferida do ano inteiro, mas não é pelo dia em si; é pelo caminho até lá. Há poucas coisas que me deixam mais feliz do que uma casa decorada com luzes amarelas e quentes, uma árvore recheada de bolinhas e muitos presentes a seus pés. Amo andar ao final do dia na cidade, apreciando as suas luzes; adoro dedicar tempo a pensar nas prendas para as pessoas que me são mais próximas e sentir que aquele objeto tem mesmo a cara da pessoa em que questão; delicio-me com músicas de Natal, com as feirinhas e com a ideia de ter de embrulhar um montão de presentes. Gosto muito de planear as mesas, de pensar na disposição da sala e de ir provando as sobremesas na véspera de manhã. Depois a noite chega e o dia evapora-se - e tudo o que parece ficar é o que veio antes.
Compreendo que haja pessoas que não gostem do Natal - principalmente por ser uma quadra altamente emocional, em que faz ainda mais falta quem cá não está e onde se recordam facilmente traumas que preferimos esquecer. Também tolero todas as outras razões (o facto de ser uma época consumista, por dar muito trabalho, por ser só mais uma obrigação ou mais um foco de intrigas e chatices familiares), mas estaria a mentir se dissesse que lhes dou crédito ou que as perceba. É mais ao menos como me dizerem que não gostam de chocolate: não entendo, recuso-me, alguma coisa não está bem ali. Porque o Natal é um caminho de ansiedade para algo bom, com um cheirinho quente e característico - é, na verdade, a única altura do ano em que fazemos uma contagem universal decrescente, em forma de calendários do advento docinhos. E isso não é por acaso, certo?
Hoje percebo o porquê de, durante muitos anos, os dias de Natal serem um bocadinho agridoces. Sempre que chegava a casa com o saco cheio - e mesmo durante o decorrer do caótico dia - sentia-me sempre algo triste. E acho, agora, que já entendo a razão por detrás disso: porque a parte que eu mais gostava tinha, infelizmente, chegado ao fim. Porque aquilo que eu sempre apreciei foi o caminho - um, que hoje acaba, pelo menos por este ano.
Hoje é só o epíteto de um mês de expectativa, trabalho, esperança e reflexão. É mais um que posso passar com os meus... E é, claro, a oportunidade perfeita para começar a contar os dias para o ano que vem.
Que este ano o saco do Pai Natal me traga, em forma de prenda, a sabedoria que, aparentemente, eu sempre tive em relação a esta época: a aprender a saborear o percurso, em vez de ter sempre o olho num qualquer fim. A dar valor aos dias bons, ainda que o caminho não seja sempre asfaltado. E tempo. E, acima de tudo, saúde.
A vós, desejo-vos o mesmo.
Um Feliz Natal!
(o ano passado, com os meus pais)